Capítulo X - Helena - "Stop being so neurotic!"

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Cantarolava baixo enquanto passava a corda por volta de uma parte da nova muleta que Luba usaria. Eu, Saiko e Júlio tentamos construir algo para que ele pudesse andar, e depois de algumas tentativas falhas, nós finalmente havíamos conseguido alguma coisa. Coloquei um pedaço da corda entre os dentes, e forcei com o pé, tentando assegurar que aquilo ficaria o mais seguro possível.
- Helena! - chamou Gabs depois de conseguir acertar o alvo vermelho com a flecha. Ela sorria orgulhosa de seu feito.
- Hum! - fiz o sinal de positivo com o polegar e sorri, ainda com a corda entre os dentes - Ei, pessoal, é o seguinte...
Fiz um nó com a corda e em seguida cortei o resto com a adaga, encostando a nova muleta super improvisada na árvore atrás de mim. Me dirigi aos meus "alunos" e peguei meu arco preso às minhas costas.
- Exercício novo. Vocês vão atirar assim. - o virei, para que ele ficasse de lado. Coloquei a flecha e atirei em direção ao alvo vermelho - Viram? Fácil. Além de ser uma ótima tática em algumas situações.
O pessoal tentou fazer, e por algum momento, eu me senti tranquila. Passei a mão pelo meu braço, e senti uma pontada de dor quando meus dedos tocaram o ferimento. Ele já estava se curando, no entanto ainda doía.
Caminhei entre eles, corrigindo as posturas, as maneiras de se pegar nos arcos, o olhar... Quando, de repente, ouvi alguma voz vinda do lado de fora. Parecia tão distante que pensei ter ouvido uma outra coisa qualquer, já que a Gabs e Emisu continuaram em suas atividades. No entanto, Felps ergueu a cabeça e olhou em volta.
- Ouviram isso? - perguntei levando a mão ao meu arco.
- Eu ouvi alguma coisa. - Felps assentiu e focou o olhar no portão principal, o que chamou a atenção dos outros dois. Na verdade, seriam três, só que Cellbit ainda não havia se recuperado.
Ficamos parados tentando perceber alguma coisa indiferente. Alguns momentos depois, realmente escutamos um grito vindo do lado de fora. Mas não era desesperado, como quando está havendo um ataque; era mais para ajuda em alguma coisa.
Me aprontei em correr em direção à voz, mas antes que eu pudesse chegar ao portão, vi Evelyn entrando por ele. Ela parecia carregar alguma coisa... Pesada. Várias pessoas da base pararam de fazer seus determinados deveres para visualizar a cena.
Pelo que deduzi, Evelyn e Whindersson, que estavam de guarda naquele dia, encontraram um grupo pequeno de pessoas. Todos apresentavam machucados visíveis, e estavam exaustos a ponto de praticamente estarem sendo arrastados.
Evelyn dispunha todo seu esforço ao tentar carregar um cara que apoiava em seus ombros com o braço direito. Ele tinha a pele clara, cabelos pretos e o nariz um pouco avantajado. O problema era sua perna esquerda, que tinha um machucado bem feio, que ia de seu joelho até o pé. O sangue escorria vermelho vivo, o que significava que o ferimento era recente.
O cara também se apoiava em uma mulher baixinha. Ela parecia menos machucada, apresentava apenas alguns arranhões no rosto, nos braços e roupas rasgadas. Seus cabelos batiam no ombro, e eram bem lisos, com as pontas clareadas.
Ao seu lado, havia outra garota. Esta aparentava estar bem machucada. Seu rosto manchado por sardas estava inchado, como se ela tivesse chorado muito e levado muita porrada. Os cabelos eram castanho-escuros como os olhos, mas estavam emaranhados em folhas secas, poeira e sangue seco. O braço enfaixado tinha as faixas da cor vermelha, pois o sangue ainda emanava de seu machucado. E ainda, na região do abdômen, havia uma mancha carmesim em sua blusa encardida.
A moça se apoiava em outro jovem. Este também não estava tão mal. Seus olhos eram puxados, como os de japoneses, então notei que ele tinha algum parentesco. Seus lábios estavam secos e rachados, como se não bebesse água há um bom tempo, e talvez isso explicasse a aparência exausta de todos eles também.
No entanto, o último parecia ser o mais ferido. Whindersson praticamente o arrastava. Ele estava pálido, cortes ao redor do rosto, e uma mancha de sangue na blusa, que já estava colada no corpo. A barra da camisa e da bermuda estavam chamuscadas, e uma bandana preta que cobria seus cabelos negros estava rasgada.
- Mas o que é isso? - não tinha notado a presença de Júlio ao meu lado até ele murmurar.
- Acho que eles estão precisando de uma ajudinha ali. - comentei, e em seguida ele foi em direção ao grupo, ajudando Whindersson a carregar o cara da bandana.
- O que vamos fazer com eles? - ouvi alguém questionar.
- Vamos leva-los até Maethe! - falei fazendo um sinal para que me acompanhassem.
Porém, antes que os outros começassem a me seguir, as pessoas começaram a se afastar, formando um caminho. Quando me virei para ver o que se sucedia, Damiani já estava parado na frente do grupo, fitando-os como se fossem um grande problema.
- Leve-os para a Torre. - ordenou num tom de voz seco e imponente.
- Mas eles... Eles não estão aguentando nem andar, quanto mais subir tantos lances de escada! - Whindersson se manifestou em vão. Damiani não respondeu, apenas deu as costas e seguiu para a sala. O nordestino limpou o suor da testa e fechou a cara - Ô doido.
Bem, foi muito difícil fazer com que aquelas cinco pessoas subissem as escadas. Digamos que tivemos de pedir auxílio à várias pessoas. Mas enfim conseguimos fazer com que todos chegassem ao terceiro andar.
Satty e Damiani já estavam a nossa espera na sala de observação. Eles estavam de braços cruzados e observavam o grupo como se fossem um bando de encrenqueiros. No centro, cinco cadeiras dispostas em círculo, o que dava a ideia de aquilo tudo ser um interrogatório.
Whindersson e Evelyn os ajudaram a se sentar e saíram, provavelmente assustados com a tensão do momento, deixando dentro da sala apenas o casal "linha dura", eu (obviamente), Bianca, Luba (que já fazia uso da nossa muleta improvisada. Parte do seu rosto estava enfaixado, assim como os braços, e uma das pernas se encontrava imobilizada) e Emisu.
Damiani pegou algumas cordas longas enroladas, e nos olhou. Como ninguém esboçou nenhuma reação, ele revirou os olhos.
- Por que estão parados aí? Vamos, amarre-os!
- O quê? - Luba chegou mais perto. Seu rosto estava avermelhado, como se em questão de segundos, fosse explodir - Isso é realmente necessário?
- Mas é claro que sim.
- Cara, eles não estão aguentando nada, deixe-os em paz. - Emisu chegou perto, em um tom de voz que exalava pura calmaria - Fica sussa...
- É melhor amarrá-los! Agora, façam o que eu mandei. - Damiani foi decisivo em sua ordem completamente sem noção.
Já que era óbvio que nada iria fazê-lo mudar de ideia, apenas bufamos e começamos a atar as mãos dos pobres coitados, que resmungavam e choramingavam e protesto.
Quando terminamos o "serviço", me sentia completamente cheia de toda aquela idiotice. Era evidente que não poderiam nos fazer mal no momento. Apenas fui para perto da enorme janela e cruzei os braços, esperando dar começo à reuniãozinha. Percebi que a garota baixinha de cabelos curtos olhava para Damiani como se quisesse estrangulá-lo. Dei razão à ela.
- Quem são vocês? - ele começou em tom seco e autoritário. Ninguém respondeu - Vou perguntar de novo. Quem são vocês?
- Não somos ninguém. - a garota de cabelos curtos respondeu, ainda com os olhos cravados no suposto "líder".
- Só mais uma vez. - Damiani respirou fundo e pronunciou as palavras pausadamente, como se estivesse tentando se comunicar com pessoas estrangeiras - Quem são vocês?
- Ela já disse que não somos ninguém, porra! - o japonês se pronunciou de forma agressiva - Agora, quando os pamonhas vão nos tirar daqui?
- Mais respeito, imbecil! - Damiani não teve a resposta do grupo como satisfatória, pelo que pareceu. Ele caminhou até mais perto e parou na frente do garoto - Quem acha que é para nos afrontar?
Silêncio. Apenas alguns gemidos de dor ecoaram pela sala. O chefinho cruzou os braços e riu sarcasticamente da situação. Ótimo, agora estávamos numa novela mexicana.
- Acham mesmo que vão nos enganar? Acham mesmo que vou dar esse gostinho para o Rezende? - todos se entreolharam de modo confuso, e até mesmo eu me surpreendi com o ponto ao que as coisas haviam chegado - Hein? Trabalham pro Rezende, não é?
- Cara, do que você está falando? - a de cabelos curtos franziu o cenho. Ela parecia sincera em sua imprecisão, ou era uma excelente atriz.
- Ah, pelo amor! Vai fingir que não sabe de nada, é isso? - Damiani olhou para nós como se buscasse algum apoio, mas não conseguiu o que queria. Então se virou de novo para dar continuidade ao drama - O que o Rezende quer?
- Velho, nós realmente não sabemos do que... - o japonês começou. Ele tinha um forte sotaque carioca.
- Cale a boca! Contem tudo ou serão mortos!
- Tem que acreditar! - a garota ergueu as sobrancelhas em seu apelo. Ela parecia estar entrando em estado de choque com aquilo tudo.
- Pois eu não acredito. - Damiani balançou a cabeça e inflou as narinas. Abaixou e juntou as sobrancelhas, e estreitou os lábios - Vão falar agora tudo sobre o Rezende. Agora ou...
- Pare. - uma voz imponente o interrompeu em meio ao seu discurso. Todos olhamos para a pessoa que tinha tido a "ousadia" de parar aquele desgastante parlatório.
Bianca estava com as duas mãos erguidas, como se estivesse se rendendo a alguma coisa. No entanto, seus dedos tremiam, e sua testa estava suada. Além da respiração pesada e ofegante, e os tiques no lábio superior. Nunca a tinha visto daquele jeito, mas parecia... Raivosa. Como se tivesse algum cacoete ou algo do tipo.
- Vamos parar de ser ridículos, por favor. Olhe para eles. Olhe! Não estão em condições nem de andar sozinhos, quanto mais organizar um ataque. - ela bufou impaciente e fuzilou Damiani com o olhar. Em seguida, ergueu o dedo indicador, como as pessoas geralmente fazem quando estão muito bravas - Eu já aguentei toda aquela história filha da puta com o Polado, mas eu não vou tolerar mais essa porcaria, não com essas pessoas.
Ela andou até a porta a passadas largas e pesadas, e depois a escancarou, mas antes de sair, se virou para nós mais uma vez.
- Se para ser chamada de líder terei que torturar pobres coitados, eu prefiro ser uma ninguém nessa merda.
E então saiu, não se dando ao trabalho de fechar a porta.
Em seguida, Satty saiu atrás, como se quisesse conversar com Bianca, o que foi de certa forma estranho.

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