Capítulo XI - Bianca - "My last reason"

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Após sair da torre, comecei a me sentir culpada por não ter feito nada em relação às atitudes de Damiani além de uma bronca, porém eu não conseguia pensar direito. Tinha medo de qual poderia ser meu próximo movimento caso permanecesse naquela sala. Eu só havia sentido aquela sensação duas vezes. Agora, e quando...
Argh, não gostava de pensar nisso. Meu coração batia mais rápido e eu suava frio. Raiva não era o suficiente, o que eu sentia era puro ódio. Ninguém ali além de mim e talvez Felps e Gabs sabiam como era ser torturado. Não era algo que você esquecia facilmente. Não era algo justo.
Uma mão tocou meu ombro e eu me virei com a mão erguida pelo susto e pela minha confusão mental. Satty segurou meu pulso antes que eu fizesse algo mais. Minha respiração deu um descompasso e eu me desvencilhei da garota.
- Se acalme, Bianca. – Satty falou serenamente, me deixando com ainda mais cólera.
- Me acalmar!? - elevei minha voz – Vocês têm noção do que acabaram de fazer!? Podem ter acabado de tirar o tempo que aquelas pessoas tinham pra serem tratadas! Mas vale a pena, né!? Pelo Rezende! Vamos matar inocentes!
- Bianca, estamos tentando nosso melhor...
- Nem você nem a porra do seu namorado sabem o que é ser torturado! – apontei seu rosto, sentindo meu corpo esquentar – O que é ser questionado sobre coisas que nem sabe! Ser obrigado a trair o que acredita ou pessoas que ama!
- Bia... – pude ver que Satty tentava seu melhor para me fazer parar, mas era impossível.
- Você não é ninguém aqui, Satty! Muito menos o Damiani! Eu não sei o que deu em mim e Helena para deixarmos vocês acharem isso!
- Bianca! – Satty gritou segurando meus pulsos com delicadeza. Minha respiração estava pesada e minha cabeça girava.
Pensei que ela fosse me bater a qualquer momento, porém a única coisa que fez foi me acolher em um abraço. Fiquei assustada de início, porém logo retribuí, ainda em confusão. Logo que se afastou de mim, pude ver Helena e Emisu passarem com os novatos à distância. Fiquei um pouco melhor sabendo que meu ato tinha pelo menos gerado uma comoção nos outros também. Voltei minha atenção à Satty.
Percebi que seus olhos estavam um pouco avermelhados, como se estivesse prestes a chorar. Ela sorriu de canto e mordeu o lábio inferior antes de simplesmente se virar e ir embora.
Minha confusão mental permaneceu intacta, apesar de eu me sentir um pouco mais leve. Ainda que minhas mão tremessem um pouco, meu coração estava mais em paz. Talvez tanto eu quanto Satty estivéssemos precisando de... Um abraço. Era um gesto tão... Normalmente ridículo que eu acho que havia subestimado seu poder.
Tirei o suor do rosto com as costas da mão e desci as escadas para ver se precisavam de ajuda com os novatos. Quando cheguei, já pude ver que a situação parecia crítica. A garota de cabelos curtos e o garoto que parecia japonês estavam em colchões ao chão.
Porém, antes que eu me dispusesse para ajuda, escutei Polado me chamar do portão, onde estava tendo dificuldades em manter uma horda de infectados afastada. Fiquei numa rápida encruzilhada mental, mas a expressão desesperada de Polado fez com que eu me apressasse em ajuda-lo.
Com o rifle que estava encostado inutilmente na parede, eu e Polado conseguimos matar todos os zumbis em poucos minutos. Quando fui fazer um high five com ele em comemoração, o garoto tirou-me do chão com um abraço apertado, rindo, o que acabou fazendo com que eu risse também, segurando para não cair.
Ele me soltou e eu o olhei em confusão, porém antes de conseguir resposta, uma pequena movimentação na base me chamou a atenção.
Fui até lá temendo algo ruim, mas eram apenas as pessoas cumprimentando Maethe, Alan, Helena e os outros por terem conseguido estabilizar os ferimentos dos novatos.
- Ei, que bom que conseguiram. – sorri para Helena quando ela saiu do pequeno grupo de pessoas após saber da dificuldade que ela e Maethe tinham passado com o garoto da bandana.
- Não graças à você, não é mesmo, "líder"? – sua resposta foi tão fria que algumas pessoas pararam o que estavam fazendo para nos olhar.
Parecia que Helena estava fazendo o possível para mostrar o quanto ainda podia me odiar. Bastava olhar para mim para que sua expressão mudasse.
- Desculpe, eu estava tentando manter algumas dezenas de zumbis longe daqui. Para não matar mais gente, saca? – rebati sarcasticamente.
- Polado não estava no portão? – ela perguntou com ironia.
- Sozinho. – respondi - E não tinha ninguém de vigia na torre também.
- Então, ele precisa de você pra tudo?
- Qual o seu problema? – perguntei dando um passo à frente, segurando o rifle com força.
Maethe viu que o clima estava pesando ali e segurou o pulso de Helena, mas a garota desvencilhou e se afastou decidida, não sem antes esbarrar com força em meu ombro. Mas que...
Tinha um mau pressentimento de que essa briga entre nós iria acabar afundando não apenas a minha paciência.
- Bianca... – Maethe chamou após a maioria ter se afastado – Preciso de um favor que vai acabar ajudando muita gente. - ela andou até perto da enfermaria e eu a segui – Os nossos medicamentos estão quase no zero. Apesar de já termos quase limpado aquele hospital central, é nossa única oportunidade de encontrar algo no momento. E... – ela olhou para os lado e abaixou o tom de voz – Acho que seria bom você levar o Emisu.
Sua fala adquiriu um tom tão sério que acabei me preocupando.
- O que tem ele? –perguntei no mesmo tom.
Ela suspirou e olhou em volta novamente.
- Por mais que de vez em quando a gente consiga tirá-lo de lá, o Emisu anda passando... Vinte horas naquele quarto do Cellbit. E... Isso não tá fazendo bem pra ele.
De fato, eram poucas as vezes que eu via o Emisu andando pela base, porém tinha tanto a me preocupar que nem havia reparado nisso. Senti-me culpada na mesma hora. Esse não era o momento de deixa-lo de lado.
- E, Bianca... – Maethe falou antes que eu me afastasse – Não diga nada pra ele, mas... Eu não sei se o Cellbit vai suportar. – minha garganta se fechou assim que ela pronunciou isso – Assim como o próprio Emisu.
Tentei dizer algo inteligente, porém a mera perspectiva daquilo me dava náuseas. Alguém atrás de mim chamou Maethe e ela tocou meu ombro antes de sair, deixando-me sozinha com meu desespero.
Resolvi seguir seu conselho e fui chamar Emisu primeiro, para depois arranjar mais gente. A porta do quarto estava entreaberta, porém antes que eu entrasse, a voz de Emisu me fez parar.
- ...Eu sei que estão mentindo... – olhei pela fresta da porta Emisu segurando a mão de Cellbit, que jazia inconsciente na maca, o rosto um pouco desfigurado pelos machucados, assim como meus pensamentos - ...Quando dizem que vai melhorar... – o garoto de touca verde parecia se segurar para não desabar em lágrimas – Mas eu acredito... Porque não quero que vá...
Aquilo estava partindo minha alma ao meio.
- Me perdoa se eu... – o garoto deu um breve soluço – Se eu não conseguir...
Ele parou, baixando a cabeça e encostando sua testa na mão de Cellbit. Não gostei muito do significado daquela frase. Bati levemente na porta antes de entrar.
- Emisu... – chamei baixo.
- O-oi, Bianca. – falou erguendo a cabeça – Há quanto tempo tá aqui?
- Cheguei agora. – menti – Eu... Han... Sei que não é uma boa hora, mas... Queria saber se quer ir com um grupo até o hospital central.
Ele pensou por alguns segundos.
- Aquele hospital... Alto? O branco depois do depósito? – assenti com a cabeça.
Ele olhou para Cellbit à sua frente, como se fosse se arrepender do que faria. Então, deixou carinhosamente a mão do garoto na maca e passou os dedos em seus cabelos antes de levantar.
- Vamos. – falou decidido, embora sua voz houvesse falhado.
Estranhamente, sua decisão acabou me deixando com um mau pressentimento. Esperava que fosse mais difícil do que isso. Fui até Luba e T3ddy, que conversavam perto dali.
- T3ddy, vamos ao hospital central tentar achar alguns medicamentos. Você vem? – perguntei e ele simplesmente assentiu, olhando seus armamentos disponíveis.
- E-eu também vou. – Luba disse um pouco apreensivo.
Ergui uma sobrancelha ao olhá-lo.
- Você é meio doente, né, cara? – perguntei tentando soar educada.
Qualquer pessoa com um cérebro normal sabia que o Luba não deveria nem estar de pé ainda. Tinha mais faixas visíveis em seu corpo do que pele. Inclusive, um de seus olhos estava também machucado e tapado, e ele mal conseguia andar direito mesmo com uma muleta improvisada.
- Eu... Só não... – Luba não terminou seu pensamento.
- Vamos ficar bem. – T3ddy falou, porém Luba não mudou sua expressão – Eu vou ficar bem, ok? – ele passou as mãos nos cabelos de Luba, em tom brincalhão.
- Tudo bem... Mas cuidado. – falou um pouco mais tranquilo.
Quando nos afastamos dele, virei-me para T3ddy:
- Você e ele...? – perguntei sem discrição.
Ele franziu as sobrancelhas, parecendo não entender. Ás vezes eu esquecia que T3ddy tinha um pensamento meio lento.
- Esquece. – falei por fim.
Acabei chamando Calango e Saiko para irem conosco também.
Pegar um veículo para chegar ao hospital mais rápido era tentador, porém eles faziam muito barulho e isso podia tornar-se muito perigoso. T3ddy, Calango e Saiko conversavam enquanto eu e Emisu olhávamos o mapa da região que havíamos achado em um restaurante. Não havia muitos zumbis no caminho.
Foi impossível não reconhecer quando chegamos. O grande hospital à nossa frente era visível a metros de distância.
- Saiko e Calango. – virei-me para os dois – Vocês ficam do primeiro ao terceiro andar.
- Eu vou ter que ficar com o Saiko? – Calango reclamou em tom brincalhão e Saiko deu um tapa em sua cabeça.
- T3ddy. – virei-me para ele - Você fica com o quarto e o quinto. Eu e o Emisu ficamos com o sexto ao oitavo. Todos entenderam?
Saiko ergueu a mão.
- Que foi? – perguntei.
- Por que o T3ddy tem um andar a menos? – ele questionou e eu o fuzilei com o olhar.
- Pode ser porque ele é só um?
- Faz sentido até. – ele disse olhando para Calango, que assentiu com a cabeça.
Passei a mão no rosto em negação. Por que eu tinha trago os dois mesmo?
- Vão logo. – disse os apressando e chamei os outros para me seguirem.
Tivemos que entrar sorrateiramente devido aos infectados que rondavam o local, porém não foi difícil. Fechamos a porta dupla e colocamos a faca que estava com Saiko entre as maçanetas para que não fosse fácil abri-la.
Subi com Emisu pelas diversas escadas do lugar. Era tudo tão branco que me deixava tonta. O cheiro dos cadáveres que haviam ficado no hospital era nauseante, mas pelo menos todos estavam realmente mortos.
- Eu fico aqui no sexto e você vai pro sétimo por enquanto, pode ser? – perguntei à Emisu quando chegamos ao andar correto.
Ele apenas assentiu e subiu mais lances de escada, em silêncio. Seu estado estava me preocupando. Comecei a pensar se devia tê-lo deixado sozinho em outro andar. O hospital era tão grande que ninguém podia ouvir ninguém a não ser que gritasse muito alto.
Tentei não me preocupar com isso e comecei a vasculhar o local. Após vinte minutos de busca, eu não tinha conseguido muita coisa, mas com certeza o suficiente para ajudar em algo.
Subi até o sétimo andar para continuar minha procura e acabei não encontrando Emisu. Talvez ele já tivesse acabado ali. Fui até o oitavo e nada dele. Meu coração começou a se apertar.
Vi uma pequena porta entreaberta que parecia dar no que se assemelhava a um terraço.
Meu desespero fez com que eu corresse até lá e o sol forte cegou meus olhos. Quando me acostumei à claridade, pude ver a mochila de Emisu aberta ao lado da porta, com diversos medicamentos dentro.
Então, para minha repentina calma, vi o garoto de touca verde sentado na borda de granito do terraço. Sorri internamente, porém Emisu apenas se levantou ao me ver. Se levantou sobre a borda. Era muito alto dali, e ele estava tão perto...
- Emisu... – disse um pouco mais alto por causa da ventania.
Dei um passo à frente, e o garoto deu um para trás quando o fiz.
- Emisu... – repeti com o coração saltando em meu peito – V-você tá muito perto da beirada...
- Eu sei... – quase não o escutei, sua voz falhava.
- Não, Emisu. Não. – segurei minha agonia – Não vale a pena...
- Eu... – vi uma lágrima passar em seu rosto – Eu sei também...
- Então, por que? – tentei ganhar tempo.
- Não te-tem mais sentido.
- É claro que tem, Emisu. – tentei sorrir para ele, embora a responsabilidade da situação pesasse em meus ombros – Olha pra gente! Estamos sobrevivendo! Estamos vivos, juntos!
- Ele... Vai morrer, não vai? – sua pergunta foi como um tapa em meu rosto.
- Eu não sei... Ninguém sabe... Mas, se ele acordar... Não quero dizer que você desistiu. É isso o que quer? – tentei dar mais um passo à frente, porém ele reparou e recuou.
Estava muito perto.
Ele negou com a cabeça.
- Estão todos morrendo. Morrendo! – disse mais alto – Os que sobram estão ficando paranoicos, loucos! Que diferença faz!? – parou por um momento para respirar – Ele era minha última razão...
- E eu, Emisu? E o Damiani!? – eu tinha que tentar, mas acabei piorando tudo.
- O Damiani? Você mesma viu como ele está! – elevou seu tom de voz.
- O Rik, o Felino, todos seus amigos, Emisu!
- Me perdoem, eu não... Não sei se consigo mais. – ele deu mais um passo para trás. Se esse não fosse o último...
- Não faz isso comigo! – berrei – Por favor! – minha garganta queimou de tão alto que gritei.
Ele parou por um momento, como se minhas palavras tivessem surtido algum efeito. Ergui minha mão para ele. Tão perto, mas tão distante...
- É meu único pedido, Emisu! Por favor, eu preciso de você! – gritei.
O garoto olhou para minha mão e então fitou-me nos olhos. Seu olhar não era alegre como antes.
Arrisquei dar um passo à frente e ele não se moveu. Quando estava perto o suficiente, ergui ainda mais minha mão para ele. Emisu lentamente moveu seu braço para mim.
No momento em que pensei ter conseguido, o pé esquerdo do garoto, que já estava metade no ar, escorregou na borda de granito e fez com que ele se desequilibrasse. Num instinto rápido, Emisu segurou na borda antes de cair completamente.
Corri até ele e segurei em seu pulso antes que pudesse se soltar, o que aconteceu logo em seguida. Ele agarrou meu pulso também, porém seu peso era maior que o meu, e a única coisa que me impediu de cair também foi a própria borda, onde prendi firmemente meus joelhos.
Mas eu não aguentaria por muito tempo, assim como não conseguia puxá-lo para cima. Sua touca foi levada pelo vento. Nossas peles estavam suadas, e sua mão escorregou alguns centímetros em meu pulso.
- Porra, segura! Segura, Emisu! – falei em desalento.
Pensei que eu fosse a pessoa azarada com mais sorte no mundo quando vi T3ddy chegar correndo ao meu lado e segurar o braço de Emisu também. Calango chegou pelo outro lado e conseguiu pegar a outra mão do garoto.
Juntos, conseguimos puxá-lo para cima e eu caí novamente em terra firme, com o peito subindo e descendo. Sentei-me rapidamente e pude ver Emisu encostado na pequena parede, segurando os joelhos.
Seu rosto só mostrava vergonha e tristeza. Meu primeiro instinto foi sentar ao seu lado e acolhe-lo em meus braços. T3ddy e Calango perceberam que era melhor não fazer perguntas ainda.
- Por favor, não conta pra ninguém. Por favor. – Emisu suplicou num sussurro. Lágrimas ainda rolavam de seus olhos e eu sentia seu corpo tremer um pouco.
- Nunca mais faça isso. – foi a única coisa que consegui dizer – Por favor.
- Eu não vou... Nunca mais. Prometo. – ele disse e eu segurei-o mais forte.
- Ninguém vai saber do que aconteceu aqui. Prometo. – olhei para T3ddy e Calango – Ninguém, ouviram? – lancei-os meu melhor olhar intimidador.
Eles rapidamente assentiram com a cabeça.
Então, Saiko chegou pela porta do terraço com o rosto molhado de suor, como se tivesse corrido uma maratona.
- Escutei uns gritos. Tá tudo bem aqui!? – ele falou desesperado e confuso.
Olhamos para ele e para nós mesmos por alguns segundos antes de começar a rir. Ver o sorriso no rosto de Emisu foi gratificante.
- Atrasado pra caralho, como sempre. – Calango falou.
- Porra, saí lá do primeiro andar, dá um desconto. – falou descansando o peso do corpo nos joelhos.
- Já tá ficando velho, amigo. – Calango deu um empurrão de leve nele.
- Então... – ele se recompôs – Quê que aconteceu mesmo?
Trocamos olhares entre nós.
Emisu concordou em contar à ele, afinal, não dava para dizer que nada havia acontecido.
Resolvemos que nosso dia já estava longo o suficiente e voltamos para a base. Apesar do ocorrido, Emisu era o que havia conseguido mais recursos ao fim. A busca não tinha sido uma total perda de tempo, afinal.
Durante o caminho, foi bom vê-lo mais renovado, como se a experiência tivesse trago coisas boas também. Chegamos à base sem maiores problemas e entregamos o que havíamos conseguido à Maethe, que não podia estar mais feliz com o obtido.
- Ei, Emisu, o que aconteceu com sua touca? – ela perguntou após um tempo.
Novamente, aquela troca de olhares que escondia nosso segredo.
Porém, Emisu sorriu para ela antes de dizer:
- Caiu por aí. – ele deu de ombros e olhou para mim – Eu arranjo outra depois.
Sorri.
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O sol já estava se pondo quando Helena chamou à mim e aos outros que costumavam decidir as coisas na base para uma pequena "reunião". Para que tivéssemos alguma privacidade, ficamos na torre. Damiani e Satty ficaram vigiando o perímetro enquanto conversavam comigo, Helena e Luba.
Eu até gostava desses momentos, pois acabávamos deixando qualquer rixa de lado pelo bem de toda a base, o que acabava fazendo bem à nós mesmos.
Após discutirmos o inventário que tínhamos, Helena se pronunciou:
- Sejamos realistas. – ela suspirou – Não vamos passar essa época assim.
A "época" que ela dizia era mais ou menos de abril a agosto, quando a chuva era bem escassa.
- O nível do nosso lago tá bem mais baixo que o normal. – falou – E, mesmo com nossas baixas, ainda temos muita gente. Só as buscas não estão dando conta. Precisamos achar água potável de outros lugares. Se for preciso, filtramos ou coisa do tipo...
- Definitivamente não. – me pronunciei após alguns segundos de silêncio.
Helena ergueu a sobrancelha e até mesmo Damiani e Satty voltaram sua atenção para nós.
- Posso saber por quê?
- Claro que pode. – sorri de canto – Só uma palavra: Ataques. Não é óbvio? Não podemos arriscar que mais pessoas da base tenham isso! Não sabemos nada sobre essa "doença", nem mesmo se filtrar a água vai ajudar. Só podemos confiar no NOSSO lago, onde podemos ver e monitorar o que acontece.
- E o que você quer? Que todos morram de sede? – rebateu.
- Podemos muito bem aumentar as buscas em dobro, isso ajudaria! – falei.
- Não podemos arriscar, Bianca! – Helena bateu na borda da torre, irritada.
- E quer arriscar deixar algo perigoso como os Ataques contaminar nossa gente!?
- Só porque você tem essa merda, não significa que os outros terão também! – percebei que Helena tentava controlar seu tom de voz.
Luba ergueu as sobrancelhas, um pouco chocado.
- Não seja mesquinha por pelo menos dois segundos, Helena! – reclamei – Isso sim é algo que não podemos arriscar! Já aguentamos três anos sem precisar de algo mais além das buscas e do nosso lago!
- Esse ano é diferente, idiota! Não temos gente disponível o suficiente para tantas buscas, e uma hora nossos recursos vão acabar! E aí, o que você vai fazer, "chefinha"? – eu já estava irritada de sua ironia.
- Eu não sei, ok!? Não sei! – falei passando a mão no cabelo – É o que queria ouvir!? Mas eu não quero ter mais casos como o Mike aqui! – elevei minha voz.
Percebi que havia tocado na ferida. Mesmo que a morte do garoto já tivesse ocorrido há praticamente dois anos e meio, eu sabia que muitos da base eram apegados à ele, assim como eu mesma.
- O que ele tem a ver com isso? – Helena até mesmo falou de forma mais calma.
- Fala sério, vocês não pensam!? – me dirigi à todos ali – A porra da "Mordida Invisível" é só o "Ataque" mais agressivo! O Mike morreu depois de ter que passar a noite fora da base e tomar água desconhecida!
Nem mesmo eu sabia de onde viera esse meu pensamento, mas pelo visto todos acharam uma boa lógica, pois trocaram olhares apreensivos entre si.
- Então... – Helena falou baixo, tentando se recompor – Estamos entre morrer de sede ou morrer por alguma doença?
Ninguém respondeu.
- A gente vai conseguir. – falei com confiança após um tempo – Sempre conseguimos.
Helena socou a beirada da torre, como se minha fala fosse sua gota d'água.
- Para, Bianca. Só... Para! Você gosta de ser a otimista, a legal, a boazinha, né!? Bom, eu tenho uma notícia pra você! – ela avançou para mim – É esse seu tipinho que morre primeiro! Estamos na porra do fundo do poço e você vem me falar que conseguimos!?
- Você é quem devia parar com esse ódio desnecessário, Helena! A namoradinha do Rezende resolveu voltar para as raízes, é!?
Todos ficaram em silêncio absoluto. Eu tinha essa horrível mania de não pensar no que dizer quando estava com raiva.
Helena tremia quando puxou o revólver do cinto. Seus olhos estavam escuros de ódio. E a ponta de sua arma apontada para minha cabeça.
Ergui minhas mãos com ironia. A raiva estava me deixando descuidada e inconsequente.
- Atira, Helena. Mostra que eu estou certa! – provoquei – Já fez isso várias vezes, mais uma não é difícil!
- Helena... Solta isso. – Damiani falou calmamente.
Todos no local estavam cuidadosos com os próximos movimentos, exceto eu.
- Deixa ela, Damiani. Não é o que quer!? Menos gente pra sustentar? – falei com ironia. Helena tremia.
- Cala boca, Bianca! – Damiani bradou e ergueu a mão para Helena – Me dá isso, Helena. Você não sabe o que tá fazendo, acredite em mim.
A garota demorou alguns longos segundos antes de dar a arma à ele, ainda em fúria.
- Isso não fica assim. – escutei-a dizer antes de sair.
Coloquei minhas mãos sobre o rosto, em decepção comigo mesma.
O que eu tinha acabado de fazer?
Ter Helena como inimiga era a última coisa que alguém podia querer.
Agora, além de "apenas" um problema, eu tinha milhares.
Não só eu, como toda a base.
Eu tinha acabado de foder com tudo.

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Ps.: A foto da mídia representa a galera diante da treta :B
Ps2.: TRETA

Beijos da Gnoma, FUI O/

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