No fim, fomos ao refeitório. Merry parecia "estranhamente" bem e sem ter ideia do que houve consigo. Nem James, nem ela, pareciam pensar muito nesse assunto, enquanto eu achava aquilo bizarro, mais que bizarro, estranho. Deixei de lado o assunto quando Merry, sorrindo torto para mim, abriu pela metade meu moletom, revelando minha blusa roxa de estrelas azuis, depois arrumou meu cabelo da maneira que queria, jogando-o para o lado.
Quando me olhei no espelho antes de sair, tive que agradecer à Merry. Eu estava me sentindo muito melhor daquela forma, mais bonita, e até mais confiante. Merry ainda me puxou para o banheiro colocando maquiagem em mim e nela. Ela disse que como era a primeira vez que eu apareceria deveria estar ainda mais bonita. Ela não voltou a citar o assunto James, não quando ele estava próximo.
A maquiagem foi simples e muito bem feita. Merry realçou meus olhos azuis, colando sombras lilás e passando rímel roxo, em minhas bochechas ela não precisou colocar nada, estavam naturalmente rosadas, em meus lábios ela passou um batom lilás. Reparei na maquiagem dela e dei risada, afinal era uma da madrugada, na Terra seríamos consideradas loucas. Merry usava uma maquiagem tão simples quanto a minha, mas mais carregada. O batom rosa de seus lábios chamava atenção e entrava em contraste com sua pele negra. Seus cílios estavam mais compridos, devido ao rímel também rosa e sombras lilás, como a minha.
— Você está linda! — comentei.
— Você também, Claire! — e eu realmente me sentia bonita, talvez não bonita para Marte, mas bonita para mim mesma. — E não é só eu que acha isso. — Merry sussurrou assim que saímos do banheiro e James nos olhava, mais precisamente me olhava.
Eu sorri sem graça e James pegou minha mão, entrelaçando nossos dedos. Fomos assim até o refeitório, com Merry do nosso lado e com as mãos dadas. Eu nunca havia me sentido tão bem com tão pouco. Eu era um clichê ambulante, daqueles que sentem algo e não sabem o que sentem. Para chegar ao refeitório foi fácil, e se eu — péssima em geografia e locomoção, nem sabendo onde era o Norte ou o Sul — dizia isso, era porque era realmente fácil.
Passávamos por todo o corredor dos quartos (meu quarto era o último e Merry havia comentado que esse andar era só de garotas), entramos em um elevador normal, que ligava um andar ao outro — não um planeta — e percebi James acionando o botão do subsolo. Assim que as portas do elevador abriram, estávamos no refeitório.
Era fácil identificá-lo como o refeitório, não restava dúvidas, pois eu meio que me sentia em Hogwarts, sobre as mesas compridas e o enorme espaço, só faltava a capa e os poderes. Eu daria tudo para ter a capa da invisibilidade nesse momento, porque todos os Nascidos estavam olhando para mim.
Eu estava de madrugada em um refeitório lotado de pessoas, todas, sem exceção, com muitas tatuagens, piercings, e cabelos, olhos e sobrancelhas das mais diversas cores. E todas sentadas à mesa das suas respectivas cores. Eram quatro mesas (agradeci silenciosamente por ter ao menos frequentado e passado na aula de artes), três delas das cores primárias e uma das cores neutras.
Eu estava impressionada, mas havia pessoas da cor preta. Lembrei-me de uma coisa na internet que dizia que era ("terraqueamente") impossível termos olhos e cabelos pretos, eram sempre um castanho muito escuro, confundindo-se com preto, mas esses marcianos não tinham cabelos castanhos escuros, eram pretos, totalmente.
Sobre as aulas de artes eu não lembrava quais cores davam quais cores, mas as três cores primárias dividindo cada um em sua mesa era visível, quase palpável de tão óbvio. Uma das mesas realçava a cor amarela, vários tons de amarelo, e pessoas da cor verde também estavam no grupo seletivo de "amarelos". Outra mesa preservava o vermelho, também vários tons, de vermelho-sangue ao vinho, pessoas da cor rosa chamavam tanta atenção quanto os de vermelho. Obviamente a cor azul não estava de fora, muitas pessoas daquela mesa estavam ali, poderia dizer facilmente que era a mesa mais cheia; muitas pessoas de roxo também destacavam-se, algumas de lilás circulavam entre a mesa vermelha e a mesa azul.
Todos, ironicamente ou não, pareciam jovens, alguns tão jovens quanto eu. Ninguém parecia ter mais de 30 anos. Eu era uma intrusa. Eu não pertencia àquele meio de pessoas multicoloridas. Afinal, eu era loira, sem tatuagens, nem piercings, das íris azuis e pupilas escuras, normal, comum, na Terra; em Marte, uma total Estranha com um E maiúsculo mesmo. Engoli em seco. Senti a mão de James apertar a minha e a de Merry tocar meu ombro.
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A Estranha
Ficção CientíficaClarice Jones. Esse era meu nome. Claire Blue. Esse tornou-se meu nome quando James Sky, um Rastreador, disse-me que eu era uma Renascida. Metade terráquea, metade marciana. Eu era uma Estranha em meu país, em Marte eu tornei-me ainda mais Estranha...