08 - Luke Cloud, parte 3

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— Claire — o olhar cinzento e frio de Luke tornou-se afetuoso, mas ainda assim tenso —, eu não quero que você conte a ninguém sobre nossa sessão.

— Sessão?

Ele relaxou quando percebeu que eu realmente não sabia muito sobre Marte.

— Sim, é assim que chamamos as "aulas" entre o Nascido ou Renascido com o Conselheiro.

— Por que eu não posso contar nada?

— É inapropriado. Não tenho certeza de nada, e só podemos contar quando tivermos certeza, não trabalhamos com expectativas.

Eu sorri, a forma como ele falava era até engraçada.

— Você não tem certeza de nada, mas você tem dúvidas, certo?

— Algumas, Claire. Não se preocupe com isso, você será a primeira a saber das minhas dúvidas atuais quando elas forem certezas.

— Você promete que irá logo me contar?

— Eu prometo, Claire. — e eu acreditava em sua promessa.

Luke Cloud poderia estar me fazendo de idiota com seu jeito entre o angelical e o selvagem, mas eu estava confiando nele, mais do que poderia e deveria.

Luke Cloud não era o tipo de homem com o qual eu deveria acreditar tão rápido. Ele era o que eu via nos filmes: o errado, o sedutor. Enfim, Luke Cloud era o contrário do confiável, embora eu estivesse confiando nele.

Eu entendia por que o Nascido ou Renascido não poderia ser muito íntimo com seu Conselheiro; com a intimidade nós acabaríamos interferindo na visão de futuro distante e nas próprias sessões atuais. Eu entendia, e sabia que não deveria me sentir íntima dele, sobretudo eu sentia.

Cloud, embora tivesse um estilo selvagem, era sereno, quase tranquilizador, com seu sorriso amplo e seus olhos cinzentos.

— Eu não posso ler pensamentos, mas eu acho que você está pensando demais... — ele brincou, aproximando-se mais de mim, mas não muito.

— Eu estou sempre pensando muito.

— Isto é bem vago.

Sorri sem saber o que dizer.

— Ainda há muitos testes? — questionei.

— O Conselheiro que determina isso conforme o Aconselhado.

— O Aconselhado?

— É, você é minha atual Aconselhada. Estranho, não é?

Assenti rindo.

— Então os testes não são, sei lá, pré-escritos?

— Nunca. Não podemos fazer testes padrões se cada Nascido ou Renascido é diferente do outro, seria injusto com uns. Seus testes são leves, diferente do que seria com um homem de grande porte físico.

— Sempre é o Conselheiro que determina os testes?

Luke assentiu antes de dizer:

— Sim, mas nós Conselheiros não podemos exagerar. Posso fazer qualquer coisa com meu Aconselhado, tirando machucá-lo ou expor tal pessoa a vergonha pública.

— Vergonha privada pode? — brinquei.

— Na verdade, sim. — Luke sorriu. — Nada do que acontece entre um Conselheiro e seu Aconselhado é dito para mais alguém, a não ser o necessário, como obviamente o poder descoberto.

— Depois de descoberto o poder, o que acontece?

— Eu continuo te treinando, se você precisar e quiser, até seu poder ser domado e bem usado por você.

— O que acontece na Arena de Esportes?

— Na ADE é quase tudo liberado. Você saberá as regras quando necessário, não precisa se preocupar antes do previsto.

Praticamente deitei no sofá, meio tensa, meio receosa. Deixei minha cabeça descansar no encosto e cerrei os olhos.

— Eu posso ouvir também. — Luke sussurrou. — Eu não sei direito o que é um psicólogo, mas eu posso ser o seu, se você quiser.

Sorri ainda sem abrir os olhos.

— Psicólogos aconselham os terráqueos.

— Dão que tipo de conselhos?

Se eu estivesse respirando, eu agora soltaria meu ar, um pouco aliviada. Era a primeira vez que eu explicava algo nos dias que eu estava em Marte. Sempre era explicado a mim, eu nunca entendia muito bem nada do que acontecia a minha volta.

— Diversos conselhos, há algumas áreas da psicologia. Eu tive um psicólogo, mas era um familiar.

Lembrei-me vagamente quando eu era mais nova e tive um psicólogo. Fora péssimo, péssimos 10 meses de minha curta existência na Terra.

Eu precisei do psicólogo porque um dos colégios que eu estudei, ou melhor, frequentei, dizia que eu tinha TDAH (Transtorno do Déficit Atenção com Hiperatividade), mas nas duas consultas por semana, ele constatou que eu não tinha TDAH, porém, segundo ele, eu era antissocial.

Eu fora para as consultas duas vezes por semana em dez meses para ouvir no fim das contas que eu era apenas antissocial.

Antissocial. Isso era ou não uma piada?

Contei isso para Luke e ele riu, por um momento pensei que meu "problema" já não era tão grande e era tão distante. Eu tinha literalmente deixado meus antigos problemas em meu antigo planeta.

— Antissocial. Sério? — Luke ainda ria e eu continuava com meus olhos fechados, mas com um sorriso no rosto.

— Sim! Minha vida na Terra não foi muito fácil.

— Nunca é para os Renascidos, pelo menos era isso que eu ouvi falar. Não há muitos Renascidos em Marte.

Abri meus olhos e fitei Luke a poucos centímetros de mim.

— Não sei se isso é muito tranquilizador.

— Eu não sou tranquilizador para ninguém.

Eu sorri.

— Acho que você se subestima...

— Você não quer me contar mais de sua vida na Terra? — Luke encostou sua cabeça no encosto do sofá como eu.

Então eu contei. Não sabia direito por que, mas eu contei para Luke Cloud toda minha vida, desde meu nascimento prematuro às minhas inúmeras mudanças de colégio.

— Você nasceu de quantos meses? — Luke perguntou rindo, transformando toda minha vida de merda em algo engraçado, bom até.

— Minha mãe não fala muito disso...

— Por quê?

— Eu não faço ideia. — dei de ombros e pensei que eu realmente não tinha muita noção do porquê de minha mãe nunca contar sobre meu nascimento e meus poucos meses de vida.

— Claire — Luke chamou minha atenção —, mesmo em Marte a vida não é tão fácil para ninguém. Todos nós pecamos, nos arrependemos, ficamos tristes e alegres, mas aqui você se encontrará, aqui você ficará melhor e terá tudo o que na Terra não teve.

Sua voz era segura, branda, séria.

Eu não queria apenas acreditar no que Luke Cloud falava, eu acreditava totalmente, quase como se o que ele me dizia era uma promessa velada de um futuro bom.



***

Acreditem se quiser, mas rapidamente já chegamos na metade da história da Pequena Claire.

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