Não me dei conta do momento que dormi, embora eu tivesse tido a consciência que foi rápido.
Logo a manhã passou, dando início a uma tarde nebulosa como só Marte conseguia ser. Me levantei da cama meio zonza de sono, poucos minutos depois eu já estava arrumada e descendo com Merry para comer no refeitório.
Deveria ser o fim da tarde, eu tinha deixado meu celular no quarto e nem havia me lembrado de pegá-lo. O refeitório estava vazio, não totalmente, mas havia muitas cadeiras vazias. Ninguém olhava para mim, talvez já estivessem acostumados com minha presença. Era bom ser invisível.
Eu e Merry fomos para minha primeira aula, que era, estranhamente, no mesmo prédio dos quartos. Optei para ir assistir à aula de Loren: História de Marte (evolução da espécie).
O tempo parecia estar muito acelerado. Eu nem me dera conta que de um momento para outro eu já estava dentro da sala, na aula de Loren.
Merry não estava mais do meu lado, a sala estava muito cheia, Loren não estava nela e o pior: todos me encaravam.
Principalmente um menino. Um menino da cor cinza. Rapidamente me lembrei dele no dia do refeitório, da minha primeira vez lá. Eu estava tensa e todos olhavam para mim, ele estava ao lado de Luke, seu olhar cinzento me assustou naquela hora e continuava me assustando agora.
Eu não queria que ninguém me olhasse. Eu não era um animal de um zoológico. Eu era de fato uma Estranha, uma Renascida, uma entre um milhão, mas todos deveriam me respeitar, porque em breve eu seria uma igual.
— Parem! — supliquei baixinho.
Todos continuavam me fitando. Eu podia sentir minhas bochechas corarem, logo minha vergonha seria ainda maior.
— Por favor! — indaguei e nada.
Alguns sorriam, outros faziam biquinhos, fingindo pena. Nenhuma pessoa daquela sala lotada me respeitava. Ninguém me ouvia. Eu não era mais invisível. Eu me sentia uma atração de circo.
Eu estava começando a ficar irritada e não mais sem graça... Afinal, quem eles se achavam ser para distratar uma pessoa assim? Por que não conseguiam parar de me olhar?
— Parem! — gritei com vontade, mas todos continuavam.
O menino da cor cinza se levantou e começou a caminhar em minha direção. Ele era muito bonito, magro e tinha um jeito de superioridade, como se soubesse tudo de tudo.
— Quem é você? — perguntei.
Ele continuava longe, seus passos eram devagar e um pouco assustadores.
— Ash. Como as cinzas. — sua voz era estranha, parecia fazer eco em minha cabeça.
Ash significava cinza, como sua cor.
— O que você quer?
— Não confie em ninguém, Claire. — Ash disse, e sua resposta ecoou, mais uma vez em minha mente.
"Não confie em ninguém, Claire."
"Não confie em ninguém, Claire."
"Não confie em ninguém, Claire."
"Não confie em ninguém, Claire."
"Não confie em ninguém, Claire."
— Por quê? — quando ele não respondeu eu gritei, gritei para todos pararem de me olhar e para ele se afastar.
Abruptamente todos os alunos caíram no chão com as mãos em suas cabeças gritando de dor e Ash foi arremessado para o fim da sala. Suas costas bateram na parede e logo ele caiu no chão, como todos.
Eu me senti mal, mal por gostar de ver todos me respeitando. Eu estava furiosa, não mais envergonhada. Eu queria que todos se envergonhassem, como eu, e sentissem a dor de passar por tudo que eu já passei. Eles eram Nascidos, tinham tido uma vida fácil, boa; eu não. Eu queria enfim um pouco de paz.
— Por que eu não posso confiar em ninguém, Ash? — berrei e ele olhou para mim.
De um segundo para outro eu me senti mal por ver tanta dor nos olhos de todas aquelas pessoas, me senti arrependida, como se eu fosse a causadora de tal dor... Afinal, eu era? Era esse meu poder? Fazer mal? Eu nunca, em toda minha vida, quis fazer mal a alguém. Eu sempre quis justiça, mas justiça não se fazia com dor.
A sala, sem eu perceber, ficou vazia e Ash já não gemia de dor. Ele estava de pé e muito próximo de mim.
O medo voltou a me dominar, medo e vergonha. Me senti uma menina frágil que espera o príncipe encantado chegar e salvar sua vida.
Ash riu.
— Não confie em ninguém, Claire.
— Por quê? — gritei.
— Você não é uma entre um milhão, você é uma entre um bilhão. — não entendi o que ele queria dizer com isso, mas o que ele falou a seguir fez todo meu corpo estremecer: — Todos querem te matar.
"Todos querem te matar."
"Todos querem te matar."
"Todos querem te matar."
"Todos querem te matar."
"Todos querem te matar."
Eu senti todo meu corpo perder forças. Espasmos de dor e estremecimento me dominavam.
Eu não respirava, mas senti a dor de ser sufocada, como se estivesse há muito tempo sem ar e precisasse urgentemente respirar. Eu não respirava! O que diabos eu estava sentido então?
Oh merda! Eu estava morrendo. Outra vez. EU ESTAVA MORRENDO!
O que aconteceria com meu corpo, quando ele perdesse a vida? Talvez eu me tornasse cinzas... Ironicamente como o nome de Ash. Cinzas. Eu estava virando pó.
Eu não sabia quem era o "todos" que queriam me matar, mas eu esperava que não fossem realmente todos, porque se fossem, talvez, nesse momento, enquanto meu corpo estava fraco, perdendo a vida, mais uma vez Merry, ao invés de me acordar, estivesse me matando. Como se mata um marciano? Eu não precisava respirar, então não tinha como ela estar me sufocando...
Acordar. Era isso. Eu estava dormindo! Era tudo um pesadelo. Como eu poderia acordar? Eu precisava acordar... Senti meu corpo perdendo ainda mais força, e senti dor em algumas partes dele. Não tinha volta. Eu não sabia o que fazer para me salvar. Eu estava realmente morrendo. Eu estava virando cinzas.
***
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A Estranha
Ciencia FicciónClarice Jones. Esse era meu nome. Claire Blue. Esse tornou-se meu nome quando James Sky, um Rastreador, disse-me que eu era uma Renascida. Metade terráquea, metade marciana. Eu era uma Estranha em meu país, em Marte eu tornei-me ainda mais Estranha...