Marte; A-Zero, 85 de Primavera.
Os dias passaram-se tranquilamente, embora eu continuasse sendo meio que uma aberração para os Nascidos. Hoje eu estava com Loren, nos dias anteriores acabei ficando com Merry e James, nem sequer lembrei de pegar o celular.
Loren e eu caminhávamos por Marte, ele estava me apresentando o planeta "por fora". Merry estava no quarto, dormindo, e hoje eu ainda não tinha encontrado James, normalmente ele ia até mim no quarto. Logo descobri que garotos não eram proibidos nos quartos das meninas, nem o contrário. Parecia imprudente a meu ver, mas eu não podia questionar, era bom para mim.
Hoje mais tarde eu conheceria meu Conselheiro e começaria as aulas para saber qual era meu poder. Continuava com aparência de Estranha, não tinha conseguido desapegar, mesmo depois de Merry insistir.
Era uma sexta-feira, mas Loren explicou-me que em Marte não existia o conceito de "final de semana"; como no colégio, nos trabalhos o marciano não tinha a necessidade de trabalhar quase todos os dias da semana, apenas três dias de sua preferência era obrigatório... Sendo assim, sextas não eram "comemoradas" por ser um dia antes do final de semana. Em Marte isto era indiferente.
Eu estava há poucos dias em Marte, nesses dias, passara mais tempo em minha casa/quarto do que em qualquer outro lugar... Refeitório? Eu fui apenas outra vez para comer bem rapidamente e voltar ao quarto. A vergonha me consumia e eu não queria — ainda — mudar meu estilo para agradar aos marcianos Nascidos. Eu queria vir a fazer quando tivesse vontade. E quando soubesse o que eu queria mudar. Não sabia ainda se queria mudar completamente ou só meu cabelo, talvez colocar alguns piercings... Eu não fazia ideia e ficava feliz por nem James nem Merry me encherem com isso.
Eu e Loren andávamos por Marte, era noite pelo que ele me dissera, e tudo continuava muito movimentado. Algumas pessoas mais velhas paravam para cumprimentar a Loren e eventualmente falavam comigo. Eu me sentia com uma placa no pescoço, escrita em negrito e em letras maiúsculas: RENASCIDA E ESTRANHA, NÃO SE APROXIME!
Só poderia ser esse o motivo de todas as pessoas me olharem com um jeito estranho, quase como se eu fosse uma raridade. Eu sabia que tudo aquilo — estar em Marte, ser uma Renascida, ter sei lá quais poderes — era surreal por si só, mas não era possível que houvesse algo mais. Mas parecia haver algo escondido atrás daqueles olhares, que não eram apenas curiosos.
— Vamos pegar um celular para você! — Loren avisou, pegando meu pulso e caminhando para uma enorme loja que flutuava a uns dois centímetros do chão.
Loren não deixava esse seu jeito de protetor de lado. Eu achava que era isso que meu pai deveria ter feito comigo, esses pequenos gestos de segurar minha mão ou pulso e me guiar para algum lugar, ou segurar minha mão enquanto nós atravessássemos a pista. Embora nunca tenha havido isso. Eu sabia que deveria olhar para os dois lados na hora de atravessar, e mesmo uma pista de uma só mão, eu olhava para os dois lados. Lembro de minha mãe comentar para eu fazer isso, preocupada; mas quando ela segurava minha mão, meu pai brigava com ela. Ele dizia que eu tinha que aprender a fazer as coisas sozinha. Para ele eu tinha que ter responsabilidade desde os, sei lá, 5 anos de idade. Se eu não conhecesse minha mãe, diria que eu era filha de outro homem.
Afinal, eu não podia ter o mesmo sangue que aquele homem que dizia ser meu pai, aquele homem rude, agressivo, grosso, estúpido da pior forma de ser. Eu não podia ser filha dele!
Uma vez, em um surto da pré-adolescência, perguntei em alto e bom tom para minha mãe se eu era realmente filha dele. Minha resposta fora um tapa na cara que ele me dera. Doeu, doeu muito e eu não sabia o que doía mais, se era meu coração, de uma sonhadora incompreendida, ou se era meu rosto que ardia da forma da mão dele quando me acertou... Não fora difícil saber o que doía mais: meu rosto! Doeu por dias, e a marca permaneceu lá por mais tempo que o necessário. O pior não fora isso, o pior fora ser obrigada a ir para o colégio com aquela marca no rosto.
Foi por isso que eu faltava muitas e muitas aulas. Eu detestava ser obrigada a ir, então faltava. Caminhava pelas ruas frias da Islândia sozinha e tranquila, passando o tempo. Quando eu ia para o colégio, não entendia nada do que eles diziam, entrava por um ouvido e saía pelo outro. E eu frequentava mais que faltava, mas ainda assim era péssima aluna. Mas a dor em meu peito, mesmo depois da dor rosto ter sarado (e não houve outro tapa, só os xingamentos habituais), continua martelando meu coração.
.
.
.
deixe seu voto e comentário!
lembrando que estou repostando, então, aos poucos a história estará completa aqui <3
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Estranha
Science FictionClarice Jones. Esse era meu nome. Claire Blue. Esse tornou-se meu nome quando James Sky, um Rastreador, disse-me que eu era uma Renascida. Metade terráquea, metade marciana. Eu era uma Estranha em meu país, em Marte eu tornei-me ainda mais Estranha...