06 - Refeitório, parte 4

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Será que Merry não poderia ficar na mesma mesa que eu, por ser da cor rosa? Eu não queria ficar longe dela, mesmo tendo James, eu queria também ter a presença calma e engraçada de Merry ao meu lado.

— Ela fica com você onde você quiser. — James sussurrou, obviamente lendo meus pensamentos. — Ela é sua Acompanhante, então, ninguém se importa.

— Por que você está lendo minha mente? — indaguei.

— Muitos aqui estão fazendo o mesmo que eu.

— Mas você prometeu não fazer!

James sorriu, Merry também, e percebi outras pessoas rirem baixo. Ou ouviam nossos sussurros ou liam nossas mentes.

— Devo parar mesmo?

— Sim, você e todos deveriam parar com isso, é... grosseiro.

— "Grosseiro"? Quem fala essa palavra? — Merry brincou. — Tente xingar mais, posso te ajudar. É uma...

— Na Islândia falamos "grosseiro". — rebati cortando-a, eu não fazia ideia se os cidadãos da Islândia falavam ou não "grosseiro", não convivi muito com ninguém de meu país mesmo.

— Sim, Ice Girl! Vamos comer. E eu, com certeza, vou sentar na mesma mesa que você. — Merry deu o primeiro passo e parou falando com todos os Nascidos que continuavam nos olhando. — Vocês não têm mais o que fazer?

— Você tem que apresentá-la, Pink — disse alguém da mesa de pessoas das cores branco, preto e cinza —, acompanhantes servem para isto: socializar com o Renascido, já que não vemos um todo dia.

— Seja menos arrogante, Luke, eu sei fazer o meu trabalho!

Luke levantou-se e sorriu diretamente para mim... Devo dizer que o ar (se houvesse) me faltou. Ele era lindo. Tanto que eu poderia até xingar sem ter exclamações suficientes para defini-lo.

Luke era da cor branca. Ele parecia um anjo daquele tipo bem impossível de existir: perfeito, totalmente surreal. Seu cabelo branco bagunçado combinava com suas sobrancelhas, seus olhos eram cinzentos, sua pele muito clara, tão pálida quanto a de James. Não deveria ter mais de 25 anos marcianos.

Luke tinha o nariz fino, um piercing no septo, olhos medianos, boca rosada, suas bochechas também eram levemente rosadas de uma forma bonita, não feminina. Ele tinha covinhas. Lindas e profundas covinhas! Suas orelhas eram furadas e ambas eram cheias de piercings, uma mais que a outra. Eu preferia os alargadores de James, eram mais... atraentes, talvez.

Sua camisa sem mangas era branca básica, com um corte em V exibindo algumas tatuagens de seu peito e braços, várias tatuagens coloridas, focando-se mais nas cores branco e cinza. Seu colar gravitacional brilhava entre branco e vislumbres de cinza. Ele vestia uma calça cinza rasgada de leve nos joelhos, meio grunge demais, lembrando-me Kurt Cobain em uma versão jovem e sem drogas ilícitas. Luke era lindo de uma forma de anjo selvagem, enquanto James era lindo de uma forma de diabo civilizado. Ambos eram o contraste do outro. Lindos de uma forma desigual.

— Prazer — Luke disse agora na minha frente, estendendo "o pulso" —, Luke Cloud.

Soltei a mão de James e aceitei incerta o "apertar de pulsos" de Luke, ainda hesitante. Seu "apertar de pulsos" era confiante, seguro. Sua pele era fria, macia.

— Claire Blue.

— Blue? Mas...

— Sim, ela é da cor roxo. — Merry interveio. — Mas quis ter o sobrenome "Blue". Que mal há nisso?

Cloud soltou meu pulso e encarou Merry.

— Estou dizendo que há algum mal, Pink?

— Cai fora, Cloud. — James esbravejou pegando minha mão novamente.

Quando Luke voltou ao seu banco, todos continuavam nos olhando. Principalmente um garoto ao lado de Luke, um da cor cinza, claramente mais novo que ele. Seus olhos cinzentos, como os de Luke, focavam-se nos meus, mais do que todos. Ele parecia me ler de uma forma diferente das outras pessoas ali. Balancei minha cabeça... Eu deveria surtar de leve!

— Gente, esse pessoal é definitivamente grosseiro! — Merry brincou e algumas pessoas da mesa vermelha e azul riram, as da mesa de amarelo continuavam sérias, mas tranquilas, pacíficas, já as das cores neutras pareciam todos entediadas demais e contando os minutos para acabar o "showzinho".

— Nascidos, esta é Claire Blue, da cor roxa, mais uma para a mesa B&V. — Merry me apresentou e, antes que eu perguntasse o que era "B&V", ela explicou: — Usamos as iniciais dessas cores em inglês para diferenciar uma mesa da outra. Gostamos desse idioma, é fácil e rápido.

— Y&G — James apontou para a mesa que sobressaltava o amarelo. — Yellow e Green, entre outras, mas essas são as principais. B&V é Blue e Violet, sempre usamos as inicias das principais cores. R&P é Red e Pink. B&W, obviamente, Black e White.

Algumas pessoas das cores primárias acenaram, sorriam, até vieram me cumprimentar, algumas voltaram a comer sem dar atenção, e todas da mesa B&W me ignoraram totalmente, menos Luke, e aquele garoto de cinza ao lado dele. O garoto continuou sério e Luke sorriu, ainda acenou de leve, rapidamente.

Eu era a mais estranha daquele lugar e isso era desconfortável. Na Terra eu era comum com a minha aparência, mas não com meu modo de pensar; em Marte eu era Estranha com minha aparência, mas não me sentia bem com meus pensamentos.

James e eu fomos sentar na mesa B&V e Merry foi pegar pratos para nós três, já que toda a comida — o banquete — estava sobre a mesa, mesa essa que era uma mistura de azul, roxo e lilás. Sorri e acenava mais que tudo, não sabia o que dizer, nem se deveria dizer algo. Era bizarro estar naquele refeitório, mas estranhamente confortável, como se enfim eu estivesse acolhida, como se enfim eu fosse aceita, mesmo que ora ou outra, algumas pessoas das mais diversas cores me olhassem com um certo desprezo.

Logo reparei que eu era a única Renascida daquele refeitório, sendo assim, eu era a única Estranha entre todos, quiçá a única Estranha de todo o planeta, nessa atualidade. Mas hoje, eu era, basicamente, a atração esquisita de todo um refeitório de Nascidos.


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