Raio Dourado

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Acomodou mais um punhado de terra sobre a cova fresca, deixando de lado a lasca de tronco que havia usado como pá.

Cam deixou seus joelhos tocarem o chão, fazendo com que suas mãos repousassem sobre o montante de terra mexida a sua frente.

Havia aguardado até o cair da noite para atender o que ele sabia ser um desejo de Lilian, e sepultou seu corpo na colina aonde tinham se visto pela primeira. A colina na qual ele tinha entendido que aquele amor, era forte o suficiente para transpor o tempo e encontra-lo novamente no futuro.

O amor por Lilian tinha sido real e intenso, mas ele sabia que aquele não tinha sido o momento de vivenciá-lo, e agora não poderia tê-lo naquele tempo e muito menos no futuro.

Cam já tinha aprendido muito sobre o adeus, mas agora, seu coração martelava inquieto, e sua mente inqueria se ele tinha feito a escolha correta em deixar Lily. Se soubesse que aquela noite no quarto dela teria sido seu último momento juntos, talvez a teria mantido por mais tempo em um abraço, além de repetido incontáveis vezes o quanto a amava, ou simplesmente, teria ficado ao seu lado apreciado o aroma delicioso de jasmim, a pele aveludada e sorvido cada sabor e sensação que pudesse fomentar nela, mas tudo tinha acabado.

A dor pela perda de Lilly poderia jamais ser superada, mas uma coisa era certa, ela seria vingada com o máximo de dor que ele pudesse infligir a Alexia.

Isso era uma certeza.

Cam sentiu-se inundar por um sentimento antes velado, mas ele já o tinha sentido anteriormente, era a mesma sensação que o tinha desperto naquela ilha.

Seria possível?

Seus ombros formigaram demonstrando a agitação interna de suas asas, elas queriam ser libertas. Diferente da invocação de Lúcifer que era agressividade, dolorosa e impossível de resistir, essa parecia pressionar seu coração e remexer em seu estômago enquanto um nome ressoava em sua mente.

-Lilly. – Proferiu se levantando. Aquilo não parecia fazer sentido, mas aquela sensação parecia se ampliar o puxando. Cam olhou para a terra mexida a seus pés e aquilo parecia vir de algum momento além daquele tempo, e foi com esse pensamento que um fulgor de esperança se acendeu dentro dele. – Se houver alguma chance de você ainda estar viva, juro que não irei falhar novamente. Eu vou te proteger com a minha vida. – A sensação se tornava a cada instante mais urgente fazendo suas asas se agitassem obrigando-o a liberá-las. Um anunciador convocado se esgueirou por entre os arbustos e Cam habilmente o transformou em uma passagem. – Adeus, Lilian. – Se despediu sumindo no interior do portal negro, que se fechou após sua passagem.




(...)

Espanto, poderia ser uma palavra para descrever o que estava sentindo naquele momento. Raquel golpeava mais um daqueles seres esqueléticos que continuavam a chegar, assim como Adam que tentava a todo custo evitar que se aproximassem dela.

Lilly tentava entender como ninguém parecia perceber o que acontecia na rua, talvez cegados por aquela nevoa ou poeira, que parecia sair das asas em cada embate mais violento. Seus ferimentos ardiam, mas aquilo havia perdido a importância quando Raquel foi praticamente arremessada por um golpe duplo de dois demônios. Ela atingiu com muita violência uma arvore e um muro e tentava de erguer com dificuldade quando um grupo maior a cercou.

-Raquel. -Gritou Lilly assustada. Seu desejo era correr até a amiga e tirar todos aqueles seres de cima dela, mas sua prece silenciosa foi atendida quando Roland, surgiu de algum lugar e com um rodopio ágil de suas asas douradas arremessou o grupo para longe. Os que se erguerem rapidamente deram alguns passos receosos se afastando dos dois.

Raquel foi amparada por pouco tempo, já que logo se colocou de pé mesmo com o sangue escorrendo por outras partes de seu corpo, inclusive tingido parte de seus cachos dourados.

Lilly sentiu-se aliviada em ver a amiga de pé, mas essa sensação durou poucos segundos pois logo Adam gritava do lado oposto.

-Tire ela daqui! – Aquilo tinha sido uma ordem desesperada.

Naquele momento Lilly percebeu o motivo do pânico de Adam, ela estava distante de seus protetores e cercada pelos demônios. Eles formavam um círculo perfeito a sua volta, sem diminuir a distância para alcança-la, pareciam somente vigiá-la ou mantinham os outros afastados.

-Vou ter o prazer de matá-la novamente. –Lilly sentiu um tremor tomar seu corpo, que aumentou quando viu uma mulher quebrar a barreira que a rodeava. Ela devia ser a líder daquele ataque pois, todos pareciam mesmo que discretamente abaixar o olhar com a passagem dela.

Adam cruzou o olhar desesperado com as ametistas dela enquanto tentava a todo o custo superar o grupo que aumentava em torno dele, recebendo em resposta um sorriso triste de Lilly e um soletrado "Tudo bem", "Obrigada".

Lilly se sentia subjugada, suas pernas tremiam e seu coração tomou um ritmo descompassado, e em cada passo daquela mulher de encontro a ela, maior se tornava seu pavor. Ela havia perdido até mesmo a reação de tentar se mover no sentindo contrário.

Quando avistou a adaga dourada que a mulher tirou do bolso de seu casaco, ela sentiu seus músculos contraírem tensos, era como se aquela lâmina fosse capaz de lhe tomar muito mais do que somente sua vida.

-Alexia! Você sabe que Cam irá te caçar além do inferno se você fizer algum mal a ela. – Brandou Adam de onde estava, tentando sem sucesso se desvencilhar de seus agressores. – E eu irei com ele. – Completou desprendendo um membro do corpo de um dos vários demônios inferiores, invocados por Alexia.

-Ele não está aqui! – Retrucou imponente. – E vocês não são fortes o suficiente para me impedirem. – Alexia olhou de Roland para Raquel, que lutavam agressivamente contra uma nova horda de demônios recém invocados. – E você. – Ela olhou de maneira sádica para Lilly que sentiu o ar lhe faltar nos pulmões.

Lilly alcançou o coração com uma das mãos em um lamento silencioso, seu desejo mais íntimo era de ter podido vê-lo mais uma vez.

"Cam", pensou Lilly vencida.

Um estrondo alto expandiu pelo lugar, fazendo com que todos buscassem assombrados de onde aquele som vinha. Foi como se um raio dourado cortasse o céu e caísse entre elas, em um baque surdo e intenso que fez o chão tremer e se partir entorno do recém-chegado, que parecia envolvido por uma áurea de chamas.

-Cam! – Pronunciou Lilly.

Os olhos esmeraldas dele estavam obscurecidos pelo ódio, enquanto ele se erguia lentamente sustentando o olhar irado sobre Alexia que se afastou uns dois passos surpresa e amedrontada.

-Lilly. – Proferiu ele aliviado voltando o olhar para ela. Cam caminhou os poucos passos que os separavam segurando a mão dela, fazendo com que seu corpo compreendesse que Lilly estava realmente ali.- Você está bem? – Ela concordou com a cabeça sem muita certeza. – Agora eu estou aqui. – Tentou tranquilizá-la. Ele não falharia dessa vez.


Libertação (Cameron Briel - Fallen)Onde histórias criam vida. Descubra agora