Súplica silenciosa

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Seus olhos estavam cinzentos muito distantes dos violetas reluzentes, e ele sabia bem o motivo, Lucinda estava distante. Seu coração parecia leve, mas não trazia uma sensação de alivio e sim de vazio, como se estivesse ausente de seu corpo.

Daniel ampliou suas asas e subiu mais por sobre as nuvens e se permitiu relaxar, mesmo que sua mente lhe remetesse a cena a pouco presenciada entre Cam e Lilian e se questionou se deveria ter entregue a Starshot ao amigo, mas já estava feito.

"Ela é o meu futuro", ele sabia o que o amigo queria dizer com aquilo, pois era o mesmo que sentia por Lucinda, ela era seu passado, presente e sempre seria o seu futuro. Certamente tinha sido isso que o motivou a buscar por uma resposta, uma maneira de ressuscitar uma alma.

Por anos acompanhou a mudança do amigo, viu como Cam foi se transformando naquele homem arrogante, impulsivo, impiedoso, agressivo, conquistador, e percebia que ele estava a cada dia mais próximo de se tornar aquele anacronismo que Daniel tinha visto.

Era como se aquele olhar suplicante estivesse adormecido, mas Daniel já o tinha visto, e sabia que em algum momento seu amigo se dobraria a dor da perda de sua amada.

(...)

Prado: A quebra da maldição.

Enfim o Trono retornou ao tema que para Daniel seria o mais importante, a Maldição na qual estavam presos. Daniel notou os músculos de Lucinda se tencionarem assim como os dele.

Conforme a situação deles era esplanada pelo Trono, maior se tornava sua ansiedade, por 6 milênios ele tinha lutado para que aquele sofrimento tivesse fim, e agora tinha chegado ao limite. Diferente dele, Luce não via tudo o que tinham vivido como puro sofrimento e afirmava que haviam tido momentos de beleza.

Ele via exatamente o que o Trono afirmava naquele momento, aquela Lucinda era a mais próxima de sua amada do que em qualquer outra de suas vidas passadas, e ele, assim como ela, se dobraria a sua responsabilidade e assumiria suas escolhas.

Daniel conteve o reflexo de trincar os dentes quando a proposta da escolha foi feita novamente a Lucinda, e todos ali sabiam tão bem quanto ele, que se Luce escolhesse Lúcifer, ele a receberia de braços abertos, tanto que Daniel ouviu o farfalhar das asas do Estrela da Manhã se torcendo em um nó, provavelmente movido pela possibilidade de enfim tê-la junto de si.

Assim que Lucinda declarou ao Trono que sua escolha seria sempre pelo amor, Daniel não se conteve e se aproximou atando sua mão a dela lhe prestando conforto e força. Ele sentia seu coração inflar com cada palavra que ela pronunciava a favor do amor deles, mesmo quando Lúcifer insatisfeito desafiou o sentimento deles inquerindo quanto ao preço que estariam dispostos a pagar. Daniel sabia que não tinham chegando tão longe, para desistirem e se darem por vencidos. Mesmo que o preço fosse abrirem mão de suas asas, de sua força e até de sua imortalidade. Tudo pelo amor.

-Sim. – Daniel e Luce responderem em uníssono.

O Trono estava satisfeito com a resposta e não parecia surpreso com a escolha deles, e mesmo após esclarecer que a condição seria o de perderem tudo de sua natureza angelical, ele não se sentiu tentado a recusar. Mesmo quando o Trono explicou que seriam mortais e que sem a vantagem da maldição, poderiam nunca se encontrar, ainda assim, ele aceitaria, pois Lucinda era sua alma gêmea e Daniel atravessaria o universo até encontrá-la. Sempre.

-A mortalidade é a mais linda história romântica que já se contou. Só uma única chance de fazer tudo o que se deve fazer. Depois, magicamente, você passa para outra. – Proferiu Cam, fazendo com que Daniel sentisse um aperto no peito e se lembrasse do dia em que Lilian morreu.

Tudo havia decorrido além do esperado, mesmo Daniel tendo fraquejado ao lamentar a perda das recém descobertas asas de Lucinda, noentanto ela o surpreendeu aceitando as condições impostas pelo Trono, clamando somente pelo retorno dos Párias que haviam lutado ao lado deles.

Daniel sabia que Cambriel era capaz de amar com igual ou maior intensidade que ele, mas não sabia se o amigo teria a chance de conhecer esse amor. A alma de Lilian estava morta, e mesmo procurando por anos, ele nunca encontrou uma maneira de reverter o que tinha acontecido. Sentiu que aquele poderia ser o momento para suplicar pela alma da garota, mas o máximo que conseguiu foi olhar profundamente nos olhos do Trono. Ele sentia como se estivesse se perdendo em um oceano de cores, e foi somente quando o Trono desviou o olhar para Cambriel que estava ao seu lado que Daniel despertou.

Daniel tocou o ombro do amigo repetindo o gesto de confiança e amizade que tinham fortalecido pelo longo dos anos e se desculpou sem palavras.

-Você conseguiu, irmão. – A voz de Cam estava carregada e Daniel conseguiu ver aquele mesmo verde obscuro daquele dia nos olhos do amigo, então era isso, a solidão estava se hospedando em Cambriel.

-Claro que sim. – Ele tentou esconder o quanto seu coração estava pesado com tudo o que estava acontecendo ao "irmão", Cam ficaria novamente sozinho e ele não poderia ajuda-lo como havia prometido. Daniel sentia que amenos naquilo, havia fracassado.

Observou Cambriel se aproximar de Luce.

-Não deixe ele te mostrar o dedo da próxima vez. – Daniel conteve um riso com a lembrança daquele dia em que tentou afastar Lucinda com o gesto obsceno.

-Você sabe que não vou deixar- Respondeu Lucinda rindo.

-Ah, Daniel, uma mera sombra de um verdadeiro Bad Boy – Cam pressionou a mão contra o coração. – Não deixe que ele a trate mal. Você merece o melhor que existe.

-O que você vai fazer? – Questionou Luce preocupada.

-Quando se está arruinado, há muito o que escolher. Todas as possibilidades se abrem. – Daniel observou o amigo erguendo o olhar para as nuvens. – Vou desempenhar o meu papel. Eu o conheço bem. Conheço o adeus.

Daniel sentiu novamente aquele aperto em seu coração e conteve o impulso de puxar o amigo para um abraço, e ao contrário acenou a cabeça positivamente enquanto o observava partir.

"O seu coração te fará responsável pelo amor dele ", a voz melodiosa do Trono entoou feito um cântico em sua mente.

(...)

Ele segurava a mão dela com firmeza, sentindo como se a dor que a afligida pudesse ser compartilhava, e mesmo isso sendo impossível, ele continuou mantendo seus dedos entrelaçados aos dela. Ela apertava a mão dele em cada gemido de dor que fluía por seus lábios entreabertos facilitando a respiração. O suor corria por sua face visivelmente esgotada, mas ele sabia que ela era forte.

"Só mais um pouco meu amor", ele não conseguiu proferir em palavras seu desejo, mas ela parecia ler em seus olhos o que os seus lábios haviam calado.

Ela gritou, externando seu esforço que foi finalmente abençoado por um suspiro de alivio, e um choro estridente que encheu o ambiente.

Ele sentiu as lágrimas brotarem por seus olhos e naquele momento não se preocupou em contê-las ou mesmo seca-las.

-Parabéns! Vocês são pais de uma linda menininha. – Felicitou a enfermeira.

Daniel acompanhou enquanto a mulher acomodava o pequeno embrulho nos braços de Lucinda, que tinha um sorriso bobo e provavelmente o mesmo olhar encantado dele.

-A nossa filha é linda, Dani. – Sussurrou Lucinda com a voz embargada, deixando enfim as lágrimas correrem por seu rosto abundantemente.

Ele sentiu-se derreter por dentro quando aquele pequeno par de ametistas se cravaram nele, e a segurou prontamente assim que Lucinda a entregou.

-Você é realmente linda, Lilly. – Proferiu Daniel ciente de que tudo o que era mais valioso em sua vida, estava diante dele, sua família.

Libertação (Cameron Briel - Fallen)Onde histórias criam vida. Descubra agora