Cuidarei dela

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"Cuide dela, por favor"

Roland sabia o quão carregado de significado aquelas palavras estavam, Cam o tinha incumbido de cuidar dela, era evidente que o sentimento que tinha visto reluzir deles naquela noite na piscina já tinha se transformado, era algo maior e ainda assim tinha aquela impressão latente de que se tratava de um sentimento ancestral o que atiçava sua curiosidade.

Se lembrava de ter visto essa mesma fagulha emanado de Daniel e Lucinda, mas o amor deles era reiterado e milenar, diferente do sentimento de Cam e Lilly, ou estaria enganado quanto a isso?

Tinha de admitir, era complicado ajudar aqueles dois, Cam tinha sumido desde aquela noite e apesar dele conhecer os motivos do amigo temia que ele realmente não retornasse, afinal, ele podia ser um cabeça dura as vezes.

Desde aquela vez em que o encontrou esmorecido naquela ilha, tinha percebido muitas coisas, principalmente, que dentre todos os caídos, Cam era o que tinha o coração mais destruído. Seu dissabor o tinha feito escolher o lado do Estrela da Manhã sem pestanejar, assim como o motivou a aceitar a marca que somente os mais próximos a Lúcifer carregam, tudo para tentar lidar com a dor da renúncia. Tocou o próprio pescoço onde a marca do amigo ficava, ele tinha resistindo a essa tentação e não tinha aceitado ser marcado e nunca aceitaria.

Esticou os braços se espreguiçando já que seus pensamentos tinham sido interrompidos pela aproximação de alguém.

-Ele não vai voltar, não é? – Ouviu Raquel perguntar a suas costas, ela vinha todos os dias procurando por notícias e ele sempre lhe dava a mesma resposta.

- Não sei. – Respondeu se recostando na espreguiçadeira na beira da piscina. Não mentia, mas tinha esperança de que o sentimento que via nitidamente no outro fosse capaz de trazê-lo de volta.

-E se ele descobrir? – Perguntou se sentando ao lado do outro.

- Sabe Raquel. – Se voltou para ela expondo um olhar preocupado. – Vou te dar um aviso. Cam, não é tão compreensivo quanto eu e pode ter certeza, ele não vai gostar nada quando descobrir sobre você. Então... – Suspirou pesadamente.- Pare de persegui-lo. – Disse firme.

-Mas você sabe, alguns já à estão sentindo e.... – Parou de falar assim que Roland a fitou novamente com os olhos obscuros.

-Eu vou cuidar dela. – Finalizou convicto.

-Eu não vou conseguir detê-los. Você sabe. – Resmungou indo embora de cara amarrada

Roland ergueu o rosto para observar melhor o céu avermelhado, já estava anoitecendo e esse era o horário preferido "deles".

(...)

Algumas horas mais tarde

O céu estava estrelado e sem nuvens, a brisa refrescante acariciava seu rosto enquanto plainava até o topo do prédio principal, assim como fazia algumas noites, seu olhar buscou automaticamente a direção da última janela do terceiro andar que estava fechada.

Roland se sentou tranquilamente enquanto recolhia suas asas em um movimento sincronizado, tinha uma boa visão daquele ponto e aproveitou para analisar o perímetro tendo sua atenção tomada por uma aproximação familiar "Cam", declarou mentalmente. Observou o outro pousando no prédio a sua esquerda, certamente para ficar de frente a janela que ele também vigiava. Estava aliviado por rever o amigo, acreditava que Lilly não sabia de seu retorno e isso seria um problema que talvez ele pudesse ajudar a resolver.

Notou assim como o outro, quando a janela se abriu e Lilly se sentou no parapeito com seu instrumento em mãos, viu que Cam pareceu se esticar para vê-la melhor enquanto recolhia suas asas, talvez para não chamar a atenção dela.

Lilly começou a tocar uma melodia melancólica com os olhos fechados enquanto Cam a observava apaixonado, Roland imaginou se Cam já tinha percebido o que ele naquela distância conseguia ver, a ligação entre eles era quase palpável. Cam poderia odiá-lo pelo que estava prestes a fazer e mesmo assim desfraldou suas asas e seguiu para junto do outro aproveitando da distração ocasionada pelo encantamento.

-Fico feliz que tenha voltado. – Pousou próximo ao amigo. Cam não parecia totalmente surpreso e caso estivesse, não deixou transparecer. Virou o rosto o suficiente para constatar de quem se tratava e se voltou novamente para frente.

-Obrigado. – Articulou Cam calmamente.

-Ela toca muito bem. – Disse enquanto se aproximava do outro. – Ela tem feito isso todos os dias desde que você partiu. – Percebeu quando o outro o olhou de soslaio. – Ela sente sua falta. – Prosseguiu.

-Eu sei. – Murmurou em resposta deixando escapar um suspiro triste. – Eu tenho que ir.

-Cam. – Continuou assim que notou que tinha a atenção do outro, mesmo que Cam mantivesse seus olhos na janela a frente. – Sei que não somos tão próximos como você foi de Daniel ou mesmo Molly. – Após uma pequena pausa prosseguiu. – Contudo, saiba que mesmo que você decida partir eu continuarei cuidando dela. – Olhou diretamente para o outro. - Mas, acho que você não deve ir. – Cam o olhou e pela primeira vez e em anos Roland viu aquele mesmo brilho daquela vez nas montanhas, seu amigo estava com medo.

-Ela não entenderia, você sabe. – Percebeu o tom de amargura na voz do amigo, e sim, sabia muito bem sobre o que ele falava, ele próprio tinha sofrido as consequências daquela mesma escolha. Deixou seu olhar alcançar a garota que continuava com os olhos fechados enquanto executava com perfeição aquela triste melodia, que apesar da tristeza, acariciava seus ouvidos, ele ainda amava música.

-Você seria feliz se nunca mais a visse? - Sabia como aquelas palavras poderiam atingir Cam e foi por isso que as usou, queria mostrar o que talvez o outro relutava em aceitar. – Se puder responder que sim. – Enfiou as mãos no bolso do casaco. – Você deve ir. – Deu um leve toque do ombro do outro antes de alçar voo.

Libertação (Cameron Briel - Fallen)Onde histórias criam vida. Descubra agora