Por que ele teria?

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Observava atentamente a bela mulher adormecida a sua frente. O corpo esguio coberto pelo fino tecido do lençol claro, a cabeleira macia espalhada pelo travesseiro "Linda", pensou pousando um dos dedos sobre os lábios a analisando cuidadosamente. A pele sedosa e clara reluzia sob a luz opaca da lua que entrava pela janela, seu rosto com feições delicadas, lábios rosados em um convite silencioso a um beijo, mas não para ele. Era uma bela mulher, mas nunca seria a que ele queria, nunca.

Continuou observando o peito dela subir e descer lentamente, parecia sonhar, imaginou o que os humanos apreciavam nessa tola ilusão que o mundo dos sonhos proporcionava, ao acordar não seria nada além de fumaça.

Enterrou as mãos nos bolsos de sua calça e caminhou tranquilamente até próximo a janela, o céu estava límpido. Deixou um sorriso curvar seus lábios bem feitos sem mostrar os dentes e olhou pela última vez a mulher que ressonava tranquila em seu sono.

- Eu te invoco. – Seus olhos se tornaram vermelhos rubros, parecendo em chamas. – Cambriel.- e no segundo seguinte retornaram à tonalidade azul translúcido

Tinha sido incisivo o suficiente para que Cam viesse rapidamente. Um pouco de dor o faria se apressar, contudo ele não chegaria antes do anoitecer do dia seguinte.

(...)

Muitos o achavam possessivo e orgulhoso, mas acreditava que o amor era o culpado. Tinham sido criados a semelhança "Dele", e mesmo assim tinham sido trocados pelos mortais, seres frágeis e incrédulos. Não somente ele, mas todos tinham se sentido abandonados, poderiam não admitir, mas estavam perdidos sem a presença "Dele".

Ela estava um patamar abaixo do que ocupava, seus longos cabelos negros sempre reluziam sobre os dias no Prado, e sem reservas a desejou. A tomou para si ensinando-lhe que a devoção poderia ser direcionada a ele também, seus dedos se lembravam da textura da pele dela, seus lábios sempre ansiariam pelos dela, suas asas ainda buscariam pelas dela, a menos, era o que ainda sentia.

"De todos os pares que o Trono apoiou

Nenhum brilhou com mais poder

Do que Lúcifer, a Estrela da Manhã

E Lucinda, sua estrela do Anoitecer"

"Sua estrela do Anoitecer", sua mente gritou "Sua".

Havia dedicado a ela toda sua adoração e nunca esperou menos dela "Nosso amor era infinito. Não existiria mais nada", sua memória martelou. Exigiu apenas que Lucinda lhe adorasse, que unidos fossem maiores que "Ele", mas ela não aceitou.

Fechou suas mãos fortes em punhos em seu bolso. Tinha conseguido ler no fundo dos olhos dela que a tinha perdido, que tudo que lhe oferecia não era suficiente, e então, Daniel a tomou para si.

Trincou os dentes com a lembrança, a eternidade não parecia o bastante para que se esquecesse de tudo, Lucinda era dele e naquele momento na Chamada tinha sido claro, mas então, a viu se aconchegar nos braços de Daniel e desejo tanto parti-la ao meio.

" - Você me mostrou o poder do amor, e por isso sempre serei grata. Mas o amor se situa em terceiro lugar para você, muito depois do orgulho e da sua ira. Você iniciou uma luta que jamais será capaz de vencer. – As palavras dela tinham transposto seu feito em uma lâmina afiada, fazendo-o tremer em ódio.

-Mas estou fazendo tudo isto por você. – Berrou estendendo os braços indicando tudo ao seu redor.

Se Lucinda tinha recusado seu "amor", então que sofresse uma eternidade de mortes horrendas por "aquilo" que tanto ela quanto Daniel afirmavam ser o "verdadeiro amor".

Lúcifer e o Trono haviam em um acordo selado o destino dos dois "apaixonados", mesmo quando avistou o anacronismo de Daniel interceder e conseguir uma brecha na maldição, acreditou que teria tempo para impedir que conseguissem. "

Havia movido o céu e estaria disposto a fazê-lo com a terra se Lucinda o tivesse seguido, ela tinha sido cega em não perceber o quanto ele tinha feito por ela, somente por ela, sempre por ela. Sentiu um gosto amargo de ferrugem em sua boca, percebendo que mordia os lábios em uma fúria contida e afrouxou mordida suspirando pesadamente.

" A encontrou vagando pelos anunciadores em busca de respostas, seguiu junto dela na forma de Bill, para mostrar o erro que tinha repetido em todas as vidas que tivera ao escolher Daniel, ela sempre escolheria a morte. Lucinda tinha sido perspicaz o suficiente para entender o que os olhos não mostravam. Se todas as vidas que teve não tinham sido o suficiente para que ela enxergasse, então, apagaria tudo.

Tinha seguido pelos Anunciadores até a queda e a protegeu pelos nove dias da caída, iria toma-la para si e juntos iriam reescrever toda uma existência, mas tinha sido detido por "Eles", sua lembrança enfatizou. "

-Se não posso ter tudo o que quero, por que ele o teria? – Murmurou para si voltando sua atenção para fora.

(...)

Sentiu que Cam havia chegado, o tinha aguardado pacientemente até aquela noite, sentiu seu ego inflar assim que o ouviu abrindo a porta e desfez o desconforto ocasionado pela invocação.

- Cambriel, meu caro. – Disse virando-se para fita-lo.

-Lúcifer. – Ouviu em resposta seguindo o mesmo tom que tinha usado.

-A quanto tempo, meu caro. – Abriu os botões de seu paletó o jogando para trás para que se sentasse em uma cadeira próxima. Cam permanecia parado parecendo o analisar. Os profundos olhos esmeraldas não revelavam medo, mas podia ver apreensão neles e isso era bom. – Imaginei que nos encontraríamos mais cedo, contudo, você não apareceu. – Cruzou as pernas elegantemente mantendo o olhar firme sobre o outro.

-Sinto por isso. – Respondeu se aproximando mais alguns passos, a luz pendia sobre sua cabeça dando-lhe um tom sombrio. – Tinha outros assuntos.

-Assuntos. – Seus olhos crisparam por breves segundos. – Como o de se intrometer em meus planos?

-Lúcifer eu...-Cam foi interrompido pelo aceno dele para que parasse.

-Não me importo, Cameron. – Mentiu. – A verdade é que encontrei uma coisa que talvez possa lhe interessar. – Descruzou as pernas e fez um gesto com uma das mãos invocando um Anunciador. Diferente do trato que os outros precisavam ter com a Anunciador para abri-lo, ele simplesmente ergueu a mão e em três gestos fez com que tomasse a forma desejada. – Me acompanhe. – Finalizou sumindo pela passagem escura seguido por Cam.

O quarto no qual surgiram estava a meia luz, um abajur disposto em um canto iluminava de maneira precária o ambiente, ele sabia onde estava e o que procurava.

Caminhou lentamente sentindo que o outro o seguia a distância. Se afastou indicando com uma das mãos a cama a sua frente, a mulher como na noite anterior estava dormindo e pela primeira vez naquela noite viu o espanto estampado no rosto de Cam.

Libertação (Cameron Briel - Fallen)Onde histórias criam vida. Descubra agora