Vou te contar

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O tom adotado por Cam tinha transmitido toda a seriedade do que ele iria dizer, então, Lilly simplesmente se acomodou sobre os joelhos e aguardou ansiosa. Percebeu que ele moveu os lábios algumas vezes sem nada dizer, talvez, procurando a melhor maneira de começar.

Ela estava admirada com a descrição saudosa dele sobre o Prado, que seria uma espécie de dimensão superior e não o céu propriamente dito, onde os anjos seguiam uma ordem hierárquica que os dividiam em setores, do mais próximo até o mais distante do Trono, mas as coisas haviam mudado drasticamente quando o Trono se ausentou, para cuidar de sua recente criação, os humanos. Tudo se transformou a partir dali. Cam pausou a narração como se sua mente o carregasse para algum momento longínquo, e seu rosto tomou um ar triste que durou poucos segundos, o suficiente para que ela notasse, que recordar aquele momento, não lhe parecia tão agradável.

Disse-lhe que eles não conheciam os sentimentos e não sabiam o quão poderoso e traiçoeiros eles eram, e movidos por pura ingenuidade se entregaram. Tudo era novo e cada qual apreciava de suas descobertas a sua maneira, ele descobriu primeiro a amizade. Isso o tinha tornado mais próximo de alguns anjos, mas Cam explicou, que havia um dentre seus amigos que se transformou em um irmão, e que seguiu junto dele por milênios após a caída.

A Caída.

A forma como ele descreveu a revolta, tinha entendido que Lúcifer ocupava o lugar mais alto ao lado do Trono e tinha se apaixonado pelo Querubim ao seu lado nessa ordem, o amor tinha sido correspondido, mas logo outros sentimentos influenciaram aquela relação, como o orgulho e mesmo a inveja fazendo tudo ruir. Lúcifer sentiu-se traído, o que pelo que Lilly entendeu não era totalmente mentira, pois quando ocorreu a Chamada para que os anjos escolhessem um lado, um deles se recusou afirmando que o lado que ele escolheria seria sempre do amor, o amor da também amada de Lúcifer.

Lilly imaginou o quão lindo seria o amor desses dois, mas como previsto nem tudo seria um mar de rosas, o casal foi amaldiçoado por ambos os lados e estariam fadados a se conhecerem, se apaixonarem, e sempre que a simples menção da real natureza da "Querubim" cruzasse sua consciência, ela morreria envolta por chamas enquanto seu amado afundaria em tristeza até que ela reencarnasse, e assim reiniciasse aquele círculo trágico.

Lilly não conseguia afastar o fato daquilo ser extremamente romântico e absurdamente cruel, imaginar o amor transmutado em sofrimento daquela maneira, fazia com que seus olhos lacrimejassem.

Cam parou por um momento e pareceu analisa-la antes de prosseguir.

Aquele casal havia passado por muitos encontros e dolorosas separações, e Cam sempre esteve por perto, ao lado de seus amigos, até mesmo depois daquele dia, ele suspirou pesadamente e ela percebeu uma áurea triste pousou sobre ele.

-Você deve estar se perguntando o por que estou contando tudo isso, não é mesmo? – Ela sentiu falta de entusiasmo na voz dele, Cam parecia abatido.- O seu sonho é parte de toda essa história. – Ele a olhou fixamente. – E você também, Li.

Ela não via uma maneira de estar interligada a essa história, senão por seu amor por Cam, mas isso não teria tanto acréscimo aquela jornada que ele descrevia.

Seus olhares se cruzaram novamente, os olhos dele atingiam um tom esmeraldas reluzente e intenso, e Lilly percebeu que havia mais além do que já tinha sido contado até aquele momento.

-Mas aonde eu me encaixo nisso tudo? – Foi sincera em seu questionamento.

-Você poderia me contar sobre o seu sonho? – Ela estreitou o olhar claramente confusa, mas contou tudo que se lembrava da versão mais recente de seu sonho, evitando detalhar todo aquele emaranhado de sensações que sentiu.

Quando ela terminou, Cam segurou as mãos dela entre as suas. Falar sobre tudo o que aconteceu não era muito difícil, seus sentimentos eram claros quanto a isso, contudo haviam revelações diretamente relacionadas com outros que Cam não sabia se devia realmente expor, porém aquela sensação de que devia sinceridade a ela, o motivou a prosseguir.

- Olha, eu não sei exatamente o porquê ou mesmo como isso foi possível, mas o seu sonho, descreve um momento em meu passado. – A boca dela se entreabriu e suas mãos se ajustaram melhor a dele em reflexo ao seu espanto. – Aquele seria o dia do meu casamento, mas como você deve saber, as coisas não correram como o planejado, ela me chutou e eu mudei de lado. – Cam abriu um sorriso amargo e sem humor.

Lilly imaginava se sua mente estava processando tudo com a mesma velocidade que as informações lhe atingiam, pois ficou estática, seu olhar pousou em um canto qualquer a motivando a se concentrar. Se ele estava noivo naquela época, isso explica que aquela mulher que devia ter uma pedra no lugar do coração, era sua noiva, mas e o seu pai? Aonde ele se enquadra nisso tudo? Provavelmente essa parte tenha sido criada por ela.

-Mas meu pai estava nesse sonho. – Enfatizou mais para si do que para ele.

-Bem. – Ele tossiu limpando a garganta. – Sabe o casal do início da caída e tudo o mais?

-Hum hum. – Resmungou.

-O casal era Daniel e Lucinda, seus pais.- Concluiu.

O quarto estava girando, ou seria seu estômago? Lilly se sentia enjoada e tonta, e ficou feliz por ainda não ter tomado o café da manhã ou certamente ele estaria voltando a essa altura. Sua respiração parecia pesada e por alguns minutos acreditou que tinha se esquecido como se respira, ar, precisava de ar. Seus olhos seguiram para o teto da cabana aberto sobre a cama, o sol ainda não tinha alcançado aquele ponto, mas já era alvorada e os primeiros raios solares já clareavam o dia.

-Li? – Cam parecia preocupado e ela queria ser capaz de dizer que estava tudo bem, mas não tinha plena certeza quanto a isso. Havia descoberto que seus sonhos eram na verdade uma parte do passado de Cam e aquela ruiva que agora lhe remoía o estomago em lembrar, tinha sido realmente noiva dele, acrescido do fato de seus pais serem anjos caídos presos em uma maldição de amor, isso estava fazendo sua cabeça zunir.

Sentiu quando Cam a envolveu em um abraço e preferiu esconder o rosto na curva de seu pescoço até sua respiração se acalmar e seu coração retomar o compasso, enquanto sua mente tentava se ajustar as novidades.

Se seus pais eram anjos, o que ela seria afinal?

Libertação (Cameron Briel - Fallen)Onde histórias criam vida. Descubra agora