24/11/2018(Continuação II)

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Eu já estava quase de pé quando olhei em sua direção e vi o cano da arma apontado direto pro meu peito, não tive sequer tempo de reagir antes de ouvir o som do gatilho.

Apenas pude me afastar um pouco pra trás, fechar os olhos, contrair os músculos e esperar o impacto do disparo mas ao invés de ouvir o tiro que me mataria o que aconteceu foi um tímido som de "click" que ocorre quando se tenta disparar uma arma sem munição.

Voltei a vida ao ouvir aquilo e não parei pra pensar em nada mais, apenas voltei pra luta desferindo um soco forte no rosto incrédulo de Adônis. Ele se inclinou para trás e continuei acertando socos com toda potência no rosto dele e só parei quando ele conseguiu se esquivar para o lado e empurrar minha cabeça na outra direção me desequilibrando.

Não reduzi o ímpeto e assim que recuperei o equilíbrio parti novamente pra cima dele que passou a jogar objetos, que pegava de cima dos móveis, em minha direção. Não dei a mínima pra isso e continuei caçando seu rosto com meus punhos mas um cinzeiro de porcelana jogado por Adônis acertou em cheio minha testa me deixando tonto e parando minha investida contra ele.

Levei à mão a cabeça e senti o sangue escorrendo entre meus olhos, minha visão ficou prejudicada, obstruída pelo liquido vermelho que emanava do meu ferimento e só consegui ver um vulto vindo com tudo em minha direção. Passei mais uma vez as mãos nos olhos e consegui limpá-los um pouco, o suficiente pra recuperar parte da visão perdida e ver que Adônis corria com uma faca levantada contra mim.

Ergui a mão rezando para que fosse ágil o bastante para evitar o ataque e por muito pouco conseguir por o punho na frente impedindo que a faca cravasse em mim, mas num movimento súbito Adônis usou sua outra mão como auxilio e empurrou a faca pra baixo me vencendo na força.

Caminhei para trás no mesmo ritmo que a faca descia na direção da minha cabeça. Pude apenas inclinar-me um pouco para o lado para tentar reduzir a gravidade do ferimento. A faca desceu cravando-se no meu peito, bem próximo do ombro e desceu dilacerando a carne, abrindo um corte cada vez maior no meu tórax.

Soltei um grito forte e desesperado reflexo da dor e agonia que sentia no momento. A priori minhas forças esmoreceram e eu parecia entregue mas num surto de desespero usei minhas ultimas energias para acertar uma joelhada em Adônis, seguido de um upper no queixo e um pisão na cintura que o afastou de mim e o empurrou até o outro lado da sala.

Eu me recostei, ainda com a faca no peito, no pequeno armário ao lado da estante para não cair no chão. Adônis a minha frente se recuperou dos golpes e estava pronto para voltar a me atacar quando inesperadamente parte da sua cabeça espatifou-se ao som de três disparos que vinham na direção da porta do apartamento. Ele caiu de joelhos já sem vida na minha frente e eu tombei ao seu lado logo depois.

Tentei levantar a cabeça e procurar quem havia efetuado os disparos mas a dor no meu peito era tão lancinante que eu não conseguia mexer o pescoço e apenas pude esperar quem quer que fosse aparecer. E então ouvi a voz de Edinho e senti sua mão sobre mim.

- Você está bem? Vai ficar tudo bem. Respira.

Eu tentava responder mas não tinha forças para falar e minha visão junto com a audição estavam ficando prejudicadas, eu parecia estar prestes a desmaiar.

- Fica comigo irmãozinho. Você vai ficar bem entendeu? Fica comigo. – Edinho dizia enquanto eu pude sentir alguns toques sobre a minha pele antes de apagar de vez.

Acordei não muito tempo depois em cima da mesma mesa que havia colocado Edinho dois dias antes. Me debati assim que acordei e voltei a sentir a dor do ferimento no meu peito.

- Fica calmo. Você tem que ficar quieto – Edinho disse enquanto tentava me segurar.

- Ele acordou? – Ouvi a voz de Barbara vinda de algum lugar do apartamento.

- Sim! – Edinho respondeu. – Como as coisas estão aí?

- Não muito boas. Já estou indo.

Eu tentei entender o que se passava. O que Barbara estava fazendo? Onde ela estava? Sobre o que Edinho e ela se referiam? Será que os zumbis estavam invadindo o prédio? Ou os caras do carro que Clayton falou tinham nos achado?

Eu não podia ficar com essas duvidas e não agüentava ficar naquela mesa. Tentei me levantar mais uma vez e a dor no meu peito atacou com ainda mais força enquanto Edinho tentava me manter deitado e imóvel.

- O que ele está fazendo? – Ouvi Barbara dizer enquanto se aproximava. – O que você está fazendo? – Ela disse direto pra mim desta vez.

- O que tá acontecendo? Eu tenho que... – continuava minha teimosia mas desta vez fui interrompido por ela.

- O que tá acontecendo? Quer saber o que está acontecendo? Eu estou com um corpo ainda derramando sangue na outra sala. Uma horda de zumbis ensandecida querendo invadir a porra do prédio. Malucos armados rodando atrás de nós em cima de carros. Clayton tendo hemorragia com duas balas na barriga no outro quarto e você com uma faca encravada perto do pulmão, achando tudo isso pouco e agindo feito uma criança mimada numa loja de brinquedos! Fica quieto e me deixa trabalhar. Já que você não pode me ajudar então para de atrapalhar! – Ela desabafou com todo ar que tinha nos pulmões.

Nunca havia ouvido uma bronca tão grande desde que tinha 11 anos. Ao ouvir aquelas palavras de Barbara e ver sua expressão, a única coisa que pude fazer foi baixar a cabeça e acatar quieto o que ela disse. Ao ver minha passividade após suas palavras ela continuou num tom menos duro.

- Ótimo. Agora vamos dar um jeito nesse seu ferimento.

Encostei a cabeça na mesa e tentei divagar e levar minha mente pra longe para me acalmar e reduzir a dor que sentia. Me concentrei em controlar a respiração mas eram coisas de mais para pensar e não tive êxito na minha tentativa. Ao voltar minha atenção para o que estava acontecendo ali pude ouvir o resto da conversa que Edinho e Barbara estavam tendo.

- E o rapaz na outra sala? A garota consegue cuidar dele sozinha? – Edinho disse referindo-se a Clayton e Natalia.

- Não. Ela não sabe cuidar de ferimentos daquela gravidade, nem eu na verdade. Ele só sobreviveria se passasse por uma cirurgia, então...

- Ele pode passar por essa cirurgia. Você só precisa mantê-lo vivo por mais um tempo.

- O quê?

- Tem um navio aqui perto. – Edinho disse inocentemente sem saber que o navio não existia. – Você só precisa manter os dois vivos até chegarmos lá, só precisamos arrumar um carro e...

- Olha. – Barbara o interrompeu. – Eu preciso te dizer uma coisa...

- Não! – Falei apertando o braço de Barbara.

- Jotah fica quieto. – Edinho disse.

- Ele precisa saber. – ela falou desvencilhando-se da minha pegada.

- O que? O que eu preciso saber?

- Não! – falei novamente.

- Não há navio! – Barbara disse ao mesmo tempo sobrepondo-se a minha voz.

Eu não queria que aquilo acontecesse. Eu não queria que Edinho soubesse daquilo, ainda mais desse jeito. Eu não saberia como seria sua reação e tive vergonha de olhar pra ele e ver sua expressão de reprovação por eu ter mentido e escondido algo tão importante dele.

Mas contrariando todas as minhas expectativas Edinho não teve nenhuma reação adversa. Ele apenas balançou a cabeça como se digerisse o que acabara de ouvir e continuou firme controlando a situação e mantendo as coisas dentro dos eixos como sempre fez.

Eu não tive coragem nem ao menos de me desculpar ou dizer qualquer coisa a mais, apenas voltei a recostar minha cabeça na mesa e fechei os olhos. Neste momento senti uma dor súbita vindo da ponta do pé até meu último fio de cabelo, perdi o ar por um momento que pareceu uma eternidade e quando voltei a sentir meus pulmões expeli o ar com tudo e perdi novamente os sentidos.

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