10/12/2018

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Dormi ontem a noite depois de tomar uns comprimidos oferecidos por Barbara. Aquela mulher parece uma farmácia ambulante. Me sinto melhor mas continuo deitado na cama. O barulho no ouvido ainda incomoda um pouco mas está bem menos intenso do que ontem.

Acordar e não se levantar era um hábito comum para mim, mas há meses não o privilégio de fazer isto. Estou pensando nas coisas que vem acontecendo e principalmente na morte de Natalia. Só tenho relances do que aconteceu e me sinto tão imponente por isso.

Toda vez que eu fraquejo alguém se vai, estou farto disso.

Outra coisa que não sai da minha cabeça é o comportamento dos sobreviventes remanescentes, incluindo nós. Enquanto vagávamos num grupo maior nós basicamente não entramos em confronto com ninguém, mas hoje isso passou a ser nosso dia a dia. Estamos sendo caçados.

As pessoas por aí estão cada vez mais perigosas, preparadas e organizadas. Não creio que todos esses confrontos foram proporcionados por pessoas do mesmo grupo. e sinceramente não sei o que é pior: um único grupo gigantesco que domina toda região ou vários grupos de malucos psicopatas.

Ao mesmo tempo em que penso no que está acontecendo eu tento ignorar o que eu mesmo passei a fazer, a quantidade de pessoas que matei, mesmo sendo por legitima defesa está começando a pesar na minha consciência.

Uma vez ouvi dizer que cada pessoa que você mata leva uma parte da sua alma com ela e estou começando a acreditar. Os pesadelos me perseguem. Primeiro com os zumbis, depois as perdas e agora as mortes que eu causei, estou ficando louco.

E nesse meu devaneio de pensamentos lá se foram duas horas, droga, são 10 da manhã. Não posso me dar o luxo de permanecer aqui. Preciso ver como Edinho e Barbara estão. Agora lembrei que Edinho havia dito que sairia atrás de um transporte para nós.

Sai do quarto e me deparei com Barbara cochilando apoiada com os cotovelos sobre a mesa.

- Ei, o que está fazendo aí?

- Ah. – Ela disse esfregando os olhos. – Estou esperando seu tio.

- Ele foi atrás do carro?

- Sim.

- Pelo jeito que você está aí já esperou a noite toda.

- Ou eu poderia estar de vigia enquanto ele dormia. E ele pode ter saído agora pela manhã.

- Dormir é a última coisa que ele faria depois do que aconteceu.

- Tudo bem. – Barbara disse levantando-se. – Ele saiu ontem a noite e ainda não voltou. Estou preocupada.

- Também estou, mas confio nele. – Falei enquanto me aproximava para olhar pela janela.

- Estive pensando. – Barbara falou antes de sentar no sofá atrás de mim e continuou. – Você acha que esses caras que nos atacaram desde que saímos do prédio são do mesmo grupo?

- Acho que não. E espero que não sejam.

- Se for estamos ferrados, não é?

- Matamos vários deles, roubamos um carro, armas e suprimentos. Não podemos nem pensar em cair nas mãos deles.

- Engraçado né?

- O quê?

- Num mundo inundado de zumbis são os humanos nosso maior medo e preocupação.

Esperamos até as três da tarde que foi a hora da chegada de Edinho. Eu estava de vigia na janela e o vi se aproximando a pé, pensei que ele não havia conseguido o carro mas estava enganado. Ele deixou o carro a algumas centenas de metros daqui para não atrair atenção até nós caso alguém estivesse o seguindo ou de olho na região.

Barbara, mesmo sem meu apoio e ajuda, já havia aprontado as mochilas e deixado tudo em ponto para nossa partida. Edinho mal entrou no casebre e já nos chamou para o seguirmos até o carro. Mal nos cumprimentamos pela pressa proporcionada por ele, apenas um leve sinal positivo com a cabeça supriu todas as palavras de apoio e gratificação.

Em menos de dois minutos após a chegada dele nós já havíamos partido. Seguimos pelo mato baixo que rodeava a casa até pouco depois disto adentrarmos numa vegetação mais densa e com arvores mais altas que camuflavam um antigo Vectra verde escuro que Edinho tinha conseguido.

O carro era antigo e estava em péssimo estado, muito sujo e com a pintura bastante desgastada. O interior não estava muito diferente da parte externa. A maior parte do estofamento estava exposto e manchas de sangue seco impregnavam todo o local.

Com certeza aquele foi o pior veiculo que havíamos usados até agora, mas também é certo que não teria hora melhor do que essa para encontrá-lo.

Edinho seguiu ao volante enquanto Barbara ocupava o banco do passageiro. Fiquei no banco de trás encarregado de avisar sobre qualquer movimentação suspeita atrás de nós, pois já que os retrovisores estavam quebrados Edinho não poderia cobrir a traseira.

Das armas que tínhamos apenas uma ainda permanece municiada, por isso ter pegado as armas dos homens que nos atacaram foi uma ótima idéia.

- Você sabe que arma é essa? – Perguntei a Edinho tirando uma das pistolas da bolsa.

- Não. – Ele disse após passar os olhos rapidamente.

- Me deixa ver. – Barbara se prontificou.

Esbocei um leve sorriso irônico de descrédito e entreguei.

Barbara analisou cuidadosamente a arma, depois retirou o pente ao apertar de um botão. Analisou novamente de forma mais rápida, recolocou a munição e engatilhou.

- É uma Beretta M9. – Ela respondeu devolvendo a arma pra mim.

Edinho sorriu de canto de boca enquanto eu olhava surpreso. Essa mulher não para de me surpreender.

- Como você sabe? – Deixei minha curiosidade falar.

- Fiz muitas matérias em situações de guerra, lembra? – Ela deu uma leve pausa e continuou. – Um tenente do exercito israelita nos deu uma breve aula sobre o manuseio desta aí.

- Interessante. – Falei sem jeito guardando a pistola de volta

Algum tempo depois dessa conversa a noite já estava a cair. A lua já brotava no céu e o sol sumia quando eu vi faróis aparecendo na estrada atrás de nós.

- Pessoal? Temos um problema.

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