06/03/2019

239 25 3
                                    


Esvaziei meia dúzia de garrafas durante a noite, estilhacei mais uma dúzia sem nem saber o porquê. Senti minhas mágoas escorrerem a cada gole, mas mesmo entorpecido pelo álcool a dor e angústia não me deixaram em paz.

Só parei de beber quando adormeci sobre o balcão, com uma garrafa de conhaque em uma mão e uma taça tombada na outra. Acordei sentindo o gosto de álcool na boca, que vinha da taça que eu havia deixado tombar quando dormi.

Tossi e passei a mão para enxugar o rosto, senti uma forte tontura ao levantar a cabeça mas a pior sensação vinha do estomago embrulhado. Me sentia mal e a forte dor de cabeça só tornava os outros sintomas piores. Olhei ao redor ainda aturdido sem saber onde eu me encontrava e meu cérebro parecia funcionar em marcha lenta a esta altura.

Apoiei-me sobre o balcão e com certa dificuldade me pus de pé e passei a caminhar até a saída do bar. A passos lentos, com uma mão encostada próxima a têmpora e outra carregando a garrafa de conhaque, alcancei a porta do bar.

Assim que a abri, a forte claridade da luz solar atingiu meus olhos me cegando temporariamente e fazendo a minha dor de cabeça piorar pelo menos uma dez vezes. Virei o rosto e coloquei a mão em frente aos olhos instintivamente, logo depois uma forte ânsia de vomito me atacou e eu cheguei a sentir o gosto de todo álcool alcançar minha garganta, mas não vomitei.

Desci o pequeno lance de escada à frente do lugar e logo que alcancei o chão a vontade de vomitar voltou com tudo e dessa vez me venceu. Apoiei minhas mãos sobre os joelhos e pus pra fora metade da bebida que ingeri durante a noite passada.

Limpei a boca de qualquer maneira com a manga da camisa e endireitei meu corpo para voltar a caminhar, pelo menos agora boa parte do incomodo estomacal havia cessado, só faltavam ir embora a dor de cabeça, a tontura e a culpa.

Caminhei embaixo de um sol escaldante, tenho certeza que este deve ter sido o dia mais quente dos últimos 100 anos. Não sei bem que horas são, mas ao julgar pelo calor e a força do sol, está próximo do meio dia. Com passos cansados e o suor emanando por todo meu corpo segui sem pensar de volta ao lugar onde havia deixado o carro.

Após algumas tentativas o motor enfim decidiu dar sinal de vida e eu consegui tirar o carro do lugar. Trafeguei de volta lentamente até o lugar onde estavam os corpos da família que eu havia enviado para a morte.

Ao chegar lá desci do carro e sem me desprender da garrafa de conhaque, me sentei sobre o capô do veiculo em que eu estava e voltei a beber alguns goles diretos do gargalo.

Descansei a garrafa sobre o capô e fui em direção ao porta-malas, de onde tirei uma pá, que estava largada entre a bagunça. Apoiei a ferramenta sobre o ombro e caminhei de volta até o capô para recuperar o conhaque e segui em direção ao acostamento da rodovia.

Ultrapassei os limites laterais da estrada e alguns metros após isso, já em contato com o solo natural, finquei a pá no chão bem a minha frente. Entornei a garrafa e após mais alguns goles a larguei no chão e comecei a cavar.

Uma fincada após a outra eu fui escavando o solo ininterruptamente durante todo o decorrer da tarde. Eliminei basicamente todo o resto do álcool que havia em mim pelo suor que brotava aos litros dos meus poros. Depois da primeira hora eu tirei minha camisa e amarrei sobre a cabeça para tentar diminuir o efeito do sol, o que não era o bastante mas aliviou um pouco.

Sem descanso, com algumas paradas apenas para beber mais um pouco do conhaque, eu escavei três covas naquele local. Após jogar a ultima pá de areia sobre o ombro, a larguei ao lado das covas, me virei para pegar a garrafa e voltei à estrada.

Tirei os corpos um a um do carro e os carreguei até as covas. Precisei tirar a camisa que amarrei à cabeça para colocá-la em frente ao nariz e só assim consegui suportar o mau cheiro. Não foi fácil fazer aquilo mas algo dentro de mim dizia que precisava ser feito.

Após enterrar os três corpos me sentei encostado a uma rocha próxima as covas e terminei de beber meu conhaque. Não havia mais tanta bebida na garrafa e foi bom, pois a noite já ameaçava cair. Larguei a garrafa vazia sobre a pedra e caminhei de volta ao carro. Fui embora dali sem olhar para trás.

Dirigi de volta pelo caminho até o bar e parei em frente a ele. Desci do carro e fui à direção da entrada, mas dessa vez não com o intuito de ficar. Carreguei o máximo de garrafas que pude nas mãos e voltei pro veiculo. Joguei tudo no banco de trás, exceto uma que mantive em mãos. Entrei no carro, liguei o motor, abri a garrafa, bebi um gole e parti.

Diário de Um SobreviventeOnde histórias criam vida. Descubra agora