Capítulo X

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No outro dia quando acordou, a primeira coisa que lhe veio ao pensamento foi que agora faltava 1 dia a menos para retornar à igreja de Benedito e ter uma audiência com, quem sabe, D. Gabriel. Porém, seu cálculo era preciso e o alertava para o fato de ainda faltava muito tempo até o encontro. Tempo esse que não seria vencido pelos fundos cada vez mais definhados, escassos e quase extintos que trouxera de Portugal. Assim sendo, João não podia apenas sentar, aguardar e contar com a incerteza de que as coisas se resolveriam de uma maneira ou de outro. Decidido, resolveu ir falar com Antônio, para que este, se pudesse, indicasse-lhe um serviço temporário.

Desceu as escadas, procurando por ele, mas sem sucesso, Antônio já havia saído bem cedo para trabalhar; antes mesmo do sol nascer. Na falta do colega, resolveu tomar o desjejum enquanto conversava disfarçadamente com Camille – nada sobre este assunto foi dito, pois não queria preocupa-la pensando que ele não teria meios de arcar com sua estadia. Na conversa trataram apenas de assuntos aleatórios até que João se alimentasse – muito – bem e saísse a deambular e pensar sobre o que faria dali para frente. Sem perceber, chegou ao local onde, 3 semanas atrás, tudo tinha começado: o porto, principal local de entrada de seres e mercadorias do império, movimentado como os principais portos da Europa. De súbito veio- lhe então uma ideia. Aquele era o local perfeito para alguém como ele trabalhar. João não temia o serviço duro e lá não teriam apresentações ou perguntas sobre sua origem, passado ou identidade. Era só trabalhar e depois receber o que era seu por merecimento e esforço.

Feliz por ter encontrado a solução ideal para seus problemas, ao que tudo parecia, foi logo procurar um encarregado de operações e ver como poderia fazer para se empregar por ali, naquele dia mesmo, se possível. Ao encontrá-lo e mostrar suas intenções, João fez questão de ser enfático em dizer que já havia trabalhado em embarcações e transportes de carga na Europa, de onde vinha. Falou que precisava trabalhar e não importava qual seria seu trabalho. Enquanto o garoto explicava-se, o homem continuava seu serviço e mascava seu fumo como que prestando pouca ou nenhuma atenção ao que ele dizia. Não querendo mais ouvir aquelas histórias, o encarregado interrompeu-o e fez apenas 3 perguntas: – Aguenta o serviço pesado? Sabe ficar de boca fechada sobre o que ver ou ouvir? Aguenta trabalhar ao lado de negros e africanos?

João respondeu positivamente as três perguntas e então o homem continuou: – Certo, o trabalho aqui é o seguinte, todo dia há cargas esperando para serem transportadas. O emprego é diário, de domingo a domingo, e será dado àqueles que chegarem mais cedo. Eu não guardo ou reservo trabalho para ninguém, ouviu? – João prestava atenção em tudo o que aquele homem falava e ia concordando com a cabeça palavra após palavra. Durante o processo reparou, inclusive, que ele tinha uma raiva na voz como se estivesse pronto para mandar tudo para o alto e fugir daquele lugar o mais rápido possível, como se não aguentasse mais a rotina. Mas isso não importava para João, ele queria, e precisava, daquele trabalho e se esforçaria ao máximo para tê-lo durante o tempo que fosse necessário. Com as respostas positivas do garoto, o homem continuou:

– Quem chegar primeiro pega os melhores serviços e ganha mais, aqueles que chegam por último pegam as piores cargas ou ficam sem trabalhar no dia. A demanda de carregadores depende do movimento do porto e não há como lhe garantir nada. Apenas venha todo dia. Em alguns deles trabalhará e em outros não; alguns dias trabalhará mais e ganhará mais, noutros trabalhará menos e ganhará menos. Seu jornal deverá ser acertado com o contramestre de cada embarcação, ele lhe pagará o acertado ao final de cada tarde ou manhã, dependerá de suas negociações, e você vem aqui para deixar minha comissão. A comissão será o próprio contramestre que irá lhe dizer o valor. Tenho meus próprios acordos com cada um deles, entendido? Se estiver de acordo pode começar agora mesmo caso encontre um navio.

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora