Capítulo XLII

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Após passada a data do evento que reuniu o grupo naquela casa e fez os moradores esquecerem dos problemas enquanto envolviam-se na organização, o clima voltou ao que era antes: um misto de angústia, medo e excitação. Melissa fazia parte do primeiro grupo. Mesmo que não se assustasse com pouca coisa, toda aquela situação a estava deixando completamente transtornada. Sentia medo de sair às ruas e até mesmo de ser vista na varanda durante o dia. Ir até a praça mais próxima então, nem pensar. Sair da suposta segurança que o lar oferecia entre suas quatro paredes era algo quase impossível. Até mesmo pegar um sol era difícil para ela naquela situação. O pai logicamente via aquele ar taciturno que a rodeava e preocupava-se. Ele insistia para que a menina saísse ao menos uma ou 2 vezes por dia, que fosse alimentar os peixes com farelo de pão, ou que fosse até a capelinha orar, dizia que, inclusive, seria uma forma dela sentir-se melhor e encontrar paz, mas Melissa sempre fora, desde pequena, avessa à religião. Durante toda sua estada na propriedade, jamais entrara no oratório senão para conhecer e ver a reforma empreendida pelo pai.

Melissa só aceitava sair do seu refúgio sob uma condição: Estar acompanhada. E nesse quesito, para ela só havia uma opção a ser considerada: João. Neste momento todos viam que ela estava encantada com o moço, inclusive o próprio e o já desacreditado Salvador, que para sua tristeza via como o contato diário entre os dois só fazia crescer a paixão da menina pelo português e diminuir suas possibilidades de romance com ela. O próprio capitão orientava o rapaz para que desse o prazer de uma excursão pelas redondezas a ela, pois só assim o abatimento que sentia era espantado. Ele ia, claro. Não de boa vontade, mas ia, na condição de quem cumpre ordens e mostra-se o melhor dos serviçais. Fazia tudo com tanta obediência quanto a negra Mariana, a única que não sentia o clima de medo que reinava na propriedade. O caminho nunca passava de uma ou duas quadras de distância da casa, e se, por ventura, quisessem andar mais, eles faziam novamente o percurso. Depois que Melissa ficou sabendo que havia uma forca ali por perto o itinerário ficou reduzido a poucas ruas possíveis. Sorte que não contaram a ela que até pouco tempo atrás corria por ali valões fétidos de sangue provenientes de um grande matadouro de bois que escoava litros e litros do líquido para o mar, fazendo a festa de ratazanas, corvos e demais animais, no mínimo, indesejados.

Nos passeios era uma chuva de tentativas por parte de Melissa e um espetáculo de rebatidas por parte de João. Em algumas das tentativas da moça, enquanto caminhavam pela parte nobre do bairro – itinerário habitual por ser o preferido e recomendado pelo capitão –, ela tentava a cada instante chegar mais perto do rapaz até ao ponto de relar seu braço no dele ou então, puxá-lo para baixo da mesma sombrinha, tocar mão com mão "sem querer" durante os movimentos do caminhar, etc. enquanto João, fiel aos seus ideais, combatia as investidas incansáveis da moça afastando-a, quando necessário, com um enorme jogo de cintura. Tudo com o maior cuidado para que não parecesse rude e não pudesse causar um desconforto com seu senhor.

As divertidas conversas durante os encontros – na visão de Melissa –, tediosas obrigações – na visão de João –, sessões de tortura – na visão de Salvador – e sessões terapêuticas – na visão do capitão –, tratavam quase sempre de assuntos banais e aleatórios, versando raramente, quando muito, sobre um ou outro desdobramento causado pelos problemas que enfrentavam no momento. Eles aproveitavam a mudança de ares para deixar os problemas em casa. Entre os assuntos que surgiam falavam sobre as impressões que tinham da vida na Europa acerca de diversos aspectos do cotidiano. João colocava a visão de um nativo e Melissa a visão de uma visitante. Falavam de como Portugal funcionava bem ou não em alguns aspectos, de seu sistema político conturbado e há tão pouco tempo sem as colônias, de como a coroa se virava após mais uma troca de monarca, entre tantos outros temas não importantes. Mas o assunto sobre o qual ela mais gostava de falar era os acontecimentos durante a travessia do atlântico, quando lembrava de cada detalhe do que ocorrera naquela tarde em que se falaram a bordo, insinuando sempre que possível o modo galanteador com o qual João a tratara naquela vez e que ela não via mais agora, mesmo quando praticamente o intimava a agir de tal maneira. Ele, contudo, não se deixava abalar por essas alfinetadas. Em uma das vezes ela até arriscara uma suposição, aliás, ela não, quem falara era seu coração, corrompido pela ideia romântica da paixão. Ela somente agia como sua porta voz:

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora