Inesperadamente João não conseguira um reencontro com Melissa em nenhum outro momento. A donzela já não cumpria mais seu ritual diário, não desfilava no convés após a refeição e não parecia mais obedecer qualquer rotina de antes. Metódico, João até mesmo chegou a testar diferentes itinerários para ver se descobria o novo momento dedicado ao seu banho de sol, mas nada conseguira. Em uma tática um pouco mais arriscada, ele até havia montado uma espécie de guarda e passado por diversas vezes pelo lado de fora de um corredor fechado que dá acesso à área de Melissa e tentado vislumbrá-la pelas pequenas janelas circulares, mas, igualmente, nada conseguira.
E assim o navio singrou os mares até se aproximar da costa brasileira; sem encontros especiais que mereçam descrição, sem turbulências ou inconvenientes.
João já havia no dia anterior vislumbrado os morros da corte imperial e havia achado tudo aquilo incrível, era muito melhor do que a velha Lisboa que tinha deixado para trás, e que agora podia afirmar com a maior certeza de todas: para nunca mais voltar.
Embora já avançado o mês de abril, ventos estivais ainda eram sentidos por todos que estavam ali na região da Baía de Guanabara, fosse contemplando aquela bela paisagem, fosse trabalhando nos últimos atos de carregamento e descarregamento das cargas do dia, ou qualquer outra atividade. Aliás, a efervescência do local, mesmo com o avançado da hora, foi uma das primeiras coisas a chamar a atenção do recém-chegado. No horário do homem já se passavam das 17 horas e a claridade começava a sumir e a enevoar a visão com o sol seguindo seu caminho para trás dos morros verdejantes. João, mais do que feliz com a primeira impressão que tivera do local, esperançoso, rumou ao seu dormitório sem nem ao menos cear naquela noite, a excitação lhe consumia por completo e ele mal podia esperar o dia raiar para descer em terra firme e começar sua nova vida.
Não suportando mais a ideia de ter apenas água sob seus pés – e por toda sua volta já que estava o seu quarto-porão –, no outro dia, cedo da manhã, assim que acordou, arrumou suas parcas malas de mão e foi subindo ao tombadilho para adiantar o quanto antes o processo de desembarque. Ao menos este era o seu plano. O destino, no entanto, tentaria lhe ser mais cruel. Para seu desespero, quando chegou ao convés com uma felicidade que poucas vezes se vira em seu rosto, descobriu algo que até então não havia nem mesmo ouvido falar: Todos os tripulantes de navios estrangeiros comerciais ou de transporte deveriam fazer uma quarentena antes de descer à terra do Brasil.
– Se nem mesmo em meus tempos de marujo precisei submeter-me a um absurdo destes – pensou ele –, não será desta vez que começarei a seguir as ditas regras náuticas.
Inquieto e inconformado, começou a olhar para os lados e a procurar meios de agilizar seu desembarque, mas tudo o que via eram senhoras, com seus longos vestidos, acompanhadas de seus maridos e alguns criados a par da bagagem; viu também crianças e homens maduros tão desolados quanto ele e até mesmo alguns membro e amigos da tripulação que não pareciam muito contentes com a regra sanitária do império. Ninguém havia aceitado sem ressalvas aquela medida e como prova, de todos os burburinhos que captava informações, todos se resumiam a este único assunto, sendo o sentimento de descontentamento onipresente em todos eles.
João tanto passou a vista na multidão que lotava o convés à procura de alguém que o pudesse ajudar de alguma forma, até que, de longe, avistou o padre Benedito, calmo como da primeira vez que o vira. Analisou suas possibilidades naquele momento e concluiu, corretamente, que se alguém podia ter certa influência sobre as autoridades, seria alguém de Deus, ou no mínimo, alguém que é amigo do arcebispo de Braga. Assim foi logo tratando de se aproximar e ir dizendo:
– Bom dia padre. Parece que teremos um desembarque mais complicado do que esperávamos. O que me diz disso?
– Bom dia Rodrigo, não esperávamos, mas concordamos não é mesmo? A causa é justa. Afinal, a quarentena é uma medida preventiva que preza pela saúde de todos. A nós resta aguardar somente mais algumas horas.
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O Preço De Se Tornar Rodrigo
Fiction HistoriqueQuando não se tem nada a perder, por que não arriscar? Afinal, para quem nada tem, qualquer pouco que for alcançado já será muito. Este é o pensamento de João, um jovem português que, no século XIX, sem nada que o segurasse em sua terra, resolve par...