Capítulo XXVII

2 1 0
                                    


                João já estava há uma semana na hospedaria esperando a ordem de seu senhor para que aquele fatídico episódio se desenrolasse e ele fosse posto à prova de uma vez por todas. Contava os dias, assinalava as horas, marcava os minutos, perseguia os segundos e nada do contato. Nesta uma semana não havia feito absolutamente nada, nenhum serviço extra no porto ou aonde quer que fosse, muito pelo contrário, não havia nem mesmo posto o pé para fora da sua "casa", a hospedaria de Menon. Mesmo indo contra seus princípios de extrema agitação e hiperatividade, ele fizera questão de tirar aquela semana para a sensação inigualável do ócio, que ele, por tanto tempo, virando-se como podia para sobreviver na rua, desconhecera. Aquele bom dinheiro ganho como adiantamento, e de forma honesta, havia lhe dado o direito de desfrutar de tal prazer.

Nesta semana tivera tempo de sobra para pensar e repensar sobre o fatídico assunto que tanto o preocupava, o que fazer quando o dia chegasse? O que fazer quando, finalmente, confrontasse com o seu alvo? Aquele homem o qual havia sido destinado a privar de seu bem maior, sua vida, se assim realmente fosse necessário?

Por ser a imprevisibilidade uma de suas características mais marcantes, João conseguia ter as mais variadas reações, nos mais curtos espaços de tempo. Podia ir da certeza absoluta de que devia tal prova de fidelidade ao voto de confiança recebido de seu senhor, e mais, de que devia sua palavra e sua honra; em uma manhã, a retrocessos e uma incerteza incapacitante sobre o fato, acometendo-lhe um pensamento de que ele não era apto, nem apropriado para julgar e ceifar a vida de um semelhante seu, na tarde do mesmo dia. Aquilo pulsava em sua cabeça, tirava-lhe o sono, judiava-lhe no sentido mais estrito possível da palavra, fazia-lhe mal, e não somente a ele próprio. Menon, que como sabemos era uma entusiasmada adoradora do rapaz e preocupada com sua felicidade, sucumbia juntamente àquela tristeza que o rodeava especialmente quando sentia uma punhalada no peito a cada vez que o questionava sobre seus medos e seu estado sorumbático e recebia um "não é nada" como resposta, quando oferecia sua ajuda e recebia um "estou bem, é sério, devo estar indisposto por algum miasma. Só isso". Nada parecia acalmá-lo, ou melhor, quase nada.

Se havia uma coisa que podia fazer João esquecer aquele compromisso inadiável que lhe assombrava e trazer-lhe um pouco de paz era focar o pensamento na delicada Hage Holsters. O perfume dela ainda enchia o quarto com seu doce e inolvidável aroma enquanto a lembrança daquele rosto sorridente lhe dava a calma que precisava para esquecer um pouco desta situação atormentante.

– Ah, minha bela senhorita, o que eu não daria para ter parado o mundo naquela noite, naquele baile, naquela dança onde somente eu e você parecíamos existir. Feliz de Chronos que podia parar o tempo ao seu bel prazer e gozar infindavelmente das maravilhas da vida e do amor eterno.

Quem observasse João podia perceber facilmente o momento em que o foco de seu pensamento mudava dos problemas do trabalho para o alívio da lembrança de sua amada. Seu semblante passava de um tétrico olhar ao longe, para um sorriso puro e inatacável. Puro como o de uma criança, aquele que só sorri por real felicidade, aquele sorriso de quem está feliz sem esperar nada em troca, apenas pelo fato de ter algo que lhe completa, que o torna pleno.

– Por onde estará minha amada? Em qual canto desta imensa cidade se esconde, literalmente, o amor. O que fazer para encontrá-la? E quando de fato o encontrá-la, o que fazer? O que dizer? Terá ela entendido que meu sumiço repentino naquela noite se deu por motivos imperativos, que nada dependeu de minha vontade? Que se assim o fosse, por meus gostos estaríamos juntos até agora? Será que ela pensa em mim como penso e suspiro por ela? Tantas questões, tantas dúvidas e nenhuma resposta. Calma, João... calma, pense: o que é preciso saber primeiro? Bom, primeiro preciso encontrá-la, mas como? Não tenho nenhuma pista, nenhuma informação, por mais irrelevante que fosse, absolutamente nada. Oh, João, como foi burro, logo você que já foi capaz das mais altas peripécias em nome da malandragem, como pode esquecer-se, em nome do amor, de pegar alguma forma de encontrar novamente aquela moça. Claro, ele mesmo, somente o amor justificaria essa falta de atenção.

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora