Capítulo XXIII

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Ao passo que Suzana terminou de anunciar os homenageados da noite, seguiu-se um pequeno silêncio enquanto as pessoas no salão mordiam-se de ansiedade até que a orquestra começasse novamente os trabalhos. A obra escolhida para a entrada triunfal dos convidados de honra fora uma alegre obra para violinos de Handel, a preferida do mais alto integrante da comitiva, um conde da Saxônia, antigo conhecido do maestro Julie e frequentador de seus espetáculos pelas casas reais europeias.

Enquanto João bebia de uma das taças recomendadas como diversão por seu senhor, admirava e deliciava-se com aquele som contente que era emanado perfeitamente pelas mãos habilidosas e treinadas dos músicos em especial daqueles 4 que tocavam o instrumento para o qual a peça foi originalmente composta.

No instante em que de uma segunda escadaria, majestosa e imponente surgiu a primeira dama e suas cortesãs, a nobreza recém constituída daquela cidade, ainda não acostumada aos requintes seculares das cortes europeias, ficou deliciada e encantada com tamanha mostra de beleza, garbo e elegância. As senhoras, todas com lindos e ornados vestidos e os cavalheiros todos com a indumentária completa e sem um defeito sequer no trajar, tanto que pareciam ter saído de um conto de fadas infantil. Cabelos perfeitamente engalanados e segurados por meio de tiaras, algumas com pedras preciosas incrustadas, inclusive, que reluziam e chamavam a atenção ao longe, bigodes perfeitamente penteados, cartolas e bengalas engraxadas e polidas a ponto de ofuscar os olhos daqueles que agora pareciam simples boçais aos pés da escadaria a observarem maravilhados toda aquela cena.

Até mesmo Suzana, acostumada com exibições corriqueiras de requinte como aquelas, achou a situação impressionante, mais tarde ela afirmaria que não havia visto até então tamanho exemplo de elegância nem mesmo em algumas famílias reais que havia tido a oportunidade de conhecer em seus eventos ou suas viagens pelas cortes do mundo. João, estava ainda mais admirado que qualquer um ali, pois nem de longe havia vivenciado situação parecida. Só conseguia pensar no quão agradecido se sentia em relação ao Vereador por tê-lo permitido que desfrutasse do baile naquela noite, como se convidado fosse, e com isso ter o prazer de ver tal espetáculo com os próprios olhos. Era algo de que ele jamais se esqueceria.

A própria maneira com a qual os convidados desciam aquele lance de escada – que devia ter cerca de uns 40 degraus – era majestosa. Desciam em duplas e a ordenação era seguida respeitosamente: cada senhor de braço dado com sua senhora, e se por ventura ao casal dispusesse uma dama de honra, esta seguia atrás de dama, e, atrás dessa acompanhante reiniciava-se o ciclo com um novo casal de braços entrecruzados sucedendo-lhe os próximos, e assim até o final da comitiva e até que todos fossem introduzidos na sociedade fluminense. Os estrangeiros andavam em passos cadenciados; desciam um degrau e davam uma pausa, esperavam alguns segundos e desciam mais outro. Todos, absolutamente perfeitos e sincronizados. Pareciam todos conhecer com exatidão a dança das notas que era apresentada pelos músicos e se moviam à medida que as cordas iam vibrando e formando um compasso que parecia ditar-lhes a marcha, que era seguida sem erros pelos seus pés. Eles nem mesmo olhavam para os degraus. Desciam todos olhando para a frente, retos e regrados. Somente alguns poucos casais novos e ainda muito apaixonados eram vencidos pelo ímpeto de se entreolharem e sorrirem um ao outro a cada passo dado; ou então aqueles que vivenciavam esse tipo de experiência pela primeira vez e era impensável exigir que não olhassem para todos os lados procurando descobrir o máximo possível da nova situação.

Os senhores eram o perfeito exemplo de sofisticação. Seus trajes, feitos sob medida cirúrgica davam imponência e elegância a quem os usasse, bem como as cartolas que alguns traziam abraçadas abaixo do braço esquerdo e das bengalas, seguradas na mão deste mesmo braço, mas que nem todos ostentavam. Contudo, aqueles que as tinham não portavam uma simples bengala, mas sim peças trabalhadas, ornadas e esculpidas meticulosamente com os símbolos das casas, dos baronatos, dos ducados e das famílias seculares. Havia representações de leões da casa Koch, animais mitológicos como os grifos da casa Baenty e tantos outros. As moças, sem exceção, eram todas lindas e com rostos angelicais, inclusive as damas de companhia que eram belas ao ponto de se passarem perfeitamente por uma princesa. Aliás, como todas elas também estavam vestidas a caráter, muitas acabaram recebendo cortejos graciosos e pedidos inflamados para uma dança por barões e ricos comerciantes brasileiros. Os homens achavam estar cortejando uma nobre europeia, quando na verdade engraçavam-se com suas serviçais.

O Preço De Se Tornar RodrigoOnde histórias criam vida. Descubra agora