capítulo 69

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Me encontrei refém dos meus piores pensamentos, a raiva ardia dentro de mim.
Estava em silêncio encarando o teto sobre minha cabeça e sentia o toque frio em meu ombro direito.
Havia algo familiar naquilo que eu estava sentindo e pela primeira vez foi bom sentir meu lado sombrio queimar dentro de mim.
- Luna, você se sen...
- Me deixe ficar em silêncio. O interrompi secamente.
Morte ficou em silêncio.
O que eu estava sentindo não parava de crescer, a raiva me tomou quase que por completo, eu precisava fazer algo. A dor em minhas mãos não me incomodava, de algum jeito ela era boa.
Fechei meus olhos e me desliguei de tudo ao meu redor, me esqueci da dor e dos meus sentimentos, uma certa calmaria tomou meu corpo, mas eu ainda sentia meu lado sombrio pulsando dentro de mim, ele ainda estava atordoado, mas ainda assim vivo.
Eu pude sentir um cansaço me tomando, como se eu tivesse corrido por um longo tempo, adormeci.
Pude sentir que estava indo de encontro a um sonho ou um encontro com Sol ou a Lua. Poderia ser qualquer um dos dois, mas era ela. Não podia negar o quanto me parecia com ela, mas seus traços mostravam um pouco mais de idade do que a minha, seus olhos assim como sua pele eram claros como os meus, ela brilhava iluminando tudo, cabelos brancos batendo em seus ombros, ela usava um vestido longo que era tão claro que parecia cintilar, ao seu redor algumas árvores e sobre ela um céu estrelado.
- Já faz um tempo, Luna.
- Resolveu me deixar em paz?
- Jamais. Disse ela rindo.
- Outro encontro altamente desconfortável de mãe e filha?
- Não precisaria ser assim, querida.
- Não me venha com essa de querida, já passou a fase de você fingir gostar de mim.
- Hoje você está direta, posso ver seu outro lado tomando conta de você, na verdade esse é seu melhor lado.
- Seu veneno ainda vai te matar.
- Ameaças?
- Promessas. A adverti.
Lua me encarou incrédula como se eu a tivesse insultado, mas sua feição logo mudou para uma gargalhada forçada.
- E como vai seu triângulo amoroso? Indagou ela com um sorriso insinuante nos lábios.
- Mamãe, você quer conversar sobre rapazes? Vai fazer o jantar também? Vamos nos sentar em frente a lareira enquanto conversamos?
A encarei com um sorriso sarcástico.
- Foi tão lindo quando seu namoradinho implorou para Morte aparecer e salvar a vida da sua doce e amada Luna. Disse ela com um tom meloso.
- Cale-se. Gritei.
- Você tem os dois na palma de sua mão, os seus bonequinhos apaixonados, prontos para sacrificar tudo pela donzela em perigo.
Sua risada fez meu estômago revirar.
- Ciúme?
Ela parou de rir e me encarou.
- De você? Amaldiçoada e cheia de inimigos, com toda certeza eu a invejo, Luna.
Nos encaramos em silêncio.
- Me chamou até aqui por qual razão? Será saudade mamãe? Cortei o silêncio.
- Queria conversar com a minha filha, ver se ela enfim viu qual era o melhor lado para estar, o lado vencedor.
- Eu não preciso escolher um lado, ainda mais quando os dois irão perder.
- Tola...
- Posso ser, mas só saberemos isso no final, quando eu matar você e Sol, ou quando um dos dois tirarem minha vida.
- O tempo está acabando Luna, acho melhor escolher seu lado.
- Eu já escolhi, eu estou do meu próprio lado, do que adianta trocar seis por meia dúzia? Sol ou Lua? Prefiro estar do lado que vai ganhar e eu sei que tenho mais chances com o meu próprio lado.
Trocamos olhares, uma fuzilando a outra.
- Acho que já conversamos por tempo suficiente, agora você não pode mais controlar quanto tempo me mantém aqui então até logo, mamãe.
Minha mente criou uma barreira e eu voltei a aquele banheiro, dentro daquela banheira com Morte segurando meu ombro deixando tudo aquilo para trás e voltando a sentir tudo que eu sentirá.
Senti ainda mais forte aquele outro lado queimar dentro de mim, a dor em minhas mãos e a raiva estavam mais fortes do que antes.
Me lancei para frente, mas a mão de Morte bloqueou minha saída.
- Luna, você não vai sair daqui desse jeito.
- E quem vai me impedir? Você?
Empurrei sua mão para longe e me levantei.
A água na banheira tinha um tom de vermelho por causa do sangue, eu estava totalmente encharcada.
Morte ficou ao meu lado.
- Não faça nada, eu vou chamar Kalir e vamos dar um jeito nisso.
- Vai dar um jeito no que? Dar um jeito em quem eu sou e no que eu sou?
- Luna.
- Não me venha com Luna, eu não vou ficar em um canto me lamentando pela minha vida, se eu fui feita para algum fim especial, vou conhece-lo.
- O que vai fazer?
- Ser o monstro que eu devo ser.
Apanhei o suporte e abri o portal, o atravessei antes que Morte pudesse dizer algo.
Eu só precisava me despedir primeiro.
Meu destino por aquele portal era claro, o quarto de Dastan.
Cheguei em seu quarto, estava escuro, mas pude vê-lo deitado, ele dormia serenamente, caminhei até sua cama devagar e fiquei o olhando de cima.
Abaixei a máscara de oxigênio e beijei sua testa.
- Eu amo você.
Me virei e uma mão envolveu meu pulso me puxando para trás.
- Indo sem mim? Ele indagou com a voz cansada.
- Achei que estava dormindo? Não queria que me visse.
- Venha aqui. Sua mão me puxou para perto.
Me aproximei e ele conseguiu ver minhas mãos mesmo com a pouca luz.
- O que foi isso? Ele indagou se sentando na cama e puxando minhas mãos para que ele pudesse ver.
- Eu estou bem.
- Você está fria e encharcada, deite aqui comigo.
- Eu não posso, só queria te dar um beijo e voltar para meu quarto.
- Você não ia voltar para seu quarto, você ia partir.
- Não ia, só quis ver se você estava bem.
- Você está mentindo. Disse ele.
- Eu tenho que ir, você viu o que aconteceu eu sou daquele jeito, não posso mais fazer isso, não posso mais fugir disso.
- Mas e tudo aquilo de fugirmos?
- Quando tudo isso acabar e se eu conseguir voltar, nós vamos ficar juntos eu prometo pra você.
- Eu não vou deixar você ir, você fica ou eu vou com você.
- Você não pode, ainda está em perigo, tem que fazer cirurgias.
- Então fique comigo até que tudo isso acabe e depois eu vou com você.
Eu hesitei, mas eu não queria mais ficar longe dele.
- Eu vou ficar.
- Vá até o banheiro e tome um banho quente, eu peço para Cam pegar roupas pra você.
Assenti e fui até o banheiro, tirei a roupa molhada e entrei em baixo do chuveiro deixei o suporte por perto.
A água começou a cair, era quente tocando a minha pele fria, lavei o sangue seco de cima dos machucados.
Batidas na porta me assustaram.
- Luna? Era a voz de Cam.
- Estou aqui.
- Tem toalhas em um armário perto da pia e suas roupas eu vou deixar na frente da porta.
- Tudo bem, obrigado.
Me enrolei na toalha, coloquei a máscara e peguei as roupas rapidamente, as vesti e voltei para o quarto quando abri a porta Kalir estava conversando com Dastan.
Os dois olharam no mesmo instante para minhas mãos e eu as coloquei atrás das costas.
- Eu vou fazer um curativo em suas mãos.
- Eu estou bem.
Kalir se aproximou e fez sinal para que eu mostrasse as mãos.
Ele arregalou os olhos ao ver minhas mãos daquele jeito.
- Eu achei que Morte tinha exagerado, quando disse que você...
- Tinha socado as paredes do quarto?
- É isso aí.
Me sentei ao lado da cama de Dastan em uma poltrona.
Kalir começou a limpar os machucados e a fazer curativos.
- Está doendo?
Neguei.
- Você vai para seu quarto para colocarmos o sedativos?
- Eu não quero usar mais os sedativos.
- Mas e o seu outro lado.
- Eu vou ser quem tenho que ser.
Kalir trocou um olhar com Dastan.
Hesitante ele concordou e se retirou do quarto.
- Você quer dormir aqui hoje? Indagou Dastan já abrindo espaço na cama.
- Não, sem os sedativos eu posso me descontrolar e não quero estar ao seu lado na cama se isso acontecer.
Me levantei e tirei a máscara e Dastan fez o mesmo.
Enterrei meus lábios nos dele, suas mãos me trouxeram para mais perto, sua língua pediu passagem e eu sedi, meu coração batia tão rápido que eu senti medo que ele pudesse escutar, ondas de eletricidade correram por meu corpo e a dor, meus pensamentos e aquela presença sombria minha sumiram.
Seus braços me envolveram me tirando do chão e me puxando para mais perto dele.
Seu hálito era doce, nossos lábios queimavam com o toque um do outro.
A cada segundo que passávamos nos beijando podia sentir meu amor por ele aumentando, mas meu fôlego diminuindo.
Nos afastamos um pouco e eu lhe dei um leve beijo.
- Boa noite.
Ele sorriu.
- Durma bem.
Coloquei minha máscara e abri o portal, não correria o risco de encontrar Jeny ou os outros no corredor.
Atravessei o portal e assim que sai dele vi Morte andando pelo quarto.
- Achei que não ia voltar. Disse ele correndo para me abraçar.
- Eu não ia, mas vou ficar por mais algum tempo.
Ele me soltou e me ajudou a levar o suporte até a cama eu vi que ele tinha percebido o motivo de eu não ter partido.
Me deitei na cama e ele se sentou na poltrona aparentemente frustrado.
- Eu sei que faço você sofrer, mas eu não queria que fosse assim.
- Só quero que me diga uma coisa, você sente alguma coisa por mim?
Aquela pergunta havia me pegado de surpresa eu amava Dastan e isso eu não podia negar, mas vasculhando minha mente, minhas memórias junto a ele e meu coração, sabia que sentia algo por Morte e aquilo não era pequeno, eu já tinha sentido que o amava, mas achava que aquilo era um amor diferente, não era, parecia que ao amar Morte eu estava traindo Dastan, mas eu o amava não da mesma maneira que amava Dastan, não com mesma intensidade ou força, mas o amava.
- Eu sinto algo por você. Admiti não só para ele, mas também a mim mesma.
- Era só isso que eu precisava saber.
Ele sorriu, seus olhos claros quase sempre sem vida ganharam um brilho forte e sua mão veio até o meu cabelo e ele o acariciou.
Ficamos assim olhando um para o outro por um longo tempo, fiquei sonolenta e acabei adormecendo ainda olhando em seus olhos.

A Maldição da Lua Vol: 2 Entre a Lua e o SolOnde histórias criam vida. Descubra agora