1. Adeus, Nova Iorque.

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A chuva começou a cair horas antes de irmos para o aeroporto, me aproximo da velha janela de madeira do meu quarto. Eu não estou nem um pouco preparada para dizer adeus para todas essas lembranças e momento bons que vivi aqui, mas papai já havia ficado tempo demais longe do trabalho tentando me convencer que o melhor que devo fazer no momento é ir morar com ele em Greenville. Não me leve a mal, eu gosto da Califórnia, mas fui crescida e criada na grande cidade de Nova Iorque. Deixar essa casa para mim é o mesmo que guardar minhas lembranças em uma caixa que talvez eu jamais fosse capaz de recuperar. Então, papai que me desculpe se ainda não estou preparada para deixar tudo isso pra trás. Cada centímetro desse quarto tem uma memória, cada rua na cidade e até mesmo minha escola que não suporto.

Chase, meu irmão mais velho é a replica perfeita do meu pai. Assim que se formou no ensino médio foi morar com ele em Greenville. Chase era super popular na nossa antiga escola, ele era tão popular que mesmo depois de três anos que já se formou algumas alunas ainda me perguntam sobre ele. Sempre suspeitei que ele fosse o preferido do nosso pai. Digo, todos os pais tem um preferido, não é mesmo? Por mais que eles falem que amam todos os filhos igualmente, no fundo eles sempre têm um preferido. E no caso do meu pai, era o Chase.

Anthony é o do meio. Estava sempre estudando, e pra falar a verdade ele não se parecia nem um pouco com nossos pais. Ele também se mudou assim que se formou, foi morar com nosso pai só porque foi aceito pela Universidade do sul da Califórnia, suas notas eram perfeitas, tanto é que ele foi aceito na universidade quando ainda estava no segundo ano, e eles fizeram de tudo para ele largar o colégio e começar logo sua faculdade. Mas Anthony preferiu terminar seus estudos primeiro. O que eu quero mostrar é que todos eles têm algo de especial, algo que faz com que eles sejam os preferidos dos meus pais.

E ai tem eu, não sou nada igual a eles, digo, herdei os olhos azul benitoíte do meu pai, e o longo cabelo preto da mamãe, mas tirando isso nunca me senti igual a eles.

Nunca fui muito de sair, sempre preferi ficar em casa assistindo milhares de séries. Talvez seja porque de série eu entendo, agora pessoas, pessoas são malucas.

Houve um tempo que mamãe pensava que eu estava ficando depressiva e me obrigou a enfrentar dez sessões com uma psicóloga amiga de uma amiga que se conheceram há anos atras. Não posso reclamar muito, aliás, foi nessa psicóloga que conheci Ethan Lesch, meu atual namorado. Já estamos juntos há quatro anos, e eu posso dizer que de uma maneira ou de outra ele acabou mudando minha vida.

Ethan era o tipo de garoto que meu pai adoraria ter como genro, tirando a vez que ele me pediu em casamento. Todos ficaram espantados pensando que eu estivesse gravida ou algo do tipo. Meu pai disse que éramos novos demais para pensar nessas coisas agora, eu até concordo, eu nem terminei o ensino médio e já teria que dar contar de uma casa sozinha? Isso é demais para mim. Ethan e papai eram inseparáveis, eram como melhores amigos. Estranho, não é mesmo? Seu namorado ser o melhor amigo do seu pai, tanto é que quando papai veio conversar comigo sobre mudar para Greenville, ele estava mais preocupado em saber como Ethan reagiria com essa mudança toda e se ter um relacionamento a distancia seria mesmo saudável para nós dois. Depois de muita conversa, resolvemos tentar, pois estávamos juntos há tempo demais para desistir logo agora. Ele afirmou que assim que terminasse o colégio, tentaria encontrar um emprego em Greenville ou em Los Angeles, para que pudesse ficar mais perto de mim.

— Kali, precisamos ir. — meu pai grita da sala de estar.

— Estarei pronta em um minuto!

Minhas malas estão prontas no canto do quarto. Dou uma última olhada em cada centímetro desse quarto antes de sair, quero guardar esse lugar na minha memória. Às vezes é muito ruim dizer adeus para coisas e esse quarto tem muita história pra contar.

Fico observando a chuva descer pela janela, eu amava fazer isso quando era criança. Eu escolhia uma gota, e na medida em que as gotas iam descendo pela janela, eu pensava naquilo como se fosse uma corrida.

Ando até minhas malas. Não estou levando muita coisa, apesar de ter a certeza de que não vou mais voltar, deixei a maioria de minhas roupas ainda no armário. Vovó prometeu que vai cuidar da casa toda semana, como ela tem feito desde que mamãe voltou para clinica de reabilitação. Fazia pouco mais de um três anos que minha mãe e meu pai se separaram depois que ela descobriu que ele a traia com sua melhor amiga, Jessie, nossa vizinha de frente. Ela começou a beber e o único momento que podia encontra-la sóbria é quando ela acordava, porque o resto do dia era uísque, uísque, uísque. Até que vovó achou melhor interna-la de uma vez, antes que ela morresse de tanto beber, assim como meu avô.

Nadia aparece na porta do meu quarto quase chorando. Ela é minha melhor amiga desde que consigo me lembrar, temos esse ritual de que todo aniversario obrigatoriamente temos que passar juntas, foi assim por 15 anos e nunca falhamos.

— Não acredito que você já está indo. — diz.

— Pensei que já tínhamos nos despedido.

— Minha melhor amiga vai para uma cidadezinha que mal consigo me lembrar do nome. Eu nunca me despedirei o suficiente.

Solto uma gargalhada e ela me abraça de uma maneira que pensei que não fosse mais me soltar, e na verdade, eu não quero que ela solte mais.

— Poderia ser pior. — digo segurando para não começar a chorar.

— Poderia ser pior. — ela repete com os olhos cheios de lagrimas.

No meu aniversário de 16 anos, Nadia e eu passamos sozinhas. Meu pai estava ocupado demais com os negócios da empresa que ele trabalha para vir me visitar, e minha mãe já estava em seu vicio sem fim. Ela entrou para o quarto umas duas horas da tarde e disse que não queria ser incomodada por nada e nem por ninguém. Nós passamos meu aniversario no meu quarto, fazendo maratona de séries e conversando sobre o que queríamos para o nosso futuro. Foi praticamente um dos melhores aniversários que eu já tive em minha vida, eu estava péssima no começo do dia e ela acabou me animando. No fim da noite fizemos uma faixa com letras de papeis coloridos, escrito "Poderia ser pior" desde então deixo essa faixa pendurada na parede do meu quarto.

— Por favor, não chore. — peço.

— Eu não vou, prometo. — diz, erguendo os olhos e voltando a me encarar — Pensei que Ethan estaria aqui.

— Ele veio mais cedo, nós nos despedimos e então ele foi embora.

— Acha mesmo que isso de relacionamento a distancia vai funcionar? — pergunta se jogando na minha cama — Você está indo para "Cali" não devia deixar nada pendente aqui.

— Estamos juntos há muito tempo, Nadia. Você sabe que não posso fazer isso com ele. — respiro fundo tentando esconder a irritação em minha voz — Vamos logo, não quero chegar atrasada.

Meu pai está no telefone, mas assim que me viu descendo com minhas coisas, desliga. Dou uma última olhada em volta tentando fotografar com meus olhos meus últimos momentos naquela casa. Sento como se tivesse uma corrente de emoções passando por cada nervo do meu corpo. Talvez eu estivesse mesmo precisando desse novo começo, talvez eu estivesse mesmo precisando ir para um lugar onde eu pudesse ser o que eu queria ser e não me sentir tão presa como me sinto aqui. Está na hora de deixa de ser a pobre Kali que cuida de sua mãe alcoólatra e passar a ser somente Kali, Kali Holt.

— Já está pronta? — meu pai pergunta, erguendo os olhos.

— Acho que sim. — faço uma pausa — Acha mesmo que vovó será capaz de manter a casa?

— Fique tranquila, vocês mesma pode voltar aqui para garantir isso de vez em quando. — meu pai garante levando sua mão no meu ombro — Você sabe que não estou fazendo isso porque quero. Eu não posso deixa-la sozinha aqui.

— Sim, eu sei. Já tivemos essa conversa antes.

Nadia insiste em nos acompanhar até o aeroporto, mas eu acho melhor não, pois não teria como ela voltar para casa depois, mas ela insiste mais um pouco e meu pai oferece pagar o taxi de volta para ela.

Meu pai passou o caminho inteiro conversando sobre negócios no celular. Nadia não parava de falar um segundo sequer. Eu queria muito prestar atenção em tudo que ela estava falando, mas eu estava ocupada demais observando as pessoas andando na chuva com aqueles guarda-chuvas enormes. Eu estava despedindo de tudo aquilo do meu jeito, pois a partir de agora seria sol o dia inteiro. Tchau, Nova Iorque.

Não ouse me amar | lésbico Onde histórias criam vida. Descubra agora