A menina dos cabelos esverdeados

369 58 18
                                    

O outro ponto de ônibus estava quase vazio. Lá estavam


Michele, Will e duas senhoras que conversavam algo sobre novelas


antigas. Ninguém ainda havia notado a presença da silhueta de um


garoto vestido de preto encostado no muro atrás de uma das colunas


que sustentavam a cobertura do ponto de ônibus. A luz do poste


próximo ao ponto estava queimada deixando todos no escuro, sob


apenas a luz pálida da lua.


Os faróis de um micro-ônibus virando a esquina incendeiam o


ponto de ônibus. Todos se preparam para embarcar. As duas senhoras


são as primeiras a subirem a bordo.
Will se preparou para subir


quando o garoto o ultrapassou rapidamente e embarcou no ônibus - e aê, seu mal educado! - Gritou Michele. O jovem Will fez pouco caso e nem ligou, deixou sua amiga subir na frente e em seguida se pós


para dentro.


O micro-ônibus seguiu saltitando pela rua deserta de uma comunidade de São Paulo.

▪ ▪ ▪

A noite não estava tão fria como costumava ser, iria ser um


daqueles dias que começa com sol pela manhã, até as quatro da tarde,


depois o tempo fecha trazendo consigo algumas rajadas de vento com chuva, eram tempos indecisos.


O micro-ônibus saltitava com vigor. Michele já havia passado a catraca e se sentado nos fundos do veículo.
Ainda parado na catraca, o garoto tateava os bolsos atrás de encontrar seu cartão de passagem, foi encontrá-lo no bolso da frente da sua camisa de botão. Ele o encostou no leitor de cartões magnético e girou a catraca forçando-a com o quadril, deu alguns passos à frente se segurando nas barras de apoio. A sua esquerda, uma senhora se levantou de um pulo e foi


tropeçando nas pessoas até o fundo do ônibus - vai descer moço! - O


motorista irritado pisou no freio. Quando os pneus do ônibus entraram em atrito com a pista, o mesmo fez dois movimentos, para frente e


para trás. O último movimento arremessou Will para frente que


esbarrou com força em algo que parecia ser um poste de concreto. O


mesmo garoto que havia furado a fila mais cedo estava parado na sua


frente. O jovem Will ergueu os olhos para ele e teve um choque de


realidade.


Que droga! Não é um garoto! É uma garota!


A menina teria entre 19 a 23 anos, tinha cabelo curte acima dos


ombros, loiro tão claro que parecia ser verde. Seus olhos cintilavam


um verde escuro e profundo. Nenhuma maquiagem em seu rosto,


apenas um colar com um pingente singular, algo que parecia ser a


metade de uma estrela. A garota era alta, tinha os ombros caídos e as


costas levemente curvadas. Ela vestia uma jaqueta preta com um


casaco escuro por baixo e um pouco da gola de uma camiseta branca


aparecendo em seu decote. Ela também vestia uma calça preta com


sapatos allstar pretos, ou algo parecido.
A garota fitou Will dos pés à cabeça, possuía um olhar frio e


cansado. O garoto meio assustado deu um passo para trás, totalmente


automático. Ela virou o rosto e se sentou no lugar vazio à esquerda.


Impressionado, o jovem cambaleou até onde Michele estava sentada


- o que foi? aquele idiota te falou alguma coisa - quis ela saber, mas


seu amigo ficou em silêncio absoluto, mal podia ouvi-la falar.


Caramba, como pode, essa garota é tão magra, como pode ser tão...


dura assim? Ergueu o olhar e começou encarar a nuca daquela garota


freneticamente enquanto pensava.


A menina dos cabelos esverdeados parecia desligada do mundo,


encarava o céu negro da noite sem piscar. Esperando talvez? ou só...


pensando...
O sol nasce entre os prédios de São Paulo. Os carros cantam em coral a mesma música de todos os dias. O metrô recebe seu maior público nessa manhã de segunda-feira. Os vagões lotados como de costume. Zumbis sedentos de sono. Os vendedores ambulantes anunciam seus produtos aos berros. Pés cansados, olhos canados, mais um dia.

▪ ▪ ▪



Will está sentado em sua ilha de edição, pois trabalhava em uma


produtora de vídeo. Estava trabalhando com uma equipe na edição de um comercial, a sua parte era cuidar da decupagem.


Não vejo a hora de trabalhar na produção.


A sala em que trabalhava era retangular, possuía várias ilhas de


edição iguais a sua, todas em uma única mesa que corria junto a parede até a porta de saída que dava acesso para o corredor.
Distraído com o computador a sua frente, sem perceber ele massageou o ombro e automaticamente viu os olhos verdes da garota do ônibus lhe encarando, pulou pra fora da lembrança e olhou em volta, a sala estava em silêncio, 17 editores de vídeo trabalhavam em seus terminais.
Havia algo de errado ou estranho naquela garota.


No refeitório, todos os editores estavam sentados juntos em


uma mesa perto da janela. Will preferiu se isolar, sentado sozinho em uma única mesa perto da máquina de refrigerante ao lado da porta de


entrada e saída. Não queria se distrair com conversas de descontração,


queria pensar na garota que viu no ônibus, algo nela lhe chamou a


atenção, além do fato dela ter um ombro tão durou quanto uma coluna de concreto. Puxou um papel do bolso e fez um esboço grosseiro da


menina, achou horrível, o amaçou e o guardou dentro da mochila


largada no chão entre seus pés. Voltou para a mesa, mais concentrado


dessa vez. Delicadamente deslizou a ponta da caneta de cor preta


sobre o papel A4 de seu bloco de notas, em poucos minutos, tinha a


sua frente sobre a mesa, um de seus melhores esboços.

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Lavínia Onde histórias criam vida. Descubra agora