Sobre a luz amarela

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Dentro do micro-ônibus, o jovem editor de decupagem encarava
um assento vazio. Aonde ela está? A garota dos cabelos esverdeados
não estava no ônibus - Will, anda, ta fazendo fila atrás de nós -sussurrou Michele colando o queixo no ombro direito do garoto. Atrás deles, as pessoas reclamavam entre si, esperavam que Will voltasse a
andar, pois ele estava parado na catraca com os olhos vidrados em um assento vazio à esquerda.
Ela não veio hoje... e nem nos dias seguintes.
Durante um mêsinteiro, sempre que Will entrava no micro-ônibus, olhava direto para aquele assento e ele estava vazio. Depois de uns dias, o jovem começou a se sentar lá. Quem sofreu foi Michele, que por estar
sentada sozinha, era constantemente cortejada por diversos rapazes
desesperados por compromisso.
Dois meses se passaram.
Will estava de pé na porta de seu quarto desarrumado encarando
o chão.
Queria não ter visto aquilo.
O rapaz estava sendo consumido pela vontade de reencontrar aquela
garota. Sua impaciência era um monstro à espreita para devora-lo,
havia se transformado em algo que beirava a obsessão. Dias atrás,
enquanto comia um hot-dog nos degraus de uma igreja no centro da
cidade, viu uma garota de cabelo loiro e curto atravessar a rua e subir
a calçada, ele largou o lanche no chão e disparou atrás dela. A menina
abriu uma queixa contra ele, mas por fim, na delegacia, o rapaz
conseguiu explicar que tudo não passava de um mal-entendido. Mas
uma história pra contar.
Ergueu o olhar para seu quarto, havia se decidido - quer saber...- pegou seu casaco e saiu batendo a porta.

▪ ▪ ▪

Naquele fim de tarde, Will refez o trajeto que o ônibus vazia todos os dias pela comunidade em que morava, perguntando as pessoas se elas conheciam uma garota de cabelo loiro, curto acima dos ombros. Uma garota de mais ou menos 1,72 de altura, magra e branca.
Ouviu um "NÃO" sonoro a tarde inteira. Ninguém na região a
conhecia, exceto ele mesmo. O rapaz já estava se sentindo preso, tinha
que descobrir o que realmente havia presenciado. Nos seus estudos,
leu alguns argumentos, falavam sobre apocalipse, sobre uma guerra
que se aproximava pelo o escuro da ignorância da raça humana, se
tratava de um fim para o mundo do qual conhecemos, mas esses
argumentos não passavam de deduções de lunáticos fissurados por
teorias conspiratórias. Mesmo assim... eu vi com os meus próprios
olhos. Era grande e aterrador.
O jovem editor estava subindo uma viela deserta, voltava de sua
busca fracassada. Bocejava de sono, já passavam das 10 horas da noite, havia se levantado cedo para trabalhar e no dia seguinte também iria, ou seja, já deveria estar dormindo à algum tempo.
Olhou para o céu e viu nuvens amareladas, seria uma madrugada
de tormenta.
As casas que formavam a viela eram de alvenaria, sobrados de
aluguel, negócio que sempre estava em expansão.
As costas dos sobrados formavam o corredor por onde Will subia, o
silêncio o acompanhava de perto, as pessoas das casas já haviam se
recolhido, não era hora de estar nas ruas. Seus passos cada vez mais
lentos o conduziam ladeira acima, o sono queria seu corpo. Bocejou
novamente, em seguida sentiu uma brisa forte bater em suas costas.
Paralisou de imediato, como um gato com a pata parada no ar, sabia
o que aquilo significava. Se virou lentamente olhando por cima do
ombro esquerdo para ver a garota gótica de braços cruzados e
encostada no muro a sua direita - porque está me procurando? - disse
ela com um tom de voz impaciente e sem ao menos olhar para o rapaz.
Seu cabelo parecia mais sedoso. Talvez ela o penteou bem. Estava bem ajustado ao seu rosto de um jeito arrogante.
O rapaz continuou paralisado, não acreditava que estava olhando para ela, por umsegundo se sentiu vencedor. Afastou as sensações, focou na sua boca que não o obedecia e forçou-se a falar - você desapareceu! Aonde foi? - perguntou com uma insegurança maior do que o seu medo. Ela pode me esmagar com uma mão. De braços cruzados ela estava escorada no muro de costas para a luz laranja vinda do poste, seus olhos se
ascenderam quando ouviu a pergunta - porque quer saber? - a garota
dos cabelos esverdeados se voltou completamente para ele - apareceu
algum outro monstro, não foi?! - perguntou. Ela desviou o olhar para
o chão - sim, no caribe! - o rapaz arregalou os olhos - você foi pro
caribe? - a garota gótica olhou novamente para ele, o examinou dos
pés à cabeça. Empolgado, o jovem deu dois passos em sua direção -
você o derrotou? - ela lançou um olhar poderoso em resposta a
aproximação súbita do rapaz que parou no mesmo instante. A jovem
o encarou por alguns segundos - é claro que sim! - Will abriu um
sorriso - nossa, deve ter sido incrível, eu queria ter visto! - a garota
desencostou da parede - do que ta falando? Não foi nada "incrível",
garoto! - respondeu inclinando a cabeça para frente e fulminando o
rapaz com os olhos. O sorriso do jovem se desmanchou como uma
flor murcha - desculpa! ... é que essas coisas são surreais! - disse
pensando em todas as vítimas que morreram no ônibus. A garota
fechou a cara e encheu o peito - vá pra casa! Não me procure de novo!
- ordenou ela se virando para ir embora. Will sabia que se ela se fosse agora, nunca mais a veria de novo - espere, por favor - deu mais dois
passos em sua direção e parou. A garota se virou para encara-lo - me
diga seu nome! - disse ele sem perdê-la de vista. Seus olhos grandes
e castanhos lembravam os olhos meigos de um filhote de cachorro que está querendo carinho. A menina se virou e ficou de frente para o
rapaz, parecia furiosa - acho que você não entendeu de primeira, mas
vou falar mais claramente... não quero que me procure, não quero que me conheça, não quero saber seu nome, não quero que saiba o meu nome... - Will ficou imóvel. Espantado com o tom de voz daquela garota gótica. Ela se virou, parando de frente para a parede, ainda olhando em seus olhos. Tentava transparecer um perfil de durona.
Com os lábios serrados e com os olhos apertados ela o intimidava. O
ar se trancou dentro dos pulmões do rapaz, havia acabado de levar um
"fora" e tanto e não sabia como se comportar. Seu rosto embranqueceu, sua boca entreaberta e seus olhos arregalados indicavam que ele iria chorar como um bebê, mas não o fez, ele apenas fitou a garota, sabia que dali a alguns instantes ela sumiria de novo e nunca mais olharia em seus olhos novamente.
A garota ainda o encarava, mas sua expressão facial mudou,
havia um pouco de confusão em seu rosto, parecia não entender
porque aquele garoto a olhava daquele jeito. Desviou os olhos para o chão, em seguida voltou a olhar para aqueles grandes olhos castanhos.
Sentiu-se um tanto envergonhada. Ergueu o rosto para o céu e desapareceu levantando a areia da calçada e formando uma cortina cor
de creme.
Will tentou segui-la com os olhos, mas foi impedido pela poeira,
então baixou o olhar triste para o chão, libertando o ar de dentro
pulmões e voltando a suspirar, olhava para os cantos do beco, era uma
sensação ruim de vazio e solidão que apertava dentro do peito, tentando escapar pela garganta e fugir pela boca.

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