"Me acorde antes do anoitecer!"

42 8 2
                                    

          O sol chega ao topo do céu. Meio-dia, os olhos de Will estão entreabertos. A estra a frente está deserta. Seus lábios ressecados criam uma camada de pele morta sobre a carne. Estou exausto. No banco de trás, Thalia ajuda a garota gótica a se sentar para beber água. Os seus olhos verdes, cansados, encaram o céu cinzento. Niah está muito fraca, as doses de tranquilizante que tomara tiraram sua consciência deixando-a sem a percepção do que é real e do que é irreal. Eu vejo fogo... eu vejo bolos de fogo caindo do céu – Will, acho que ela precisa de um médico – disse Thalia examinando a garota semidesacordada sobre seu colo.

        As pálpebras se fecham sobre os olhos castanhos de Will, suas mãos deslizam sobre a direção virando-a para esquerda. O jipe invade a contramão da estrada, atravessando-a e indo em direção ao acostamento – Will, cuidado! – gritou Thalia.
         O veículo sai da pista, imbicando ribanceira a baixo. Uma descida de quase 3 metros inferior ao nível da estrada, indo em direção a uma plantação de soja – Will! – gritou ela novamente se segurando ao corpo mole da garota dos cabelos esverdeados.
        Enfim, seus olhos se abrem. Mas, que merda. Se deparou com a plantação de soja a frente, suas mãos estapeiam o volante, tentando direcionar o veículo sem muito sucesso. 
       Então, o jipe adentra a plantação, saltitando e chacoalhando. Não consigo ver nada. O veículo continua descendo, a plantação agora cercava o jipe, não havia direções, não havia caminhos, apenas soja por toda parte.

      
       O gado estava espalhado pelo campo, pastavam sob o sol escaldante do meio-dia. Isolados por uma cerca de arame farpado o gado se movia livremente, até que um veículo militar emergiu de dentro da plantação de soja do outro lado da cerca e veio desgovernado em direção a ela. O jipe colidiu violentamente com as toras de madeiras quais o arame farpado se enrolava. O gado debandou, fugindo daquela maquina monstruosa feita pelo homem.

        Não posso... não posso deixá-la morrer! Vou protege-la... custe o que custar... – Will! Will, você está bem? – a voz familiar de uma garota assustada soava ao longe. Vou... vou protege- la – Will! Droga! A sua testa, ta com um corte na testa – disse Thalia tentando reanimar seu amigo que aos poucos recobrava a consciência – o que... o que aconteceu? – resmungou ele. Thalia olhou em volta – nós batemos – disse ela olhando aonde exatamente bateram. Will tenta olhar para o banco de trás – Niah... – Thalia contém seu amigo sobre seu colo – calma, ela está bem, e eu também, obrigada por se preocupar – disse ela abusando do sarcasmo. Will ergue o olhar para o rosto da sua amiga e vê que seu nariz está sangrando – seu nariz... me desculpa, me desculpa, eu não queria – disse ele em lamento se entregando ao choro. Thalia arregala os olhos, sem entender o motivo do choro, sim, ela havia se machucado no impacto, mas mesmo assim não justificava o choro – Will, porque ta chorando, para com isso, para, Will – disse ela acariciando fortemente o rosto de Will – eu não queria nada disso, eu não quero que a Niah lute, eu não quero que as pessoas morram, eu não quero que o mundo acabe... eu só quero que tudo fique bem de novo... – Thalia tenta consolar seu amigo que está aos prantos – eu entendo... eu entendo – disse ela com os olhos perdidos no horizonte.

        Niah está deitada de costas sobre o banco traseiro, ouvia o choro de Will ecoar pela ar. Não podia vê-lo devido aos bancos dianteiros separarem o veículo no meio, limitando a visão do banco de trás para o da frente, mas, mesmo sem vê- lo, podia senti-lo, e ao senti-lo, viu sua angustia se transferir para si, invadindo seu corpo, enchendo seus pulmões e esvaziando pelos olhos em formato de lágrimas. Novamente... elas saem dos meus olhos.

        Thalia examina o estrago no jipe devido ao impacto – bom, os dois pneus da frente estão furados... não vamos conseguir ir muito longe com eles assim... por sorte, passamos por um hotel de estrada a uns 5 quilômetros atrás, devia está abandonado – dizia ela enquanto caminhava em frente ao veículo, Will a seguia com os olhos, ele estava de pé em frente ao jipe – vamos com ele até lá, depois procuramos outro carro... o que acha? – perguntou a ele. De braços cruzados ele fitava o para-choque retorcido do veículo a sua frente – ta, vamos fazer isso – respondeu olhando para ela e indo em direção ao veículo.
       Todos os dois embarcaram no jipe e de marcha ré, eles retornaram a estrada.

       O hotel estava deserto. As portas da recepção estavam abertas. Chaves espalhadas no chão atrás do balcão de madeira. São as chaves dos quartos. O estabelecimento não continha dois pisos, era totalmente plano. Duas fileiras de quartos faziam o formato de U em volta do estacionamento, tendo na interligação das fileiras a recepção.
Thalia escondera o jipe nos fundos do hotel, atrás da casa de ferragens e ferramentas. No caminho de volta até a recepção, ela se deparou com o para-choque de uma pick up de quatro acentos escondida de baixo de uma lona verde, estacionada perto da casa de ferragens. Até que foi fácil achar um carro. Durante a fuga da instalação militar, eles ouviram no rádio um locutor anunciar que o exército iria evacuar aquela área, pois estava sujeita a ataques pelo fato de se localizar próximo ao campo de treinamento do exército. Por isso deixaram aquela pick up escondida ali, esperançosos em voltar e retomar suas vidas e seus negócios com o hotel, os donos estacionaram-na nos fundos e a cobriram com uma lona.

        Niah estava deita sobre um sofá localizado no pátio da recepção, seus olhos encaravam o teto. A recepção contava com um "café", uma pequena lanchonete de balcão. Eles têm seu próprio McDonalds. Atrás do balcão havia uma parede onde se localizava a as maquinas de café e capuccino. Ao lado havia uma porta que dava acesso a pequena cozinha responsável pelos lanches ali servidos, e também, pelo serviço de "room service" do hotel. Will vasculhava a geladeira atrás de algo para comerem. Hamburgeres, pizzas, salgados, bolos, fome agente não passa. Ele pegou a pizza que por sinal era a sua preferida. De calabresa. O fogão de oito bocas ficava no canto, ao lado da pia de lavar louças. A embalagem da pizza informava "pré-aqueça o forno por 10 minutos, em seguida, coloque a pizza e a acompanhe, observando-a a cada 5 minutos durante 20 minutos" e assim fez Will.

        Uma hora depois, todos estavam no quarto 16, o maior de todos, equipado com ar-condicionado e aquecedor, também contava com duas camas separadas, uma minicozinha com tudo o que tinha direito e também um banheiro de 8 metros quadrados, nele havia uma banheira "bem higienizada" por sinal.
       Niah dormia na cama da esquerda, próxima a porta do banheiro, Will havia lhe ajudado a comer pelo menos dois pedaços da pizza acompanhado com suco de melancia, agora ela descansava. Thalia estava sentada em uma poltrona ao lado da porta de saída, encava a sua nova amiga enquanto dormia – será que ela está bem? – disse ela para seu amigo sentado no chão de costas para a porta de saída, ele segurava uma garrafa de suco de laranja – ela está bem, quando servi o exército, fiz parte dos enfermeiros, aprendi muita coisa sobre medicamentos, como manipula-los... manusear tranquilizantes poderosos usados para quando sofrerem ferimentos expostos e amenizar a dor... – ele fez uma pousa dando um gole em sua bebida – só tenho que controlar a dosagem, administrando uma nova dose a cada 14 horas – completou ele. Thalia assentiu ainda encarando a garota gótica – porque não descansa um pouco também, ta precisando – disse ela olhando para seu amigo. Ele suspira ao se levantar do chão – to mesmo... vou dormir um pouco, me acorde antes do anoitecer, tenho que dar uma olhada nessa Pick Up, ver se ela vai aguentar uma viagem – desabou na mesma cama que Niah, deitando-se a seu lado – tudo bem, vou ficar de vigia – disse Thalia para Will, em vão, pois ele já havia adormecido profundamente. Que sono. Pensou ela sorrindo.

Lavínia Onde histórias criam vida. Descubra agora