Ruas e prédios desconhecidos

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O sol invadia o quarto por entre as persianas da janela. O quarto de hospital era bem organizado e decorado. "Um hospital de ricos" diria Will.
Um médico ortopedista estava examinando plantas de raio-x do tornozelo do jovem. Ele estava sentado em um poltrona ao lado esquerdo da cama recebendo toda a claridade vinda da janela - bom... não vejo nada! - O médico que aparentava ter entre 40 e 50 anos se virou para o garoto e sorriu - seu tornozelo está bem, Will! Acho que você apenas pisou de mau jeito - o jovem editor parecia distante, seus pensamentos vagavam em outra dimensão. Olhava para a luz do sol vinda da janela, via um céu azul lá fora - Will? - disse o


médico estranhando o comportamento de seu paciente. O rapaz voltou para a terra e se viu deitado em uma cama de hospital, usava um vestido azul com mangas curtas. Havia um curativo em seu lábio inferior e em sua mente uma imagem. A garota dos cabelos


esverdeados.


Olhou lentamente para o médico - Obrigado, doutor! Quando eu


posso ir? - O médico se surpreendeu. Examinou mais uma vez as

plantas e respondeu com firmeza - hoje mesmo. Só vou receitar um


anti-inflamatório pro seu tornozelo - Will assentiu. Se levantou da


cama onde estava deitado, pós lentamente seu pé esquerdo envolto em uma tornozeleira ortopédica no chão frio - obrigado, doutor - o


médico sorriu, levantou-se da poltrona e foi em direção a porta do


quarto - doutor - sussurrou o rapaz encarando a poltrona. O médico


se virou para ele - sim!? - Will ergueu um olhar cansado, havia


algumas olheiras em torno de seus olhos, não tinha dormido desde que


quando acordou a um dia e meio atrás, saindo de dentro de uma


ambulância deitado em uma maca, sendo levado por paramédicos em


direção as portas duplas de um hospital. Limpou a garganta e


sussurrou - não... tinha ninguém comigo? - claramente Will se referia


a garota gótica, queria saber se ela tinha chamado o resgate, se ela


tinha lhe ajudado de alguma forma, se ela estava no hospital. O médico retornou alguns passos e pousou as duas mãos sobre a cabeceira da poltrona, fez uma cara de condescendente e respondeu -


eu sinto muito, Will, ninguém mais no ônibus sobreviveu - o jovem assentiu, viu que o médico havia entendido errado, virou o rosto para


a janela - tinha algum parente com você lá? - quis saber o médico. O


rapaz o olhou rapidamente e respondeu despreocupado - não, eu... só quis saber mesmo! - o médico assentiu, suspirou e sorriu antes de sair do quarto deixando o garoto sozinho. O rapaz se levantou, caminhou

mancando até a janela enorme do cômodo e encarou a cidade lá em baixo. Não reconheceu os prédios e nem as ruas, estava em um bairro desconhecido, mas isso não o preocupava. A imagem da garota lhe encarando se projetou a sua frente. O que foi que eu vi?

▪ ▪ ▪



Uma semana depois, o jovem editor de decupagem havia sido


afastado do trabalho para se recuperar, passou alguns dias em casa, pesquisando, vivendo a base de café e energéticos.


Mal se reconheceu ao se encarar no espelho do banheiro. Sua barba estava por fazer. As olheiras ainda estavam lá. Seu cabelo desgrenhado precisava de um corte profissional urgentemente. Esse foi o resultado de virar noites pesquisando sobre o que tinha presenciado. Voltou do banheiro e foi direto para sua cadeira na


escrivaninha ao lado de sua cama. Na tela do computador um site de


relatos paranormais. Algumas horas trás o jovem Will havia feito um


estudo completo no site, viu diversos vídeos e depoimentos de


testemunhas que afirmavam terem visto um mostro atacando um


barco de pescadores próximo a China, Coreia do sul e Japão. Vídeos


de lugares destruídos na Coreia do sul corroboram os depoimentos.


Will sabia que algo estava acontecendo no mundo e ele queria


descobrir o que é.


Os jornais locais de São Paulo afirmaram que o que aconteceu


naquela comunidade foi um deslizamento de terra, pois havia chovido na noite anterior. Esse pronunciamento lhe levou a uma indagação. O governo sabe o que está acontecendo. Mesmo depois de ter recebido alta, o rapaz não se atreveu a voltar ao lugar do ataque, não queria ver aquela comunidade a luz do dia. Por alguns dias se sentiu culpado, o


fato de ser o único sobrevivente lhe garantiu esse sentimento.



▪ ▪ ▪

Will se debruçou sobre o corrimão da cobertura do sobrado de três andares onde era inquilino, encarou a favela lá em baixo, levou sua xícara do bob esponja até os lábios e bebeu do seu chocolate quente. Sua camisa regata do batman balançava sobre sua pele de acordo com que o vento soprava.


O vírus ainda corroía a sua mente. O que eu vi?


Desceu sua mão direita até a canela da perna esquerda e coçou a borda


da tornozeleira. Entorno da borda já havia uma mancha avermelhada


na pele, sinal de irritação por conta do material da tornozeleira.


Ergueu-se até o corrimão novamente. Olhou em volta, viu algumas


mudas de roupas, que não lhes pertenciam, estendidas no varal. Os


outros inquilinos que já moraram ali, usavam aquele espaço para lavar


e estender roupas, ou até mesmo fazer churrascos nos fins de semana.


Olhou para o horizonte, além da favela a sua frente e dos prédios


de um condomínio mais adiante. O sol já estava se pondo sobre a


cidade. O garoto encarava aquele pôr do sol com várias perguntas


circulando em sua mente, a pioneira sempre era. O que eu vi?


Uma brisa vinda de trás de suas costas chamou-lhe atenção. Will


se virou e deu de cara com a garota, de pé em cima da caixa d'agua de


2000LS, sobre o lajeado de um quarto que ainda estava em construção, ficava ao lado da escada que dava acesso a cobertura. A garota dos cabelos esverdeados o encarava sem piscar com um olhar fixo e sombrio. O jovem editor se retraiu sobre o corrimão a suas costas, estava paralisado. Ela veio me matar, eu sei demais. Desviou o olhar para as escadas, mas sabia que mesmo se tentasse correr, ela o pegaria facilmente.

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