Mais obscuro, mais sombrio

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De volta para casa, o jovem editor de decupagem estava sentado


no fundo do micro-ônibus olhando pela janela, ainda pensava na


garota. Será que ela malha? A única menina que havia lhe chamado a


atenção assim, tinha sido a sua ex-namorada, Giovana. Haviam


desatado o namoro a 6 meses atrás devido a falta de tempo entre as


duas partes. Will lembrava bem do que o fez correr atrás daquela


menina durante três longos meses. Ela era linda, meiga e carinhosa, tinha uma voz firme e ao mesmo tempo doce, era uma sonhadora compulsiva e contagiante.


Voltou para a realidade, via os prédios passarem rapidamente do


lado de fora da janela, a brisa suave do fim de tarde, o sol se pondo,


então seus olhos se fecharam e ele adormeceu lentamente com o rosto


encostado no vidro da janela entre aberta.



▪ ▪ ▪

A noite veio rapidamente. Os postes de rua se acenderam, os


carros já seguiam de faróis ligados. O vento frio soprava pela cidade


carregando pequenas gotas da chuva dentro de si, seria uma noite de


tormenta.


Will fechou portão, se virou e deu de cara com os mesmos dois


lances de escadas. É foda.


Pegou o aparelho celular de modelo Iphone 6s do bolso da calça,


acionou a lanterna para iluminar os degraus, suspirou e se pós a descer


as escadas lentamente. Ao entrar em casa, a primeira coisa que fez foi


se jogar em cima da cama de bruços, só teve o trabalho de largar a


mochila em qualquer lugar pelo chão, nem se quer tirou os tênis,


rapidamente adormeceu. O jovem editor de decupagem morava


sozinho desde os 18 anos, sua família estava dividida, ouve muitas brigas no passado, devido a isso, a única saída que ele viu foi essa.


Vou morar sozinho, nessa porra.
Agora com 23 anos, ainda mora


sozinho, trabalha e paga as suas próprias contas. Contas quais se


resumem a pizzas e videogames. Ele até chegou a praticar MMA por


dois anos com os colegas de trabalho, mas desistiu, pois odiava se machucar. Nunca chegara a ganhar uma luta sequer, mas ainda assim,


vemos um saco de pancadas e luvas penduradas por uma corrente na


lavanderia de sua casa. Will alugou a casa que mora de um senhor


muito gentil chamado justamente Gentil. Um senhor alegre que tem


como hobby criar passarinhos. O jovem editor odeia aqueles


passarinhos. Um dia eu vou abrir a gaiola daqueles bichos e soltar


todos eles!


O despertador sobre o criado-mudo desperta. O jovem editor refaz todo o processo do dia anterior. Levanta-se, toma banho, sobe as escadas, correndo dessa vez, abre o portão e vai para o ponto de ônibus próximo a sua casa.


A noite estava mais fria. Havia chovido a madrugada inteira,


agora o vento gelado soprava, congelando levemente a grama do


barranco que se erguia atrás do ponto de ônibus.


Will trocava mensagens com Michele enquanto esperava o


ônibus chegar. Sua amiga lhe dizia que não iria trabalhar porque


estava gripada, suspeitava de estar com Dengue. Era época de calor,


o mosquito Aedes Aegypti se proliferava com mais facilidade. Havia um surto de Dengue, Chikungunya e Zika Vírus pelo Brasil, várias capitais haviam entrada em estado de emergência, mas logo se


recuperaram. Agora o governo afirmava que a situação estava


controlada.
De repente o micro-ônibus dobrou a esquina iluminando o ponto de ônibus e os rostos cansados que se abrigavam do sereno em baixo


da cobertura. O garoto guardou o celular no bolso e embarcou no


veículo.


Chegou na catraca e levou a mão ao bolso interno de seu casaco,


sentiu que seu cartão de passagens não estava lá. Droga, será que eu


esqueci de novo? Tateou os bolsos da calça, mas não estava encontrando. Os outros passageiros atrás dele estavam impacientes -

droga, aonde tá? - uma fila se fez atrás do rapaz. Pessoas ainda aguardavam para embarcar. O motorista mantinha o morto do veículo aquecido. Will enfim encontrou o cartão no bolso de trás da calça -

achei! merda! achei! - virou o rosto e sorriu para os outros passageiros atrás dele que estavam a rir de sua reação ao encontrar o cartão. O encostou na máquina e virou a catraca com o quadril. Ergueu o olhar e procurou por assentos vazios, mas se deparou com a mesma garota de antes, sentada no mesmo lugar a sua esquerda em um assento


solitário de frente para uma divisório de vidro transparente, separando


ela do assento do cobrador. A garota estava vestindo uma roupa


diferente, mas no mesmo estilo gótico de antes, tudo preto. Ela o encarou dos pés à cabeça novamente. O garoto pareceu entender o que que se passava em sua mente. "Porque diabos essa cara ta me


encarando?" desviou o olhar e cambaleou para o fundo do micro-


ônibus saltitante.


Depois de se sentar, ele se pôs a encarar a nuca da garota sem


piscar, novamente levou a mão ao seu ombro dolorido. Caramba, ela


quase deslocou o meu ombro!



▪ ▪ ▪



O micro-ônibus saltitava pelas ruas esburacadas, adentrando a


noite em meio a favela. Becos, vielas, escadarias, morros, a luz da lua


os tornavam mais obscuros, mais sombrios.

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