O veículo agora se aproximava de uma encosta, descendo a rua íngreme em sua direção, desacelerando aos poucos para fazer a curva e entrar em uma outra rua menor, a esquerda, na esquina de um posto de gasolina
adormecido.
Os olhos castanhos do rapaz ainda encaravam um tufo de cabelos
esverdeados. A garota não se movia já fazia alguns minutos. Será que
ela ta dormindo? Will então começou a analisar sua estatura. Ela deve
medir 1,72 ou 1,73 no máximo, pesa 70 quilos no mínimo.
Repentinamente lhe veio a imagem do momento em que esbarrou
nela, lembrou do cheiro que sentiu, era cheiro de sabonete comum,
com um tom de aroma de rosas talvez. Finalmente algo feminino nessa garota.
Voltou a observa-la. Seu cabelo tinha mesmo um tom esverdeado,
pelo menos nas pontas, ou quando a claridade refletia e criava sombras
escuras de cor verde em seus fios. Fechou os olhos e tentou visualizar
o rosto dela novamente. Logo a imagem lhe veio, meio borrada e em
movimento, quase que de proposito só para dificultar a visão. Quando
conseguiu visualizar, sua memória a fotografou, tendo para si uma
imagem pausada e esclarecida. Viu seus olhos grandes e cansados lhe
encarando de volta, profundamente, sem piscar. O jovem sentiu-se
tentado a desviar o olhar, mas continuou a observa-la. Seu rosto tinha traços finos. Seus lábios não eram grossos e nem afinalados, eram perfeitos. A franja cobria um pouco as sobrancelhas grossas, mas bem
desenhadas, sonho de consumo de qualquer adolescente, ter as
sobrancelhas naturalmente feitas.
Abriu os olhos e visualizou novamente o tufo de cabelos
esverdeados, em meio a vários outros de passageiros sentados entre
os dois.
Percebeu que o rosto dela agora estava virado para frente. O jovem seguiu com os olhos a linha de visão da garota gótica até o vidro transparente a frente dela e viu o reflexo dos seus olhos lhe encarando com profundidade. Will gelou de vergonha.
A jovem juntou as sobrancelhas e se pós a encará-lo pelo reflexo do vidro a sua frente. Will tentou virar o rosto, mas sempre retornava a olha-la, como se houvesse um imã entre seus olhos e os da garota, os puxando um para o outro. Os dois se encaram por quase um minuto, mas o estrondo de um trovão os despertou. A garota virou o rosto para seu lado esquerdo, encarou o lado de fora pela janela da passageira do outro lado do corredor do ônibus, em seguida desapareceu em um borrão, como se você rodopiasse várias vezes no mesmo lugar e visse as imagens a seu redor se tornarem em imagens tridimensionais, rabiscadas e sobrepostas.
A sua direita, a garota abriu com o próprio corpo um buraco na
lataria do micro-ônibus e sumiu na escuridão.
Incrédulo o jovem editor de decupagem arregalou os olhos. Mas
que porra... de repente uma sombra atravessou o teto do micro-ônibus, amassando-o como uma latinha de cerveja. O veículo inteiro
se contorceu como papel. O jovem ouvia os gritos das pessoas dentro
do ônibus e o silêncio em seguida. Ah, não, todos estão morrendo!
Ergueu os olhos para o teto e o viu despencar como uma avalanche de
ferro e acolchoado em sua direção. A pressão no meio do micro-ônibus fez com que explodisse a lataria traseira, arremessando os últimos assentos para fora. O jovem Will arquejou, seus olhos deram um zoom de 20 vezes. Uma confusão de ferro, grades e assentos rodopiavam a sua frente. Pernas, braços, gritos, tudo girava diante de seus olhos arregalados, por fim, seu assento foi arremessado com violência para fora do veículo.
▪ ▪ ▪Pingos da chuva fraca caiam sobre a superfície de seu rosto.
Havia um corte em seu lábio inferior. O pouco sangue que escorria se juntava aos pingos da chuva sobre a pele. Lentamente, o garoto abriu os olhos. Havia perdido a consciência por alguns minutos. A última
visão que se lembrava era de uma garota sumindo diante de seus olhos
e o branco logo em seguida.
Tentou se levantar do asfalto molhado, mas logo sentiu dor no
tornozelo direito. Merda!
O zumbido nos ouvidos foram diminuindo, dando lugar a sons
de impactos que explodiam atrás dele.
O jovem Will se virou para ver
algo inacreditável. Uma criatura enorme se revirando sobre casas de
uma favela aos pés da encosta da avenida onde estava caído. A
criatura urrava com vigor. Era atingida diversas vezes por um ponto verde-claro. A garota?!
A criatura caia desajeitada, mas se levantava com rapidez. Deus,
o que é aquilo? Will não conseguia acreditar no que os seus olhos
estavam vendo. Era algo parecido com a fusão de um lagarto gigantesco com uma tartaruga. O tal lagarto parecia exausto, o ponto verde o acertava no rosto várias vezes.
O monstro se levantou de cima da favela desferindo suas garras
no ar, tentando acertar o ponto verde que novamente pulou do chão e
o acertou no rosto. O lagarto rodopiou e caiu de joelhos sobre os escombros das casas para urrar uma última vez.
O ponto verde despencou do céu escuro e nublado com velocidade. Riscou o ar de verde e atravessou a cabeça do monstro, entrando em sua boca e abrindo um buraco em sua nuca. O lagarto desabou na encosta do morro causando um tremor na terra, cedendo parte da avenida sobre o
que havia restado da favela e encobrindo a lateral direita do monstro. Algo mais estranho ainda aconteceu com o seu corpo. Ele evaporou criando uma neblina densa sobre os escombros da favela e da estrada onde o micro-ônibus havia sido pisoteado pela criatura.
Ainda deitado no asfalto em meio aos pedaços da estrutura do
veículo coletivo, o rapaz viu o ponto verde aterrissar na encosta da
estrada perto do entulho que virou o micro-ônibus, atrás da neblina
branca e densa. O jovem editor tentou se pôr de pé, pois a luz verde se aproximava por trás da neblina. Droga, acho que torci o tornozelo.
Apalpou seu pé atrás de alguma lesão exposta, mas não encontrou
nada – foi o único a sobreviver? – a voz dela firme e serena, o
atravessou pelas costas e saiu por entre seus olhos.
Will se virou lentamente na direção do sussurro vindo da neblina.
O queixo dele caiu. Era realmente a garota, ela tinha alguns arranhões
pelo rosto, suas roupas continham rasgões que deixavam a pele
exposta. O jovem estava ofegante, encarando os olhos de fogo verde
da garota. Seu cabelo parecia que estava em chamas, chamas de cor
verde-claro, caídos em cascata sobre o rosto, despenteados e brilhantes. Seus lábios entreabertos deixavam amostra seus dentes brancos. Raios verdes de eletricidade ainda circulavam seu corpo.
O rapaz lhe encarava sem piscar, nada ele lhe respondeu, apenas
a fitava de boca aberta.
Em um estalo, a garota gótica estava agachada na sua frente, olhando em seus olhos. O jovem arquejou de susto ao se retrair – está com medo! – disse ela o encarando de perto. Will tremia. Sentia o calor dos olhos dela perto de seu rosto. Não se aproxime de mim! – e como não ficaria? ... voc... – o jovem editor desmaiou antes da garota
terminar a frase.
Rapidamente ela levou a mão aberta ao lado direito do rosto do
rapaz, para impedir que se chocasse contra o solo do asfalto, aponto
de machucá-lo. Lentamente pousou o rosto dele no solo e o encarou
por alguns segundos. Então, ergueu-se do chão e olhou em volta. Nada
sentiu ao ver toda aquela destruição, todas aquelas pessoas mortas... o
que devo sentir?
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Lavínia
FantasyLavínia conta a história de uma garota que é extremamente poderosa, ela luta contra criaturas enormes que surgem pelo mundo desde criança. Niah não sabe de onde veio, porque é tão forte e nem quem são seus pais verdadeiros. Essas questões acabam per...