O orfanato

149 24 3
                                    

     Niah e Will estão descendo por uma escada que dava acesso ao
interior da loja. O rosto da garota gótica estava sério, firme. Revelar
seu passado para alguém que acabou de conhecer não foi fácil.
     A jovem Niah passou seus 23 anos sem ter sequer uma amiga ou
amigo, sempre sozinha. Eu prefiro. Isolada do mundo. No orfanato,
suas colegas de quarto tinham medo dela, achavam que ela era louca,
pois passava a noite sussurrando, falando sozinha. Sempre acordava
no meio da madrugada gritando. A diretora do orfanato chegou ao
levá-la para fazer análise em um psiquiatra infantil, para descobrir o
que estava havendo com a pequena Niah. Seus sonhos ou pesadelos
como gostava de dizer, não faziam sentido, eles se baseavam apenas
no universo. Ela dizia que flutuava entre as estrelas, que era sugada
por um buraco negro que a levava para outra dimensão, falava que
aparecia flutuando na atmosfera de um planeta que estava em guerra.
    Ela alegava que ouvia pedidos de socorro, mas não conseguia
reconhecer as vozes, que eram milhares e milhares. Ela afirmava
também que de onde estava, conseguia ver explosões gigantescas no planeta, e vários aviões fugindo dele, o planeta ficava vazio até
explodir em pedaços, assim fazendo com que ela retrocedesse o cominho, voltando pelo buraco negro, passando pela as estrelas até cair em sua cama gritando. Niah fez diversas análises, até que o psiquiatra se decidiu e disse a diretora que ela estava em perfeito
estado mental.
     Na noite daquele mesmo dia, no meio de uns de seus sonhos, a
pequena Niah é acordada por uma de suas colegas de quarto, Alice de
10 anos de idade – ta pegando fogo! – gritava ela. As 7 meninas,
incluindo Niah, estavam presas dentro do dormitório, pois lá fora, no corredor, uma coluna em chamas havia caído sobre a porta de saída.
As meninas choravam desesperadas vendo a fumaça invadir seu
quarto por baixo da porta de madeira envernizada, mas a pequena
Niah não. Ela se levantou calmamente da cama e foi andando até a
porta, abrindo caminho por entre as outras garotas, então se deparou
com a porta dupla. Alice chegou correndo a seu lado, ofegante ela
informou – cuidado, a porta está muito quente, a Lívia queimou as
duas mãos tentando abri-la – a menina dos cabelos esverdeados se
voltou para a porta, ela agarrou as duas maçanetas, as garotas
escutaram o som das pequenas mãos de Niah queimarem, mas a jovem
nem se mexeu, encarou as suas mãos em voltas das maçanetas. Eu...
eu não sinto queimar. Posicionou os pés e empurrou as maçanetas
com força.
   Do lado de fora do dormitório, a coluna se movia para trás. Os
vergalhões ainda presos a coluna, estavam amaçando devido a pressão
da porta abrindo. A pequena Niah colocou mais força em seus pés e
em seus finos braços. Todas as outras meninas correram, fizeram uma
fila atrás de suas costas e começaram a empurrar, uma empurrava as
costas da outra da frente para ajudar a abrir a porta. Niah não sentiu
nenhuma diferença, mas sentiu à vontade das suas colegas de
sobreviver e de ajudar umas às outras. Olhou determinada para as
portas e concentrou toda sua força nos braços e pernas, caminhou para
frente. Os vergalhões cederam e a coluna explodiu em pedaços. As
portas estavam abertas, as meninas comemoravam, mas a jovem dos
cabelos verdes permaneceu em silêncio, encarando o resto do orfanato tomado pelas chamas. Esse prédio vai cair sobre nós. Se virou e olhou direto para Alice que entendeu o que aquele olhar queria dizer –
meninas, temos que sair daqui, agora – disse Alice. A garota dos
cabelos esverdeados olhou para o corredor, parcialmente nublado pela fumaça negra, apressou o passo e as meninas a seguiram em uma fila
dupla.
   Elas chagaram nas portas do refeitório. As portas dos fundos
estão depois desta ala do prédio. Niah visualizou as portas duplas fechadas diante delas. Fez um sinal para que as meninas se afastassem.
   Olhou para Alice que lhe devolveu um olhar angustiado. Confio em
você, Niah. Olhou para a porta e disparou em sua direção.
As portas arrombaram para dentro. Niah caiu de bruços no pátio
do refeitório que milagrosamente estava intacto. As meninas correram
na sua direção, todas se abaixaram em volta dela, Alice agarrou seu
braço – você está bem? – ergueu os olhos para ela e para todas as
outras meninas. Elas precisam de mim. A pequena Niah se pós de pé,
estreitou os olhos para os fundos do refeitório e em meio a fumaça
que vinha do teto, conseguiu ler “SAÍDA” em cima de uma porta
dupla pequena. Alice seguiu seus olhos – meninas, vamos, ali está a
saída, vamos! – as meninas começaram a correr. A garota percebeu que iria ficar para trás se não corresse também – Niah, vamos! – Alice a chamava. Ela olhou para Alice e quase sorriu. Se moveu para correr quando sentiu seu pé esquerdo afundar no chão. O solo se abriu sob
seus pés e ela quase foi engolida por um buraco, se segurou na borda
para não cair no abismo. Seu corpo balançava enquanto se segurava
nas pontas dos dedos. A pequena Niah olhou para baixo e viu a
lavanderia arder em chamas.
   Os seus dedos estão escorregando. Droga, eu vou cair. A mão direita escapa totalmente, agora se sustentava apenas com a mão
esquerda que também estava escorregando. Essa não! Sua mão
escorrega totalmente, mas antes dela cair no inferno em chamas, duas
mãos pequenas lhe agarram. Niah balançou pendurada pelo próprio braço. Alice encarava seus olhos com determinação. Eu... não vou
soltar. A pequena Niah nunca tinha tido uma amiga e não saberia
reconhecer uma, mas Alice acabara de deixar isso bem claro. A garota
não estava preocupada em cair, pois encarava a determinação de sua
colega em tentar salvá-la. Ela vai mesmo arriscar a própria vida por
mim? Alice estava escorregando para dentro do abismo, ela se debatia
tentando parar de alguma maneira, mas a cerâmica era tão escorregadia que não importava o quanto se debatesse, não iria parar de deslizar. As duas iriam cair juntas no abismo, quando um corpo pequeno se jogou sobre as costas da menina de 10 anos, era sua colega, Caroline. Sobre as pernas de Caroline pulou Agatha e sobre ela pulou as outras quatro garotas. Não vamos soltar. Todas juntas começaram a puxar Niah de volta para cima. Ela enfim é resgatada, as meninas comemoram – vocês são loucas – disse Niah com uma timidez incontrolável – não! Nós somos suas amigas! – disse Alice
abraçando-a. Todas as outras garotas a abraçaram também. A menina
dos cabelos esverdeados ficou sem reação, pois nunca tinha sido
abraçada antes.
   Uma crepitação no teto chamou a atenção da garota, ela ergueu
os olhos e viu a coluna afundar no chão sob seus pés trazendo com ela
o teto inteiro do refeitório. Os olhos de Niah encheram-se de lágrimas
– não! – gritou desesperada, pois não havia chances de escapar daquilo. O prédio do orfanato afundou sobre aquelas sete garotas.
    Na mesma noite, a chuva veio. O fogo sobre o concreto estava
se extinguindo. O prédio do orfanato virou entulho. Pedaços de
janelas, cacos de vidros, muita madeira e estruturas de ferros. O
orfanato afundou dentro do subsolo onde havia a lavanderia e os
geradores de energia. Uma cratera vista do alto, engoliu o orfanato
quase que por inteiro. A chuva fraca foi o suficiente para apagar
parcialmente o fogo.
   No lugar mais baixo do buraco, pedaços enormes de concreto
começaram a brilhar uma luz verde-clara, de repente, Niah pulou para fora dos entulhos, toda suja de lama, ofegante e aterrorizada. A jovem
respirava como se tivesse passado horas sem oxigênio, olhava de um
lado para o outro, desnorteada. Seu cabelo antes brilhava intensamente, agora o brilho se esvaía. Uma água vermelha escorria em seu rosto lavado pela chuva fraca, Niah levou a mão aos olhos para limpa-los quando viu o que na verdade era a aquele líquido vermelho. Sangue? Ela se virou e deu de cara com o rosto de Alice entre os escombros. A garotinha parecia dormir. A pequena Niah encarou o rosto já pálido de sua amiga. Ela ficou ali parada, sem se mover, sem saber o que sentir.

Lavínia Onde histórias criam vida. Descubra agora