Capítulo 8

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COMANDANTE STEPANOV, 1943.

Quando Alexander abriu os olhos (tinha aberto?), a cela ainda era escura e fria. Tremeu e cercou o corpo com os braços. Não havia nada de desonroso em morrer na guerra, morrer jovem, para morrer em uma cela fria, tentando salvar o corpo da própria humilhação. Certa vez, enquanto enfaixava suas feridas, Tatiana lhe perguntou sem olhar nos olhos, − Você viu a luz? − E ele respondeu que não tinha visto. Era uma verdade parcial. Porque se ele tinha ouvido falar... O galope do cavalo vermelho. Mas todas as cores tinham secado. Alexander, em um estado de semi estupor, ouviu o som da trava e deslizando a chave girando na fechadura. Seu superior, o coronel Mikhail Stepanov, entrou na cela com uma lanterna. Alexander estava encolhido em um canto. − Ah, − disse Stepanov. − Então é verdade: você está vivo. Alexander queria sorrir e apertar a mão dele, mas estava muito frio e com dor nas costas, de modo que não se moveu e não falou nada demais. Stepanov agachou-se ao lado dele. − O que diabos aconteceu com o caminhão? Eu vi o atestado de óbito assinado pelo médico da Cruz Vermelha. Eu disse à sua esposa tinha morrido. Sua esposa grávida pensa que você está morto! Por quê? − Tudo correu como deveria ser − disse Alexander. − Fico feliz em vê-lo, senhor. Tenha cuidado para não inalar, porque o oxigênio não é suficiente para ambos. − Não queria que ela soubesse da sua situação, Alexander? − Stepanov disse, aproximando-se. Alexander balançou a cabeça. − Mas por que o acidente de caminhão, e porque o atestado de óbito? − Eu queria que ela pensasse que não havia esperanças para mim. − Por quê? Alexander não respondeu. − Onde quer que você vá, eu vou com você, − disse Tatiana. − Mas se você ficar, eu vou ficar também. Eu não vou deixar o pai do meu filho na União Soviética. − Alexander se inclina, oprimido pela emoção. − Lembra-se que você me disse em Leningrado? Você disse: − O que será da minha vida se eu souber que te deixei apodrecer na União Soviética? Essas foram suas palavras. Tatiana sorri. − E, nisto, eu concordo com você. − Baixa a voz e acrescenta: − Se eu deixar, durante a noite O cavaleiro de bronze vai galopar atrás de mim e ao amanhecer vou ter enlouquecido. Alexander não poderia dizer isso ao seu superior, ele não sabia se Tatiana tinha deixado a União Soviética. − Você quer um cigarro? − Sim. – Alexander aceitou. Mas aqui eu não posso fumar. O oxigênio não é suficiente. - Stepanov estendeu a mão para ajudá-lo. − Estique as pernas um momento, − disse ele. Observando a cabeça inclinada de Alexander, acrescentou: − Esta cela é muito pequena para você. Eles não esperavam que fosse tão alto. − Ah, sim, eles esperavam. É por isso que me colocaram aqui. – Stepanov desencostou da porta e Alexander estava diante dele. − Que dia é hoje, senhor? – Perguntou Alexander. Estive aqui por muito tempo? Quatro dias, cinco...? − É a manhã de 16 de Março. − o informou Stepanov. − Já está aqui há três dias. − Três dias!

− Alexander pensou surpreso. − Três dias! – Alexander ficou animado. Isso significava que, talvez, Tatiana... Ele parou de pensar. Com um breve e quase inaudível gesto, inclinou Stepanov. − Continue falando em voz alta, para que eles possam ouvir, mas ouvir-me para que eu possa rir com você quando voltarmos ao prado e estivermos comendo trevos... Alexander olhou o rosto de Stepanov, que parecia mais abatido do que nunca, olhou os olhos cinzentos e sua boca desenhou um ricto de angústia e compaixão. – Senhor...? − Eu não disse nada, comandante. Alexander balançou a cabeça para afastar a alucinação de um prado ensolarado coberto com trevos. – Senhor...? Ele repetiu suavemente. − Todos estão irritados, Comandante. − Stepanov sussurrou. − Eles estão à procura de sua esposa, mas... Parece ter desaparecido. Convenci-a de que deveria voltar com o Dr. Sayers para Leningrado, como você me pediu. Facilitei-lhe as coisas. Alexander não disse nada e as unhas se enterraram nas palmas das mãos. − E agora ela se foi. E sabe quem mais está faltando? Dr. Sayers. Ele me disse que pensava em voltar com sua esposa para Leningrado. Alexander se cravou as unhas com mais força para não olhar para Stepanov. −Ele tinha que voltar para Helsinki, mas primeiro passaria por Leningrado − Stepanov continuou. − Disse que deixaria Tatiana e buscaria uma enfermeira da Cruz Vermelha, que estava o esperando no Hospital Grechesky. Está me ouvindo? Mas eles não chegaram a Leningrado. Dois dias atrás encontraram um jipe da Cruz Vermelha virado e queimado em Lisiy Nos, na fronteira entre a Finlândia e a União Soviética. Houve um incidente com os soldados finlandeses e quatro de nossos homens foram mortos no tiroteio. Nenhum vestígio do Dr. Sayers ou da enfermeira Metanova. Alexander não disse nada. Queria pegar o seu coração do chão, mas a cela estava escura e não o encontrou. Ouviu-o rolar para longe, ouviu bater, sangrar e palpitar em um canto. − E os soldados finlandeses também foram mortos no incidente − Stepanov acrescentou, baixando a voz. Alexander respondeu com o silêncio. − E isso não é tudo. − Não? – Alexander soltou um suspiro. − Nenhum sinal de Dr. Sayers. Mas... – Stepanov fez uma pausa. − Seu bom amigo, Dimitri Chernenko, foi encontrado morto na neve. Alexander não sentiu um grande alívio que Dimitri estava morto, mas um pouco de alívio. − O que foi fazer Chernenko na fronteira, comandante? Alexander não respondeu. Onde estava Tatiana? A única coisa que importava era a resposta à esta pergunta. Como chegaria a qualquer lugar sem um veículo? O que o Dr. Sayers e ela fizeram? Caminharam pela Travessia das Zonas Úmidas de Karelia? − Comandante, sua esposa não foi encontrada, Sayers está desaparecido e Chernenko morreu. − Stepanov hesitou antes de acrescentar: - E não só isso, ele apareceu vestido com um uniforme finlandês. Usava roupas de um motorista e tinha um documento de identidade finlandês em vez do passaporte interno Soviético. Alexander não disse nada. Não tinha nada a esconder, mas não quis revelar informações que pudessem pôr em perigo a vida de Stepanov. − Alexander! – Exclamou Stepanov sussurrando com raiva. − Não me ignore. Eu estou tentando te ajudar. − Senhor, - disse Alexander, tentando esconder o medo. − Peço-lhe por favor, não continue ajudando. Ele queria ver um retrato de Tatiana. Queria tocar novamente seu vestido branco bordado com rosas vermelhas. Ele queria ver sua mulher recém-casada, de pé ao seu lado nos degraus da igreja de Molotov. O medo que ele sentia era muito parecido com o duelo, e o pavor agudo que lhe encheu o impedia de ver Tania de pé, seu corpo pressionado contra o dela, seu corpo, seu rosto, seus olhos, seus lábios... tudo era insuportável naquele momento, mesmo as memórias. Ele teve que aprender a não olhar, mesmo na lembrança. Não conseguia respirar ou dizer qualquer coisa. Ele cruzou as mãos tremendo.

Tatiana &  AlexanderOnde histórias criam vida. Descubra agora