Capítulo 11

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A PONTE SOBRE O VOLGA, 1936.

Quando Alexander tinha dezessete anos e estava detido na prisão de Kresty, perguntaram quem era. Tratava-se de uma pergunta rotineira, posto que já sabiam. Eles perguntaram quem era, foram embora e depois de vários dias voltaram a perguntá-lo. – Você é Alexander Barrington? – Sim, eu sou. – constatou Alexander, porque nesse momento não tinha outra resposta e porque pensava que dizer a verdade o protegia. E então a informação o condenara. Naquele tempo, Alexander não teve direito a comparecer ante um conselho de guerra. O único que teve foi uma cela de paredes de cimento, sem janelas e com uma grade que servia de porta, um vaso sanitário para fazer suas necessidades, uma lâmpada nua no teto e sem privacidade. O obrigaram a permanecer de pé enquanto liam um papel com voz estrondosa. Eram dois homens, e quando o primeiro terminou de ler, como se Alexander não tivesse entendido, o segundo pegou o papel e começou a lê-lo novamente. Alexander ouviu pronunciar claramente seu nome: ―Alexander Barrington, e ouviu ainda mais claramente a sentença: ―Dez anos no campo de trabalho de Vladivostok por desenvolver atividades subversivas em Moscou em 1935 e por criticar os ensinamentos econômicos do nosso Pai e Mestre, prejudicando o governo soviético. Ouviu que o condenavam a dez anos e pensou que ouviu mal. Mas voltaram a ler pela segunda vez. Estava a ponto de dizer: ―Onde está meu pai? Ele providenciará, ele me dirá o que devo fazer. Mas não disse nada. Sabia que tudo o que lhe aconteceu, aconteceu com sua mãe e seu pai, uma vez que tinham acontecido com as setenta e oito pessoas que viveram com eles na residência de Moscou, ao grupo de piano que Alexander frequentava, ao grupo de comunistas que pertenciam a seu pai e ele, e ao seu amigo Slavan, o que viveu felizmente exilado em tempos de Nicolas II. ―Estaria Nikita na banheira de algum outro hotel Alexander se perguntou. Duvidava. Perguntaram-lhe se estavam claras as acusações e se tinha entendido a pena que a correspondia. Ele não entendia as acusações nem entendia a pena que a correspondia. De todo modo, assentiu com um gesto. Ocupou-se tentando imaginar a vida que ele estava destinado a viver. A vida que seu pai queria que ele vivesse. Ele gostaria de ter perguntado a Harold se queria que seu filho passasse a juventude trabalhando de graça para dois dos planos de cinco anos de Stalin para promover a industrialização na Rússia (como uma parte de capital fixo, este conceito que Alexander entendia tão bem justamente porque sabia que o era trabalhar fora do Estado Soviético). Mas Harold não estava ali para responder. Trabalhar de graça em uma mina de ouro em tundra na Sibéria porque um regime utópico era incapaz de pagar-lhe, era parte de seu destino? – Tem alguma pergunta? – Onde está minha mãe? – quis saber Alexander – Quero me despedir dela. – Sua mãe? – os guardas riram – Como porra devemos saber onde sua mãe está? Você está indo embora amanhã de manhã. Veja se você pode encontrá-la até lá. Eles saíram rindo, deixando Alexander de pé no meio da cela. – Teremos sorte de ir a Vladivostok. – disse o preso coberto de cicatrizes que estava sentado ao seu lado – Acabo de sair do Perm-35 e é um inferno. – Ah, onde é isso? – Perto da cidade de Molotov. Já ouviu falar do Perm? Porto dos Montes Urais no rio Kama. Não é tão longe como Vladivostok, mas é muito pior. Ninguém sobrevive no Perm. – Você sobreviveu. – Porque ultrapassei minha cota de produção em cinco trimestres consecutivos e me deixaram sair em dois anos. Gostaram da minha produtividade capitalista e decidiram que o proletário em dentro mim tinha trabalhado o suficiente para um homem comum. Quando terminou de localizar Vladivostok no mapa da União Soviética, Alexander compreendeu que não tinha escolha a não ser fugir, mesmo não tendo dinheiro e nem para onde ir, queria ter alguma possibilidade de viver. Se havia um inferno na terra, estava em Vladivostok. Teria que atravessar os Urais em um vagão de gado, cruzar a planície oeste da Sibéria e pelo planalto da Sibéria central e toda a Mongólia e ao redor de toda a China para apodrecer em uma cidade industrial de cimento em uma estreita faixa de terra às margens do Mar do Japão. Alexander estava seguro de que era impossível sair da eternidade de Vladivostok. Ao longo de mil quilômetros Alexander olhou para a pequena porta do trem quando os guardas abriram para que os prisioneiros respirassem. E a oportunidade se apresentou quando se aproximaram do Volga. ―Vou saltar, pensou. O rio estava muito abaixo, a instável ponte ferroviária cruzava o abismo a uns trinta metros de altura. Alexander não sabia nada do Volga. Era perigoso? Era profundo? Era rápido? Mas ele viu que era grande e recordou que desembarcava a mil quilômetros, em Astrakhan, no mar Capian. Não sabia se tinha outra oportunidade (uma melhor), mas sabia que se sobrevivesse ao Volga poderia chegar a alguma das repúblicas do sul, Georgia, talvez, ou Armênia, cruzar a fronteira e entrar na Turquia. Ele desejou ter os dólares americanos da sua mãe. Alexander havia devolvido o livro a biblioteca na volta da fracassada viagem a Moscou, e pouco depois o tinham detido e já não teve condições de recupera-lo. Mas ainda sem o dinheiro, sua única alternativa era escapar ou morrer. Olhou para baixo e sentou um frio no estômago. Sobreviveria? De repente pensou que não queria morrer. Lembrou-se de William Miller, seu amigo de Barrington. Legal, loiro, popular William Miller. Começou a ter aulas de natação desde as cinco semanas de vida. Podia saltar e dar cambalhotas e prender a respiração debaixo d 'água, e era capaz de nadar e saltar melhor que qualquer outro menino de Barrington, incluindo Alexander, que se atreveu a fazer o teste. E uma tarde de verão, quando tinha oito anos,   jogavam imitando o Tarzan na piscina olímpica da casa de William, lançando-se de cabeça na parte onde a água media três metros e meio de profundidade. William saltou de um trampolim de menos de um metro de altura sobre mais de três metros de água, mas não considerou que Ben, o garoto gordinho que morava na mesma rua, foi cair perto do trampolim no momento do infeliz salto. William o viu em uma fração de segundo mais tarde e se desviou para esquerda para esquivar de seu corpo gordinho. Ouviu-se um clique quando sua cabeça golpeou a parede da piscina, e a partir de então William Miller encontrava-se em uma cadeira de rodas empurrada por uma enfermeira e alimentado através de um tubo inserido no estômago. Raro? Poderia ter algo mais raro que um jovem de dezessete anos, que superava um metro e noventa de estatura e pesava oitenta quilos, se lançar de uma altura de trinta metros a uma corrente de água que aparentemente não chegava aos três metros de profundidade e estava cheia de rocha? Alexander não sabia sobre o problema que determinou as leis inexoráveis da física, mas algo lhe dizia que elas não estavam ao seu favor. Não tinha tempo para se assustar ou refletir. Sabia que o salto podia ser mortal. Sabia. Seu estômago sabia. Seu coração explodindo sabia. Mas ao menos seria uma morte rápida. Ele fez o sinal da cruz. Em Vladivostok, ele estaria morrendo para o resto da sua vida. Murmurou ―Meu Deus, me ajuda e saltou do trem, somente com o uniforme de presidiário. Trinta metros eram muitos metros, apesar de que o salto durou apenas uns segundos; no momento em que Alexander tocou a água, o trem estava quase do outro lado do rio. Havia pulado de pé outras vezes e desejou que o Volga fosse bastante fundo para suportar a sua queda. E era. Também era um rio de águas frias e rápidas. A correnteza do rio o agarrou e o arrastou a meio quilômetro, teve que agitar os braços a todo o tempo para respirar, e quando pode virar o rosto na direção da ponte, o trem não era mais que um pontinho na distância. Aparentemente, não tinham parado. Alexander não sabia se o viram saltar, além do prisioneiro ao seu lado e que tinha ido de  Leningrado para o Volga sorrindo e murmurando: ―Meu jovem, você vai var o que o espera quando chegar a Vladivostok. Não quis arriscar-se a sair enquanto ainda via a ponte. Deixou-se levar pela correnteza ao longo de cinco quilômetros, visto que estava muito cansado. Era verão e não demorou em se secar. Desenterrou umas batatas e as comeu crua, tirou suas roupas, montou uma cama com folhas e uma cobertura com alguns ramos (dando graças aos escoteiros) e foi dormir. Quando acordou, suas pernas doíam e seu uniforme estava encharcado. Como ele não sabia fazer roupas novas decidiu acender uma fogueira, pôs o uniforme para secar e virou do avesso para esconder o cinza da prisão. Ele manchou com folhas verdes em cima das roupas para disfarçar ainda mais a cor, um pouco de lama, algumas polpas de morango, e quando já não se via que era um uniforme proporcionado pela NKVD, ele começou a andar, ficando perto do rio. Alexander viajou abaixo do Volga em barcaças de carga e barcos de pesca, oferecendo sua ajuda às tripulações, até que um pescador lhe pediu o passaporte. A partir de então se afastou do rio e decidiu atravessar as montanhas que separam Georgia de Turquia. Manteve-se afastado de pescadores e camponeses porque sabia que antes ou depois o pediriam a documentação e ele não tinha passaporte, somente um carnê de presidiário, que obviamente não podia mostrar. O havia queimado. Viajando sem aceitar ajuda tinha uma grande desvantagem em lentidão. Andando podia percorrer mais ou menos trinta quilômetros por dia. De vez em quando se arriscava subindo em algum carro para chegar um pouco mais ao sul. Um dia, ao atravessar um campo de trabalho, Alexander parou para conversar com uma menina de cerca de quinze anos. Pediu água e um pouco de pão e perguntou se podia fazer algum trabalho para ganhar umas moedas. A jovem o levou para a sua casa e lhe apresentou aos seus bondosos pais. Era uma garota de calejadas mãos de camponesa; a garota de castanhos e grossos cabelos, rosto redondo e carnes abundantes; a garota tinha o pescoço e os braços cobertos de suor destacava uma pequena cruz de ouro quase horizontalmente, tão saudável e jovem era ela. Alexander não chegou a Geórgia. Acabou ficando em Belyi Gor, um vilarejo próximo a Krasnodar, na costa do Mar Negro, pertencente ainda à república Russa, onde (porque havia notado Larissa e porque era agosto, o mês da colheita) ofereceu sua ajuda aos Belov, à família da jovem. Yefim e Mariza Belov tinham quatro filhos: Grisha, Valery, Sasha e Anton, e uma filha. Os Belov não tinham espaço para ele em sua pequena fazenda, mas Alexander ficou de bom grado no celeiro, dormiu no feno, trabalhava de sol a sol e pela noite pensava em Larissa. Ela entreabria a boca em um meio sorriso e sempre parecia arfar um pouco ao respirar. Alexander sabia que era um esquema, mas funcionou porque ele estava com fome e precisava de alimento. Seu corpo tinha estado tenso por muito tempo, na fuga e em guarda. Larissa era uma promessa de consolo. No entanto, Alexander manteve distância por medo dos irmãos. Tantas horas desenterrando batatas, cenouras e cebolas e cortando trigo para o kolkhoz converteram-se em uma espécie de animais de fazenda, e viver junta a sua irmã adolescente, exuberante e cheia de vida o fez desconfiar dos trabalhadores errantes que removiam a camisa para trabalhar sob o sol e a cada dia que passava ficavam mais morenos e mais esbeltos. Alexander tinha dezessete anos, mas parecia um homem e comia como um homem e trabalhava como um homem. Em todos os sentidos, tinha o apetite de um homem e o coração de um homem. Larissa se dera conta, seus irmãos também. Por isso Alexander manteve distância. Ofereceu-se para construir fardos de palha. Ofereceu-se para cortar lenha para as reservas do inverno. Ofereceu-se a construir uma mesa maior, pensando que recordaria da época em que seu pai usava serra, pincéis, martelos e pregos. Ofereceu-se a tudo isso com a esperança de que o trabalho o mantivesse no celeiro, fora do campo. Naturalmente, quanto mais esquivo se mostrava, mais insistia Larissa, que se mostrou tão descarada como podia ser uma camponesa de quinze anos que vivia com seus pais e seus quatros irmãos homens em uma pequena fazenda. Um tarde de final de agosto na calorosa Krasnodar, ao redor do Mar Negro, Alexander estava no celeiro construindo fardos de palha. Viu uma fresta de luz no chão e quando virou, a luz tinha sido apagada por Larissa que estava em pé na frente dele. Alexander tinha nas mãos uma forca, um rolo de barbante e uma faca. Larissa lhe perguntou em voz baixa o que estava fazendo. ―Faço fardos de palha, Alexander estava a ponto de contestar, mas compreendeu que ela não esperava resposta. Em outras circunstâncias, Alexander não teria se contido. Ele mal conseguia se conter agora. Mas a menina era um problema, ele sentiu isso. – Isto não pode terminar bem, Larissa. – disse. – Não sei do que estás falando. – contestou ela, caminhando em direção a ele. Ela estava descalça e usava um vestido que era apenas um pedaço de tecido. – Faz um calor terrível ali fora. Entrei para abrigar-me um momento na sombra. Não se importa, não é? – Seus irmãos irão me matar. – disse Alexander, virando-se de costas para ela, inclinando-se para o feno. – Por que eles fariam isso? Você está trabalhando tão duro e eles estão contentes. Ela chegou mais perto. Ele podia sentir o cheiro de suor de verão em seu corpo. Ela inalou. Ela também podia sentir o seu suor. – Para. Ela deu outro passo em sua direção e se deteve. Alexander não se moveu para trás, mas pelo canto do seu olho a viu subir na barra de madeira que fechava um curral. – Eu só vou sentar aqui e ver você. – ele a ouviu dizer. Alexander olhou para ela por um momento e retornou ao trabalho. Seu corpo estava a ponto de render-se. Pensou que poderia desfrutar de um doce alívio e que seria  só um instante sem consequências. Larissa estava tão perto que Alexander podia sentir seu corpo jovem, seu cabelo lavado, sua respiração. Fechou os olhos por um momento. – Alexander. – disse Larissa com uma voz profunda – Olha para mim, quero te mostrar uma coisa. Dolorosamente, hesitante, desesperadamente, Alexander a olhou. Larissa levantou pouco a pouco a saia e separou as pernas. Seus quadris eram um pouco abaixo do nível dos olhou de Alexander. Seu olhar parou entre as coxas nuas. Um gemido escapou dele. – Vem aqui, Alexander. Ele foi. Empurrando as mãos dela, se colocou de pé entras as pernas de Larissa e subiu seu vestido para deixar seu corpo à mostra. Ofegante e suando, com voracidade, colocou a boca nos lábios de Larissa e depois se inclinou febrilmente para os seus seios, seus dedos acariciando a pele macia e quente da menina... Larissa gemia e se agarrava à barra de madeira. Ouviram umas risadas repentinas fora do celeiro e Larissa o afastou com um empurrão. Mas Alexander não queria se afastar. Larissa lhe deu outro empurrão e saltou para baixo da barra que estava empoleirada. Um feixe de luz iluminou o feno e Grisha, o irmão mais velho, entrou no celeiro. – Ah, aí está você Larissa. – disse – Estava te procurando por todas as partes. Sai daí, não incomode Alexander. Não vê que ele tem muito trabalho? Mamãe perguntou por que ainda não colocastes as vacas para pastar. O agricultor estará aqui para o leite. – Já vou. – respondeu Larissa, passando por Alexander. Grisha saiu do celeiro seguido de Larissa, que antes de desaparecer pela porta voltou a olha-lo, com um delicioso sorriso no rosto. – Alexander, - sussurrou – prometo que da próxima vez não será interrompido. Eu vou te comer com beijos e vou te chamar de Shura, não de Sasha como chamam o meu irmão. Só você esperar.  Alexander não pôde pensar em outra coisa pelo resto do dia, ou da noite, ou quando foi dormir só no celeiro. Mas no dia seguinte ocorreu algo que o salvou do auto sacrifício. Pela manhã viu Larissa com a cara muito pálida. – Não me sinto bem. – disse sem olhá-lo quando ele se aproximou dela, e ergueu as mãos para afastá-lo. – Não importa. – disse Alexander – Eu farei você se sentir melhor. – Fique longe, Alexander. – respondeu Larissa, afastando-o com um gesto débil e desviando o olhar – Faça um favor a si mesmo. Fique longe de mim. Alexander perplexo voltou a trabalhar. Ele não a viu pelo resto do dia, mas a noite durante o jantar viu que a palidez havia somado à febre. E a febre subiu mais na noite seguinte e um dia depois apareceu uma erupção vermelha no rosto. – Oh, não. – disseram aterrorizados os familiares de Larissa – Ela está doente. E logo veio a febre e a erupção de Alexander, mas quando adoeceu ninguém disse ―Oh, não com a voz aterrorizada. E o cavaleiro do apocalipse chegou montado em um cavalo pálido que todo mundo sabia que era a febre tifoide incurável e contagiosa. A dor de cabeça antes do primeiro surto foi tão forte, tão terrível, tão doloroso que, quando a febre de 40 graus e erupção cutânea acompanhada de inchaço, descamação e coceira apareceram, Alexander agradeceu a distração que o delírio lhe proporcionava. Os irmãos tinham febre e Larissa perdia sangue, e logo os pais começaram a delirar, e logo Larissa morreu. Em certo momento estava recebendo as ardentes carícias de Alexander, e no momento seguinte estava morta e sem enterrar porque todo mundo estava cansado demais para cavar um buraco, de maneira que seu cadáver permaneceu na casa de campo, e todos seguiram gemendo e esperando que o cavaleiro fosse buscá-los. E o cavaleiro chegou. Só sobreviveram Yefim, o pai de Larissa, e Alexander. Levaram vários dias, semanas talvez, sem sair para o exterior. Ajudavam um ao outro, bebiam água e rezavam, e Alexander começou a misturar inglês e russo nas suas orações, a pedir pela paz, por sua mãe e seu pai, a implorar por suas vidas, pelos Estados Unidos, por sua saúde, por sua vida, por sua mãe, por Teddy, por Belinda, por Boston, por Barrington, pelas florestas,  porque, finalmente, a morte veio, porque não podia suportar mais, e de repente viu os olhos angustiados de Yefim, sentiu o toque da mão de Yefim, o ouviu sussurrar o que saia da boca sangrenta de Yefim: ―Não morras, filho, não morras aqui, desta maneira. Volte para seu pai e sua mãe. Volte para casa. Onde é a sua casa, filho. Yefim morreu. Mas Alexander não. Por volta de seis semanas de quarentena, começou a melhorar. As autoridades soviéticas, para evitar que o calor do outono propagasse a doença por toda a região Cáucaso, queimaram a aldeia de Belyi Gor com todos os cadáveres e as cabanas e os celeiros e os campos que havia em seu perímetro. Alexander que sobreviveu, mas não era nada, adquiriu uma identidade nova com o nome de Alexander Belov, o terceiro filho de Yefim. Quando os trabalhadores do conselho soviético apareceram, com máscaras no rosto e folders nas mãos, e lhes perguntaram como se chamava, Alexander respondeu sem vacilar: ―Alexander Belov. Os trabalhadores do conselho soviético buscaram o nome no registro de Belyi Gor, verificaram os dados da família Belov e entregaram a Alexander um novo passaporte interior que o permitia se deslocar dentro da União Soviética sem que o detivessem por falta de documentação. Alexander subiu em um trem e com o visto do conselho soviético regressou a Leningrado e se instalou na casa de Mira Belov, a irmã de Yefim. Mira lhe lançou um olhar atônito quando se apresentou em sua porta. Por sorte, a mulher estava doze anos sem ver o autêntico Alexander Belov e a sua família e ainda assinalou surpresa seus cabelos e seus olhos negros e seu corpo alto e magro (―Sasha, eu não posso acreditar... aos cinco anos era baixinho, loiro e gordinho), a imprecisão de suas memórias a impediu de suspeitar. Alexander se instalou com ela e ocupou uma cama no quarto, uma cama que era de meio metro mais curto que ele. Jantava com Mira e seu marido e os pais do marido e tratava de estar menos possível em casa. Tinha um plano: terminar a escola e depois ingressar no exército. Alexander não tinha tempo para recordar, pensar ou sentir dor. Tinha uma única missão (voltar a ver seus pais), um único objetivo, um único sonho: de uma forma ou de outra, estava decidido a deixar a União Soviética.

Tatiana &  AlexanderOnde histórias criam vida. Descubra agora