NOVA YORK, DEZEMBRO DE 1945.
Tatiana estava colocando Antony na cama quando ele lhe perguntou: − Jeb poderá ser meu pai mamãe? − Perguntou Anthony enquanto sua mãe o abrigava. − Me parece que não, amor − respondeu Tatiana. − E Edward? − Edward pode ser que sim. − Você gosta de Edward? − Sim, ele é bom comigo. − Sim, amor Edward é um bom homem. −Me conta uma história, mamãe? Tatiana se acomodou junto à cama de seu filho e juntou as mãos como se fosse rezar. − Queres que te conte uma dessas do ursinho Pooh, que encontrou um pote de mel e que se acaba e engorda e engorda e tem que ficar de dieta? − Não, esse não. Uma de terror. − Não sei nenhuma história de terror. − Uma de terror − Insistiu a criança em um tom que não admitia discussões. Tatiana pensou um pouco... − De acordo. Contarei uma história de Danaë, a mulher do cofre. − A mulher do cofre?
− Em um museu, muito importante de Leningrado, a cidade onde eu nasci, havia um quadro de Danaë pintado por Rembrandt. Porém quando começou a guerra tiveram que esvaziar o museu e não sei se esse quadro e os demais estão a salvo. − Me conta a história da mulher do cofre, mamãe? − Tatiana tomou um assento e começou a falar. − Havia uma vez um homem muito covarde que se chamava Acrisio, que tinha uma filha com nome de Danaë... − Danaë era jovem? − Sim. − Era uma linda Princesa? −Anthony soltou uma risadinha. − Sim−Tatiana fez uma pausa. − Porém Acrisio escutou o oráculo. − O que é um oráculo? − Alguém que pode ver o futuro... E Acrisio se assustou muito, porque o oráculo lhe disse que o filho de Danaë iria matá-lo. − Não queria que lhe matasse? − Não. Por isso fechou Danaë em uma torre de bronze, para que ninguém ficasse perto dela e lhe fizesse um filho. Anthony sorriu. − E entrou alguém? − Sim, entrou Zeus. Tatiana juntou as mãos − O Deus Zeus se transformou em uma chuva de ouro, entrou na torre de bronze e amou a Danaë... E lhe deu filho, um menino. − Sabe que nome lhe deram? De Perseu. − Perseu. − repetiu Anthony. * Danaë é uma pintura de Rembrandt que desde o século 18 reside no Museu Hermitage, St. Petersburgo, Rússia. Com a invasão alemã da União Soviética em 1941, antes do cerco de Leningrado começou, dois trens com uma parte considerável das obras de arte do Museu foram evacuados para Sverdlovsk. Tatiana concordou. − Quando Acrisio descobriu que sua filha havia tido um menino, se assustou tanto que não sabia o que fazer. − Não se atrevia a matá-lo, porém, não podia deixá-lo livre. Por isso fechou a mãe e o filho em um cofre de madeira e os jogou ao mar em plena tormenta. Anthony ouvia encantado. − Não tinham comida e o cofre se agitava com o forte balanço das altas ondas. Danaë tinha muito medo. − Tatiana sorriu − Porém Perseu sabia que seu pai não deixaria que acontecesse nada de mau. − Fez uma pausa − E assim foi... Zeus pediu ajuda a Poseidon que acalmou as águas e permitiu que o cofre chegasse sem problemas à costa de uma ilha grega. Anthony sorriu. − Sabia que se salvariam − Respirou fundo − E viveram felizes para sempre? − Sim − O que aconteceu a Perseu? − Um dia, quando você for maior, te conto que futuro teve Perseu. − Serás o oráculo? − Isso mesmo... − Não morreu? − Não. Cresceu e se transformou em um homem muito bonito. Os nativos sabiam que era de um nível superior... Não só filho de um Rei, mas sim filho de um Deus maior. Perseu se transformou em um homem forte que sempre ganhava de seus adversários. Nos jogos, porém ele queria submeter-se a provas mais difíceis, para demonstrar seu heroísmo. Anthony olhou muito sério a sua mãe. − Chegou a ser um herói? − Quando você for maior te conto o que fez ―Górgona, a medusa e o monstro marinho... Agora não, porque não quero que tenha pesadelos. Quero que você sonhe com algodões de açúcar e com o jogo de cobra cega. Entendido? − Espera um momento, mamãe... O oráculo tinha razão? Perseu matou o homem? − Sim, filho. Perseu matou Acrisio sem dar-se conta do que fazia. − Então Acrisio fez bem jogando eles ao mar. − Suponho que sim. Porém não serviu de nada, verdade? − Não. Esta história não era de terror, mamãe. Conta-me outro dia a do monstro marinho? − Pode ser. Me dê um beijo, amor. − Tatiana saiu do quarto e fechou a porta atrás dela. Vikki havia ido à festa de Natal do hospital. Tatiana não quis acompanhá-la. Estava sentada na mesa da cozinha, com uma xícara de chá ouvindo uma leitura do decreto do processo de Nuremberg na rádio, quando tocou a campainha. Era Jeb. Usava a jaqueta branca da marinha e se via alto e robusto e.... − O que faz aqui? − Perguntou Tatiana, surpreendida. Não te esperava. − Vim te ver − Disse Jeb, meio que entrando em casa. − Entra... − Murmurou Tatiana, e fechou a porta − É um pouco tarde. − Tarde para que? − Aceita uma xícara de chá? − Perguntou Tatiana, a caminho da cozinha. − Tem cerveja? − Não, só chá. Serviu o chá e se sentou juntou a ele no sofá, nervosa e tensa. Jeb tomou um pouco e afastou a xícara. − Que silêncio − disse − Não está Vikki? − Saiu um momento − respondeu Tatiana. − Às onze horas da noite? − Voltará em breve. Jeb lançou uma olhada de lado − Olha, eu estive pensando que você e eu nunca tivemos um momento sozinhos. − E colocou uma mão em sua coxa. − Ah, não? −Tatiana não se afastou. − Não, porque não vem a minha casa? − Não divide uma casa com Vicent? − E o que tem isso? − Não estaremos sozinhos tampouco. − Porém aqui estão sempre Vikki e Anthony. Disse Jeb, insistente. − Não posso deixar Anthony em nenhum lugar − Contestou Tatiana, olhando para ele de lado. − Ok, e agora dorme? − Sim, porém tem um sono leve. Jeb deitou ela sobre o sofá e chegou bem perto de sua boca. − Espera... − Disse Tatiana, afastando-se − não me deixas respirar... Tentou escapar de Jeb, mas ele não tinha nenhuma intenção de soltá-la. − Cheira tão bem − exclamou Jeb e estamos sozinhos. − Afasta, por favor. − Tania, bonita... Não sabes com quem está falando. − Você tão pouco sabe com quem está falando − declarou Tatiana, que por fim conseguiu se afastar e caiu no chão ofegante. − Sinto muito, Jeb, estou cansada e amanhã tenho que me levantar muito cedo. Agradeceria se você fosse embora. − Ir embora? − disse Jeb, irritado. − Não vou à parte alguma até que... Porque você acredita que eu vim aqui? − Não sei Jeb, e não quero imaginar. Suponho que a discutir comigo, mas não estou com humor para discutir. − Não quero discutir contigo, Tatiana − Disse Jeb, levantando-se do sofá e inclinando-se para ela. O que quero é outra coisa. − Eu não quero nem discutir e nem outra coisa − Disse Tatiana brava com ele, com sua estatura, com seu uniforme de marinho e sentindo também um pouco de desprezo por si mesma. Um desprezo que se mesclava com remorso e com sua clareza súbita. Como podia ter sido tão transparente? − Você tem me provocado Tania − declarou Jeb, sentando-se no sofá. − Não era minha intenção. Estávamos nos conhecendo, isso é tudo. − Com certeza! Francamente, adoro te conhecer um pouco melhor. Tatiana dirigiu um olhar frio a Jeb, que havia sentado com as pernas muito abertas e com os braços estendidos em um respaldo do sofá. − Tenho um filho no quarto. Como você pode pensar dessa maneira? Protestou Tatiana, dirigindo para a porta. Jeb se levantou de um salto e agarrou-a pelo braço. − Não vou embora. − Você vai, Jeb − disse Tatiana − Se você quer voltar a me ver, vai agora mesmo. − É uma ameaça? − Perguntou Jeb tirando a jaqueta − O que você vai fazer? − Deu um sorriso − me expulsar? Deter-me? − Sim e sim − disse Tatiana. Jeb aproveitou e a puxou para ele. − Você acredita que não me dei conta com você me olha? − Perguntou num sussurro − Sei também que você me deseja Tania. − Me deixa − Exclamou Tatiana, tentando escapar dele. Sentiu uma súbita tristeza por sim mesma. Jeb deu um sorriso e a puxou ainda mais para perto dele. Tatiana agarrou um braço dele e deu um forte beliscão no pulso. − Se controle! − Ai, se queixou Jeb − Você gosta da brutalidade? É isso o que você quer? − Não me entendeu? − falou Tatiana − Não quero nada. Cometi um erro. − É tarde para erros, minha linda. − Estou cansado de ter tantos olhares... − Tatiana estava presa embaixo dele e sentia tanto asco por si mesma que não sabia o que fazer. "Alexander me amava", pensou. "Esta não pode ser minha vida." Fingiu que dava um beijo em Jeb e deu uma mordida que cortou seus lábios. Jeb soltou um chiado e Tatiana empurrou e se colocou de pé em um salto. Ele também se incorporou e lhe deu um tapa na cara antes que ela pudesse se esquivar. Tatiana viu um flash branco e caiu no chão. Ouviu um barulho no dormitório e quando tentou recuperar - se viu seu filho de pé junto a porta do quarto, encostado na parede, olhando a Jeb e tremendo. Com a respiração acelerada, Tatiana apontou a P38 a Jeb, que a olhava ofegante e sorrindo. − Sai da minha casa! Surpreendido, Jeb observou a arma e começou a sorrir. − De onde diabos você tirou esse brinquedo? − Meu marido, o pai do meu filho, me deu para que eu pudesse me defender de canibais como você − explicou − Ele era comandante do Exército Vermelho e me ensinou a disparar. Assim sai agora da minha casa. Estava de pé, com as pernas separadas e mantinha a arma com as duas mãos. − Está carregada? − Perguntou com desdém Jeb. Tatiana fez uma pausa, levantou a arma, apontou um pouco para esquerda, tomou fôlego e disparou. Jeb cambaleou e caiu no chão. A bala perfurou a parede de gesso e ficou alojada no revestimento do edifício. O disparo havia feito um barulho. Anthony não saiu do quarto. No piso de baixo ouviu tímidos golpes de protestos dos vizinhos. Tatiana chegou perto de Jeb e deu um golpe na cara com a coronha da arma. − Sim, está carregada − Declarou − E agora, vai embora de uma vez. − Você está louca? − Gritou Jeb, levantando as mãos para ela. − Tatiana se afastou uns passos e voltou a apontar. − Vai se arrepender! Quero que saiba que não vai me ver mais − exclamou Jeb, se colocando de pé.
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Tatiana & Alexander
RomanceTatiana agora tem dezoito anos. Viúva e grávida, ela foge da devastada Leningrado para começar uma vida nova na América. Mas os fantasmas de seu passado não descansam facilmente. Ela passa a ser consumida pela crença de que seu marido, o general do...