NAS MONTANHAS DE SANTA CRUZ, OUTUBRO 1944.
Em uma tarde fria de outono, quando passavam seis semanas desde o dia em que eles tinham atravessado a ponte de Santa Cruz e, quando se aventuraram cem quilômetros nas densas florestas das montanhas, Alexander e seus homens passaram três horas sob fogo inimigo. Viviam entre as árvores. À noite, aramavam as tendas se o combate tivesse cessado, e se não cessava se vestiam com as roupas de guerra e dormiam no chão. Eles acendiam fogueiras para cozinhar, mas a comida escasseava mais do que gostariam. As lebres escapavam quando ouviam se aproximar o batalhão; Havia poucos riachos e quando encontravam algum tinham poucos peixes, mas ao menos poderiam se lavar. A época das bagas tinha terminado, e cogumelos mal cozidos lhes tinha causado a todos cólicas terríveis até que Alexander não tinha escolha, a não ser proibir o seu consumo. O cabo do telefone quebrava muitas vezes nos terrenos difíceis, e suprimentos militares estavam esgotados antes da chegada do próximo reforço. Alexander fabricou sabão com banha de porco e cinzas, mas os soldados não ligavam muito para se lavarem. Sabiam que havia uma relação simbiótica entre piolhos e tifo, mas não se importavam. Eles preferiam comer a manteiga antes de usá-la para fazer sabão, e passaram semanas com o rosto e corpo coberto de pólvora, lama e sangue. Terminaram todos com pé de trincheira por usar as botas permanentemente molhadas. Era um batalhão inteiro abrindo passo através da floresta, mas os alemães tinham tomado posição no topo, como haviam feito em Sinyavino e Pulkovo, e precisavam de poucos homens para repeli-los. Antes de encontrar-se com os alemães, o batalhão de Alexander tinha conseguido avançar um trecho pela montanha. No entanto, apesar de receber homens e munições por duas vezes não conseguiram quebrar as defesas nazistas e tiveram que parar na metade da encosta. Do outro lado das árvores vinham os gritos do inimigo, entre as rajadas de tiros que aconteciam de manhã à noite. Os alemães estavam parados acima dos soviéticos, mas também para a direita e para a esquerda. Alexander começou a suspeitar de que não haviam estabelecido uma linha defensiva, mas um cerco. Suas tropas não conseguiram avançar nem um metro e faltava apenas uma hora para o anoitecer. Alexander tinha de quebrar o bloqueio se não quisesse que a floresta fosse seu túmulo, como já havia se tornado o túmulo de Verenkov. O pobre Verenkov disparava às cegas, mas foi incapaz de se esquivar dos tiros. A Fortuna o havia deixado chegar vivo até a montanha, mas tinha parado seus passos ali mesmo. Alexander e Ouspenski o enterraram na cratera aberta pela Granada que o matara e penduraram o capacete uma vara cravada no chão. − Quem está aí? − Alexandre exclamou quando o tiroteio parou. − Juro que ouvi falar em russo, Ouspensky. Será uma alucinação? Ouça. − O que eu ouvi é o clique de uma Maschinengewehr 43. − Se referia à metralhadora usada pelos alemães. − Ouça, ouça. Eles vão dar a ordem para carregar a fita: verá como eles falam em russo. Eu juro que era russo! − Você sente falta da Rússia, capitão? − Ouspensky perguntou, olhando para ele com simpatia. − Vai à merda! − Alexander protestou. − Eu digo que eu ouvi falar em russo. − Acha que estamos disparando contra nossos compatriotas? − Não sei. Seria tão absurdo? Como podem ter chegado até aqui? − Não sei, senhor ... Já ouviu falar de Vlasovistas? − Dos Vlasovistas? − Os russos que mudaram de lado depois de terem sido feitos prisioneiros pelos alemães. Sim, eu ouvi falar deles, − Alexander disse secamente. Não queria discutir com Ouspensky, enquanto estavam lutando para salvar seus homens. Ouspensky não tinha nenhum senso de urgência. Sentado ao lado de uma árvore, recarregava a Shpagin e distribuía os projeteis em fileiras para que Alexander os introduziu-se no morteiro, calmamente, como se nada estivesse acontecendo. Alexander tinha ouvido falar, é claro dos Vlasovistas. O panorama labiríntico da luta partidária contra os alemães, os Vlasovistas eram os seguidores do general russo Andrei Vlasov, que tinham passado para o lado dos nazistas depois de terem sido feitos prisioneiros pelos alemães e agora lutavam contra seus antigos camaradas de armas para libertar a Rússia do Exército Vermelho. Vlasov estava sob prisão domiciliar depois de organizar um Exército de Libertação que tentou confrontar por sua conta a forças stalinistas, mas muitos russos ainda estavam lutando em seu nome, em brigadas lideradas pelos alemães. − Não podem ser Vlasovistas Ouspensky. − O General Vlasov está preso, mas seus homens ainda estão lutando do lado alemão. Mais de cem mil e também estão nessa área. Por um momento, o tiroteio cessou e se ouviu claramente uma frase em russo: − Recarregar a metralhadora! − Detesto ter razão − Alexander disse, olhando para Ouspensky com as sobrancelhas levantadas. − E agora? Nós não temos nenhuma munição. − Não é verdade − Alexander respondeu alegremente − Ainda me restam quatro carregadores e meio tambor. E não tardarão em chegar reforços. Era mentira. Alexander suspeitava de que o cabo de telefone tinha rompido de novo, ao qual foi somado um problema adicional: o técnico de comunicações tinha morrido. − Há pelo menos trinta homens nas árvores. − Então, é melhor que não fale, não é? − Não é verdade que vão chegar reforços. Chegou todo o previsto. Há duas semanas Konev enviou armas e munições, juntamente com mais de cem soldados, dos quais nenhum sobreviveu. − Em vez de reclamar, tenente, faça que seus homens se preparem para abrir fogo. Dez minutos depois, Alexander tinha esvaziado tambor. E os tiros de seus homens também haviam silenciado. − Qual a distância da fronteira alemã? − Perguntou Ouspensky. − Nos separam uns cem mil soldados alemães, tenente. − O que vamos fazer agora? − Ouspensky suspirou. − Desprende a faca. − Luta corpo a corpo entre as árvores. − Está como uma cabra − Ouspensky disse baixinho, para que ninguém ouvisse. − Tem alguma outra proposta? − Se eu tivesse, seria capitão e você estaria a obedecer minhas ordens. − Ouspensky fez uma pausa. – Alguma vez já teve que obedecer a ordens de alguém, Senhor? − Caso você não tenha notado, tenente − Alexandre respondeu, rindo − eu também tenho chefes. − Sim, e onde eles estão agora, quando deveriam ordenar nossa retirada? − Não podemos retirar-nos. Sabe que atrás de nós, temos duas dúzias de agentes NKGB dispostos a atirar sobre nós para nos parar. Alexander calou-se e olhou pensativo. Eles estavam sentados no chão um ao lado do outro, com as costas contra uma árvore. − Você disse que o NKGB atiraria em nós? − Ouspensky perguntou depois de um momento. − Sem dúvida − Alexander respondeu, sem olhá-lo. − Que disparariam contra nós? − Pode-se saber o que lhe acontece, tenente? − Alexandre perguntou, olhando para ele neste momento. − Nada, senhor. Só que, no meu ponto de vista, de suas palavras se deduz que tenham algo com que atirar. Alexander esteve um momento em silêncio, e depois disse: − Diga ao cabo Yermenko que venha. Uns minutos depois, Ouspensky voltou com Yermenko, que estava limpando o sangue do braço. − O que resta de munição, cabo? − Três caixas de oito cartuchos, três granadas e uns quantos morteiros. − Perfeito. Eu explico a situação: estamos com falta de munições e na floresta há pelo menos uma dúzia de alemães. − Acredito que são mais de doze, senhor. E eles sim que estão armados. − Como anda de pontaria, cabo? Poderia abater doze homens com duas dezenas de cartuchos? − Não, senhor. Precisa de um rifle com mira telescópica. − Alguma ideia? − Pergunta a mim, senhor? − Sim, Cabo. Pergunto a você. Yermenko ficou um momento pensativo e moveu os lábios como se quisesse dizer alguma coisa, enquanto o ajustava o capacete. Estava de pé em posição de sentido e seguia sangrando lhe o braço. Alexander indicou a Ouspensky que trouxesse o armário de remédios. Yermenko seguia pensativo. Alexander lhe pediu para se abaixar e olhou para a ferida. Era um corte superficial na altura do tríceps, mas não parara de sangrar. Alexander tapou a ferida com gaze e se sentou ao lado Yermenko. − O que você acha, Cabo? − Creio que talvez devêssemos pedir... Munição na retaguarda, Senhor − Yermenko respondeu em voz baixa. Ele apontou para a floresta atrás dele. − Me parece certo. Mas e se eles se recusarem? − Creio que devemos pedir de uma forma que impossibilite uma negativa. Alexander deu-lhe um tapinha nas costas. Baixando ainda mais a voz, Yermenko acrescentou: − Eles têm dezenas de fuzis semiautomáticos, três metralhadoras, pelo menos, e eles ainda têm cartuchos. Têm granadas e projeteis de morteiros, e tem comida e água. Alexander e Ouspensky trocaram olhares. − Você tem razão − disse Alexander, envolvendo o braço de Yermenko com uma bandagem e amarrando as extremidades com um nó. – Mas não sei se querem compartilhar conosco sua munição. Você está disposto a tentar? − Sim, senhor. Precisarei de um homem para distraí-los. − Eu o acompanho – Alexander se ofereceu, levantando-se. − Não, senhor! − Ouspensky exclamou. – Envie a mim. − Você pode vir conosco, tenente. Mas aconteça o que acontecer, que não saibam que você só tem um pulmão. Alexander pegou o porrete que tinha feito com um pedaço de madeira e deu a Yermenko. Na ponta havia colocado pontiagudos pedaços de metal e na outra extremidade, adicionou-se uma fita de cortiça para ser balançada. Yermenko pegou o pau e foi pegar uns cartuchos para a Tokarev de Ouspensky. Alexander colocou um carregador de 35 cartuchos na Shpagin, e os três caminharam em silêncio por entre as árvores em direção ao acampamento NKGB. Ao chegarem, viram uma dúzia de agentes sentados ao redor de uma fogueira, conversando animadamente. − Não se mova Ouspensky – disse Alexander. − Eu vou falar com eles, enquanto vocês dois esperam. Quando me virar, se verem que levo o rifle pendurado no ombro, isso significa que chegamos a um acordo. Se ele estiver em minhas mãos, isso significa que não. Entendido? − Perfeitamente, disse Yermenko. Ouspensky suspirou tristemente e não disse nada. Ele tomava o seu papel muito a sério como protetor de Alexander. − Entendido, tenente? − Sim, senhor. Alexander deixou Ouspenski e Yermenko esperando no mato e deu alguns passos em direção à clareira. Os agentes apenas se viraram para olhá-lo. − Precisamos de sua ajuda, camaradas − disse Alexander. Nós não temos nenhuma munição. Nenhuma substituição chegou e o telefone de campanha não funciona. Nós só temos vinte soldados e não temos qualquer tipo de apoio. Precisamos de cartuchos e granadas, e água e remédios para os feridos. E o seu telefone para falar com o comandante. Os agentes olharam para ele e começaram a rir. − Está brincando, certo? − Tenho ordens para abrir caminho na floresta. − Obviamente, não atendeu às nossas ordens, capitão − tenente Sennev disse, olhando-o do chão. − As cumpri, tenente − Alexander disse. − E o sangue de meus homens atesta a minha lealdade. Mas agora eu preciso do seu material. − Vá à merda − Sennev disse. − Estou pedindo ajuda para seus irmãos de armas. Ainda lutamos do mesmo lado, certo? − Foda-se. Alexander suspirou e lentamente se afastou do círculo dos agentes com a Shpagin na mão. Antes de se virar completamente, viu o porrete sair voando pelo ar com barulhos de sirene para terminar cravando-se no crânio Sennev. Yermenko deve ter ouvido a conversa, porque ele não havia esperado vê-lo para jogar. Alexander se virou, olhou para cima e disparou a Shpagin. Não havia ligado o tiro automático e não perdeu uma única bala com Sennev, que já não precisava mais nenhuma. Alexander consumiu cinco cartuchos e Yermenko seis. Os agentes nem sequer tiveram tempo para apontar os rifles. Ouspensky e Yermenko levaram todas as armas e provisões NKGB enquanto Alexander amontoava os corpos. Quando estavam a uma distância segura (cerca de 20 pés), Alexandre lançou a Granada para a pilha de corpos e protegeu os olhos. A Granada estalou. Por um momento, Ouspensky, Yermenko e ele observaram enquanto as chamas subiram. − Nós deveríamos despedi-los como corresponde − Ouspensky disse. Ele fez a saudação militar e entoou: Fodam-se, camaradas! Yermenko riu. Quando voltaram para suas posições, Alexander deu um tapinha no ombro dele. − Muito bem − disse ele, e ofereceu-lhe um cigarro. − Obrigado, senhor − disse Yermenko. Ele limpou a garganta antes de acrescentar: − Peço permissão para ir em busca do chefe inimigo. Acho que sem o seu comando, eles não podem manter a linha defensiva. − Você acha? − Sim. Eles são muito dispersos. Disparam sem ordem, a partir da frente e dos lados. Lutam sem um exército organizado, mas como um bando de partidários. − Estamos no meio da mata, cabo − disse Alexander. Não espera que cavem trincheiras, certo? − O que eu esperaria é que eles agissem de forma lógica, mas o eu vejo que eles não fazem. Eles têm abundância de armas e atiraram como se desse ao mesmo tempo para se dedicarem a resistir. Defendem a sua posição como se tivessem uma fonte inesgotável. − E por que iam mudar se você pegasse o seu comandante? − Sem um chefe, terão de se retirar. − Talvez sim, mas e se permanecem na floresta. − Mas, então, podemos avançar pelo flanco e encontrou com eles na frente do sul da Ucrânia. − A frente do sul da Ucrânia vai ficar feliz em nos ver tenho ordens para abrir caminho na floresta por este ponto, Cabo. − E nós vamos, mas pelo flanco. Estamos há duas semanas nas montanhas e ficamos sem nada, não podemos substituir os soldados mortos e nem expulsar os alemães. Deixe-me ir em busca de seu chefe, e verá como eles se espalham. Os alemães não sabem lutar sem alguém dando-lhes ordens. E quando se retirarem, avançaremos pelo flanco. − Por que não explicar quem são os russos, capitão? Ouspensky sussurrou. − Você acha que Yermenko mudaria de ideia? − Sussurrou de volta Alexander. Alexander pegou o recém-adquirido telefone de campanha para entrar em contato com o capitão Gronin, chefe do Batalhão 28, que estavam a quatro km. Não lhes disse nada dos agentes NKGB e pediu mais reforços. No entanto, entre Gronin e Alexander estava um posto avançado alemão.
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Tatiana & Alexander
RomanceTatiana agora tem dezoito anos. Viúva e grávida, ela foge da devastada Leningrado para começar uma vida nova na América. Mas os fantasmas de seu passado não descansam facilmente. Ela passa a ser consumida pela crença de que seu marido, o general do...