Capitulo 23

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ORANIENBURG, ALEMANHA, 1945.

Alexander estava perdido no tempo até que o trem finalmente parou de vez e eles foram orientados a sair. Já fazia algum tempo que ele tinha sido separado de Ouspensky e acorrentado a um pequeno, loiro e agradável tenente chamado Maxim Misnoy, que falava pouco e dormia muito. Ouspensky, agora com uma mandíbula quebrada, viajava em um vagão diferente. Durante seu tempo no trem, Maxim Misnoy disse a Alexander um pouco sobre sua vida. Ele ofereceu-se para frente de batalha, quando os alemães invadiram a Rússia em 1941. Em 1942, ele tinha sido feito prisioneiro pelos alemães por quatro vezes e conseguido fugir por três vezes. Ele foi liberado de Buchenwald pelos norte-americanos, mas, sendo um fiel soldado do Exército Vermelho, viajou para o Rio Elba para se juntar aos russos na Batalha de Berlim. Por seu heroísmo, ele tinha recebido a Ordem da Estrela Vermelha. Em Berlim, ele foi preso e condenado a 15 anos por traição. Apesar de sua simpatia, ele estava muito bravo com isso. Depois de desembarcar do trem, eles foram levados para marchar em fila dupla por dois quilômetros em uma estrada na floresta, por um caminho entre árvores altas que levaram a uma portaria. Eles passaram por uma grande casa amarela antes de chegarem aos portões. No topo da portaria havia um relógio e ladeando o relógio, dois sentinelas segurando metralhadoras. − Buchenwald? Alexander perguntou a Misnoy. − Não. − Auschwitz? − Não, não

O letreiro de ferro na portaria dizia ―Arbeit Macht Frei. − O que você acha que isso significa? − Perguntou um homem atrás de nós na fila. − Percam a esperança todos vós que entrais aqui, − respondeu Alexander. − Não, − disse Misnoy. − Isso significa ―O trabalho liberta. − Como eu estava dizendo. Misnoy riu. − Isso deve ser um campo de classe. Para presos políticos. Provavelmente Sachsenhausen. Em Buchenwald, a mensagem não diz isso. Mas deve ser algo permanente para infratores mais graves. − Como você? − Como eu. Ele sorriu agradavelmente. − Em Buchenwald se lê: ―Jedem das Seine. To Each His Owen. (Cada um na sua. A cada um o que merece). − Os alemães sempre tão inspiradores, disse Alexander. Era Sachsenhausen. Foram informados pelo novo comandante do campo, um homem gordo, repulsivo, chamado Brestov, que não podia falar sem cuspir. Arbeit Macht Frei: O slogan foi usado nos campos de extermínio durante a ditadura nazista como boas-vindas irônicas e cínicas aos prisioneiros, através de uma inscrição nas portas desses campos. O trabalho forçado para os nazistas eram apenas uma desculpa para o extermínio de milhares de seres humanos: os "campos de concentração" eram de fato verdadeiros "campos da morte". Jedem das Seine. - expressão idiomática alemã que significa "cada um na sua". Durante a Segunda Guerra Mundial a frase foi usada pelos nazistas como slogan exibido no portão do campo de concentração de Buchenwald. *** Sachsenhausen foi um campo de concentração na Alemanha, que esteve ativo desde meados de 1936 a abril 1945. De agosto de 1945 até por volta de 1950 Sachsenhausen serviu como acampamento especial soviético. Foi a primeira de uma série de instalações construídas pelos nazis, para confinar ou liquidar em massa opositores políticos, judeus, ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová, e, posteriormente, milhares de prisioneiros de guerra. Com a ocupação de Berlim por parte das forças Soviéticas, Sachsenhausen tornou-se um campo de concentração soviético usado para repressão tanto da população civil como dos antigos militares nazis. As execuções ocorreram em Sachsenhausen, especialmente aqueles que eram prisioneiros de guerra russos. Aproximadamente 200 000 pessoas passaram por Sachsenhausen entre 1936 e 1945. Sachsenhausen foi construído ao mesmo tempo que Buchenwald e era um campo de trabalhos forçados em tempo integral e um campo de extermínio em tempo parcial, principalmente para os homossexuais que trabalhavam na fábrica de tijolos do lado de fora dos portões, para os poucos judeus que haviam encontrado seu caminho até aqui e, certamente, para os soviéticos - quase todos os oficiais soviéticos que entraram pelos portões e que foram enterrados dentro deles. Foi agora chamado de Acampamento Especial Número 7 pelos soviéticos, o que implica, naturalmente, que havia pelo menos mais seis iguais. Enquanto eram levados pelo acampamento, Alexander percebeu que a maioria dos prisioneiros ia a pé do quartel para a cantina ou lavanderia, ou estavam trabalhando no jardim da indústria e não tinham um olhar russo envergonhado. Eles tinham a altura e a aparência ariana. A maioria no acampamento eram de alemães. Os soviéticos foram levados a um lugar especial, um pouco além das paredes principais do acampamento. Sachsenhausen foi construído na forma de um triângulo isósceles, mas os nazistas haviam descoberto, durante a guerra, que não havia espaço para abrigar os prisioneiros de guerra aliados no quartel dentro das paredes do campo. Então, 20 barracas adicionais de tijolo foram construídas, projetando-se no lado direito do campo, no lado mais distante da portaria. Os nazistas chamavam de Classe II e ali que os Aliados foram mantidos. Agora, o Acampamento Especial Número 7 foi dividido em duas zonas - Zona I o campo principal como ―detenção preventiva para os civis e soldados alemães, apanhados durante o avanço soviético sobre a Alemanha, e Zona II, nas novas habitações, para os oficiais alemães libertados pelos aliados ocidentais, mas recapturados e julgados por tribunais militares soviéticos, por crimes contra a União Soviética. Os soviéticos também foram mantidos na Zona II. Embora na mesma área geral, como os oficiais alemães, os soviéticos tinham seis ou sete quartéis só para eles, eles comiam em momentos separados e tinham a lista de chamada separada, mas Alexander se perguntou por quanto tempo o acampamento, repleto até os limites, iria começar a misturar seus prisioneiros, tratando a todos como inimigos da União Soviética. A primeira coisa que Alexander e seu grupo de homens foram obrigados a fazer, quando chegaram ao acampamento, foi construir uma cerca no perímetro em torno de uma área quadrada para o lado de seus quartéis. Isso era para ser um cemitério para aqueles que morressem no Acampamento Especial Número 7. Alexander pensou que era bastante interessante o NKGB ter uma visão de futuro com a construção de um cemitério antes que houvesse vítimas. Ele se perguntou onde os alemães haviam enterrado os prisioneiros que haviam morrido. Em um passeio pelo campo, foi mostrado para o grupo de Alexander um pequeno enclave construído fora da parede principal no pátio do setor. O enclave continha uma cova feita de concreto e próximo a ela um crematório. O guarda soviético disse-lhes que era ali que ficavam os porcos alemães eliminados e os prisioneiros de guerra soviéticos. - Nenhum soldado aliado viu este poço, posso garantir, disse o guarda. Alexander balançou a cabeça, confuso e desdenhoso, e disse: - E para que você acha que isso existe? Alexandre começou a trabalhar no pátio do setor, uma área grande cercada, onde os soviéticos levavam a madeira cortada que era trazida das florestas ao redor de Oranienburg. Toda manhã, ele foi levado para fora com um comboio as sete e quinze, logo após acordar e não retornava até as dezessete e quarenta e cinco. Ele nunca parou de trabalhar. Ele era alimentado um pouco melhor e estava do lado de fora, ao ar livre, com seus próprios pensamentos. Ele gostou, até que começou a ficar frio no final de Setembro. Em Outubro ele estava odiando. Ele desejou, de coração, estar em um das salas quentes soldando ou martelando, fazendo copos ou fechaduras. Ele realmente não queria ficar preso dentro de uma sala de chão de fábrica, mas ele estaria quente e ocupado. Ele estava do lado de fora e as botas foram se desintegrando, e as luvas que lhe deram tinham buracos nos dedos - uma falha lamentável para luvas. Mas pelo menos ele estava movendo seu corpo, metabolizando calor. Os dez homens que guardavam os 20 presos estavam certamente vestidos para o tempo, mas eles ficaram por todas às 10 horas, movendo os pés congelados. Uma pequena satisfação, Alexander pensava. Quando o tempo foi ficando mais frio, o cemitério começou a encher. Alexander foi escalado para cavar sepulturas. Os alemães estavam sofrendo nos campos. Eles haviam passado por seis anos de guerra cruel, mas ao serem presos no Campo Especial Número7, secaram e morreram. Mais e mais foram trazidos e logo não havia espaço suficiente. O quartel começou a ficar mais e mais lotado. Os beliches feitos nos estaleiros da indústria foram colocados mais perto um do outro. O Acampamento Especial Número 7, anteriormente conhecido como Sachsenhausen, não era comandado pela administração militar de Berlim. Ele caiu sob a administração do governo URSS dos Campos, ou Gulag. Havia uma sensação geral de mal-estar. Muitos dos homens que estavam como prisioneiros de guerra não estavam familiarizados com as restrições de movimento e limites para atividades. Mas, mesmo durante o pior dos invernos em campos alemães de prisioneiros de guerra, não se sentia a situação como permanente. Eles eram soldados. E havia sempre a esperança de vitória, de escapar, da libertação. Mas agora não havia vitória e a libertação significava rendição para os soviéticos. E não havia como escapar de Sachsenhausen, ocupada pelos soviéticos na Alemanha. Esta prisão parecia o fim da esperança, o fim da fé, o fim de tudo. Pouco a pouco o tormento da memória diminuiu. Na guerra, ele a tinha imaginado por completo - sua risada, suas piadas, sua culinária. Em Katowice e Colditz, mesmo não querendo, ele nunca se esqueceu dela. Aqui em Sachsenhausen ele queria imaginar seu todo e não podia. Aqui ela se encontrava contaminada com o local. Suas mãos estão sobre ela. Ela está tremendo, seu corpo em espasmos quebrando-se em suas mãos. Alexander segura suas pernas enquanto ele se move contra ela e assim ela geme e estremece impotente, tentando respirar, "Oh, Shura", e Alexander está quebrando em pedaços com sua emoção e seu terror. A emoção está dentro dela. O terror está em suas mãos, enquanto ele agarra apertado o seu corpo trêmulo, retirando-se por um momento, ouvindo-a quase gritar de frustração. Ela é sua agora e ele vai fazer como ela precisa. Ele sabe o que ela precisa - segurá-la mais perto do que o seu próprio coração, senti-la se dissolver em suas mãos. Quanto mais indefesa ela é e quanto mais ele sente sua necessidade, mais ainda ele se sente como um homem. Mas às vezes o que ele precisa enquanto a segura é que Lazarevo não desapareça com a lua. Ele não pode mais dar a ela o que ela quer. O que ele quer. Ele lhe dá apenas o que pode. − Você gosta disso, querida? − Ele sussurra. − Oh, Shura − ela sussurra de volta. Ela não pode sequer abrir os olhos. Seus braços em volta de seu pescoço. − Você não está pronta ainda, diz ele. − Deus, você está tremendo. − Shura, eu não posso, eu não posso - eu não posso – oh, isso é -. − Sim, querida, sim. Ele fecha os olhos e ouve-a gritar. E gritar. E gritar. Ele não para. E gritar Agora eu sou um homem, agora que senti o arrepio de minha donzela em minhas mãos, eu me tornei um homem. − Deus, eu te amo, Tatiana, ele sussurra em seu cabelo, seus olhos ainda fechados. E quer chorar sozinho. Seu corpo mole por baixo dele, ela permanece acariciando suas costas. − Satisfeita? Ele pergunta. − Graças a você, ela responde. E Alexander ainda nem começou. Essa é a única coisa que Alexander imaginava agora. Não houve compensação, nem lua, nem rio. Não havia cama, sem cobertores, nem grama, nem fogo. Não havia cócegas, nem brincadeiras, nem preliminares, nem pós-sexo. Não havia nem fim e nem começo. Havia apenas Tatiana debaixo dele e Alexander em cima dela, segurando-a apertada e estreitamente. Seus braços estavam sempre em volta de seu pescoço, suas pernas estavam sempre em volta dele. E ela nunca estava em silêncio. Mas ela se tornou contaminada com o Gulag, onde não havia homens. Nós não somos homens. Nós não vivemos como homens e não nos comportamos como homens. Nós não caçamos nossa comida, nós não protegemos as mulheres que gostam de nós, não construímos abrigos para os nossos filhos, nem usamos as ferramentas que Deus nos deu. Nós não usamos nada - nem nossos cérebros para viver e nem a nossa força para viver. A guerra definiu você. Você sempre soube que você estava em guerra. Você foi um dos principais. Um capitão. Um segundo tenente, primeiro-tenente. Você foi um guerreiro. Você carregou armas, você dirigiu um tanque, você levou os homens para a batalha, você obedeceu ordens. Você tinha categorias e funções. Você nem sempre dormiu, nem sempre estava seco e muitas vezes você estava com fome. Você foi baleado e muitas vezes era isso o que se esperava. Aqui nós não damos nada de nós mesmos para ninguém. Nós não apenas nos tornamos menos como seres humanos, mas nos tornamos menos do que os homens. Nós nem mesmo lutamos como fizemos na guerra. Nós éramos todos animais, mas pelo menos éramos animais machos. Nós dirigimos para frente. Nós fomos até as linhas inimigas. Penetramos e quebramos sua defesa. Nós lutamos como homens. E agora estamos sendo reconstruídos antes de sermos enviados de volta para a sociedade como eunucos. Castrados, que são enviados de volta para as esposas infiéis, em cidades em que não poderemos viver, para a vida com a qual não poderemos lidar. Nós não temos maturidade para oferecer, nem um ao outro, nem às nossas mulheres e nem aos nossos filhos.

Tatiana &  AlexanderOnde histórias criam vida. Descubra agora