O gato

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(diminua o tamanho da letra, se você estiver lendo no celular, ou o poema fará menos sentido ainda)

Meio-dia. No campo ventam as gavinhas
Meu Deus! E este gato! E, agora, vede:
Na delicada fome e sede
Bebe as palavras flutuantes, sozinhas

"Vou mandar fazer-lhe uma rede..." Digo. Ergo-me a pensar. O vento não quer calar
E fecho o ferrolho. E vejo-o ainda, a ressonar
Delicadamente recostado à parede!

Me armo de palavras. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que alma contém tão distinto gato?!

De sonho e literatura é este gato!
Por mais que a gente faça, à tarde, ele entra
Imperceptivelmente no nosso quarto!

***

Acho difícil que alguém conheça o poema original, parafraseado por mim de O Morcego (Augusto dos Anjos), então aqui vai ele:

Meia-noite. Ao meu quarto me recolho
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.

"Vou mandar levantar outra parede..."
Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
E olho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A tocá-lo. Minh'alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!

A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente no nosso quarto!

Ana InconsequenteOnde histórias criam vida. Descubra agora