Não toques no meu casaco

17 4 3
                                    

Não sei por onde fomos. Talvez o Ben tenha dado a volta porque sei que voltámos para a casa de madeira.

Ouvia passos perto de nós. Os outros deviam ter visto que saí.

Deviam estar à distância de um grito...

Mas eu não os podia chamar. Não podem matar o Ben, por isso, ele vai matá-los.

Também não sei o que ele fez mas não me conseguia mexer. Fiquei quieta enquanto ele me atava a uma cadeira e afiava uma faca calmamente.

Tipo, como se fosse a coisa mais natural do mundo!

Os fantasmas são estranhos...

Ele aproximou-se de mim e tirou o meu casaco.

Estou farta! Ninguém mexe no meu casaco! Tenho cenas pessoais aí dentro!

E isso foi o suficiente para me conseguir mover.

Dei pontapés no Ben enquanto me tentava libertar. As minhas mãos estavam presas com um nó mesmo difícil de desatar. Mas as cordas eram um pouco escorregadias e consegui desatar o nó.

Levantei-me e dei-lhe um murro na cara.

Houve um longo momento de silêncio enquanto ele interiorizava que tinha levado um estalo de uma miúda de doze anos.

Espera aí... A minha espada! Tinha saído com a espada!

Antes que a pudesse ir buscar ao meu cinto, o Ben levantou-se e espetou-me a faca no ombro.

Doía.

Doía mesmo.

Era uma dor horrível, insuportável. Era tão mau que me fazia querer morrer ali, naquele momento.

Ele rodou a faca e doeu ainda mais.

Talvez a minha clavícula estivesse partida por levar com uma lâmina mas isso não diminuía a dor.

Lágrimas picavam-me os olhos e caíam-me pela cara. Era por causa da dor, em parte.

A outra parte era pena.

Pena pela Ella, pela Marilyn, pela Anna, pelo Matthew, pelo Andrew, pela Marion, pelo Peter, pelo Karl, pelo Jack, pelo Nick, pela Ketlyn, pela Mary, pelo Ian, pela Ilda, pela Ilca, pelo Cole, pela Molly, pelo Daniel, pelo David, pelo Oscar, pela Mary Bergenthal, pela Hope, pelo Otto e por todos os que o Ben matou e que tiveram de sofrer mais do que isto. Mas, especialmente, tenho pena do Harry. Não sei o que vou dizer aos meus tios quando regressar a casa e o filho deles não. Talvez eles me culpem e eu seja condenada à morte por assassínio. Mas eu não me importo, se isso acontecer, vou ter com os outros e o Ben nunca terá o que quer. Não poderá torturar-me por muito mais tempo se eu morrer.

Não, Ridley! Tens de sair daqui! Pelo Harry!

Pelo Harry...

Levantei a outra mão e arranquei lentamente a faca que o Ben já não segurava com tanta força. Limpei as lágrimas e a minha cara encheu-se com o meu próprio sangue.

Tinha pouca força mas tinha de vencer o Ben nem que fosse a última coisa que fizesse.

Era isso que o Harry queria.

Dei ao Ben um valente pontapé na cara e tentei abrir a porta.

Não.

Não! Não pode estar trancada! Ele tem sequer a trancou! Como é que a porcaria da porta pode estar trancada?!

Ele agarrou a parte de trás de minha t-shirt e puxou-me para ele, encostando-me a faca ao meu pescoço.

O que foi que o Otto fez para que o corpo dele caísse...?

Foi isso! Tocou-lhe na parte de trás da cabeça!

Acho que não foi isso, o Ben tinha possuído o Otto, devia ter passado o espírito para o corpo dele.

Mas não perdia nada por tentar...

Lenta e cuidadosamente, pus a mão no pescoço do Ben e depois na parte de trás da cabeça dele. O que senti apavorou-me.

Tenho a certeza que estava a tactear uma grande cicatriz irregular feita por um buraco meio aberto na cabeça dele. Devia ter sido isto a matá-lo, uma pedra que se espetou na cabeça dele.

Lembrei-me de como foi quando ele morreu. Eu era pequena, pensei que ele tinha caído e esta a dormir, que o sangue era só o casaco vermelho que se tinha rasgado. Quem me dera que fosse...

Mas a culpa era minha. Eu sabia que ainda havia espaço à minha direita para eu passar mas tive de o fazer desequilibrar-se e cair para a esquerda, para os rápidos. Pensei que ele conseguia passar...

Não! Não me podia culpar por isto! Não agora!

O corpo dele caiu ao chão e eu dei um pontapé na porta, abrindo-a.

E cometi o grande erro de sair a correr.

ILDA - Sem SaídaOnde histórias criam vida. Descubra agora