Capítulo Dois - Ironias.

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Aaron.

É claro que, naquela fatídica manhã de segunda-feira, eu simplesmente fingi que nem sabia porque aquela garota havia dito "eu não acredito nisso" quando me viu e continuei dando a minha aula – afinal de contas, encarar cadeias carbônicas me pareceu uma solução óbvia quando a outra alternativa era dar uma risadinha e ir cumprimentar a garota que tinha me visto em algumas facetas em que nenhum aluno deveria conhecer seu professor: bêbado e chorando por um amor não correspondido.

Obviamente, como a maioria das coisas na vida, ignorar sua presença não foi algo simples. Não que ela estivesse inclinada a se fazer presente ou qualquer coisa dessa natureza – talvez ela simplesmente tenha acreditado que eu não me lembrava dela, ou entendeu o desconforto que seria dizer "Olá! Acho que você é a garota que me impediu de estragar um casamento! Te contei que Olive está grávida? Obrigada por isso, aliás. " –, mas ela chamava atenção. Seus olhos me seguiam e acompanhavam meus movimentos de um modo tão atento que eu tive que me lembrar diversas vezes que ela estava apenas prestando atenção na aula e não me julgando. Ou talvez até estivesse, mas estava disfarçando bem enquanto franzia os olhos para as fórmulas no quadro e mordia de modo delicado a parte superior do lápis.

Eu evitei cruzar meus olhos com os dela o máximo possível, temeroso por dar qualquer bandeira de que eu a conhecia mais do que pelo seu nome que, a propósito, era Lillian, como ela tinha dito no momento oportuno em que eu pedi para que meus novos alunos se apresentassem a mim. Senti um pouco de orgulho pelo meu cérebro que, mesmo bêbado, havia se lembrado que de "Lili" – próximo o suficiente para alguém que não conseguia sequer ver a luz sem sentir a cabeça explodir no dia depois que a encontrou.

Entretanto, o momento em que eu tive que parar de fingir que não estava prestando atenção nela aconteceu: ela levantou a mão para fazer uma pergunta. Quando meus olhos encontraram os dela, ela apenas ergueu uma das sobrancelhas, como se estivesse completamente ciente de que eu sabia quem ela era e estava apenas fingindo ter tido um grau bem maior de amnésia pós-álcool.

— Pois não, Lillian? — Eu realmente disse Lillian. Uma ótima maneira de enfatizar que ela estava certíssima em achar que eu me lembrava dela. Claramente, ela também entendeu o fato de, dentre dezenas de alunos que haviam se apresentado, eu me recordar de um nome especificamente, deixando um pequeno sorriso ficar visível no canto dos lábios, declarando que achava graça naquela situação.

— Eu fiquei com uma dúvida a respeito das classificação das cadeias carbônicas quanto aos átomos que as compõem. — Assenti e ela passou os olhos por suas anotações, para procurar os termos exatos para que eu pudesse entender o que ela queria saber — Heterogêneas são aquelas que contêm algum heteroátomo, normalmente oxigênio, fósforo, nitrogênio ou enxofre. — Confirmei que ela estava certa com um leve aceno positivo, o que a fez continuar — Certo. Mas, esse heteroatomo pode estar entre os carbonos ou em uma das pontas. Nos dois casos as cadeias poderiam ser classificadas como heterogêneas?

Observei que seu sorriso irônico ainda plantado no canto dos lábios quando ela apoiou o cotovelo na mesa e, em seguida, posicionou o queixo sobre a mão, na expectativa pela minha resposta. Passei a língua pelos lábios antes de responder.

— Na verdade, para ser classificada como uma cadeia carbônica heterogênea, é necessário que o heteroátomo esteja entre os carbonos. Caso ele esteja nas pontas da cadeia, ela ainda será homogênea. Boa pergunta, a propósito. — Eu estava prestes a me virar para o quadro negro quando ela agradeceu e me lançou uma piscadela, deixando muito claro que ela sabia que eu me lembrava.

♣♣♣

— Aaron, sinceramente, eu não estou entendendo o seu drama. — Max disse, afrouxando a gravata que estava perfeitamente posta em seu pescoço, sob uma camisa negra. — E daí que ela te viu bêbado? E daí se você se lembra dela? Supere.

Sem Você (Concluído).Onde histórias criam vida. Descubra agora