Capítulo 7 - Afogamento

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Assim que entramos no quarto as risadinhas entre nós cessaram e o silêncio que abraçava toda a base permeou o ambiente. Transitamos cuidadosamente entre as camas onde jaziam os fuzileiros em descanso – entre um ronco e outro – até alçarmos as nossas, quase lado-a-lado.

Sentei no colchão um pouco duro e passei os olhos ao redor, para a nossa rotina. Inácio Martins, o mais tagarela e engraçado do grupo, estava jogado em sua cama – a exatamente ao lado da minha - com os braços abertos e uma perna em cada ponta, roncando; Pedro Alencar – exatamente após a minha, ao lado da cama do Guilherme – estava todo enrolado no cobertor com uma espessa camada de suor no rosto pelo calor que fazia; enquanto Joaquim Ribeiro também se encontrava em sono profundo em posição fetal. Por fim, troquei olhares com o Gui que repuxou o canto dos lábios me lançando um sorriso particularmente muito atraente, daqueles meio de lado, bem charmosos.

"Boa noite, Felipe Barreto", mordendo o canto dos lábios, ele bateu continência antes de jogar o corpo no colchão.

"Boa noite, Guilherme Carvalho", assenti com a cabeça antes de fazer o mesmo.

Devíamos ter no máximo uma hora de sono e tive a impressão de que não pregaria o olho, mesmo com o cansaço. Comecei a suar, sentir meu coração bater forte; um mal estar, uma sensação de perda imensurável. Ouvia os tiros de fundo; a imagem de Guilherme rolando na mata, ensangüentado; os gritos de meus companheiros; o rosto de Camila me enchendo com todas as suas expectativas; os olhos cansados de minha mãe querendo que eu retornasse para casa.

De repente, abri os olhos e sentei na cama num pulo, ofegante. O primeiro sinal do amanhecer havia ressoado despertando os soldados com aquela aflição da guerra. Fui um dos últimos a deixar a cama, e só o fiz porque quando Guilherme passou por mim me estendeu a mão; sua mão grossa e calejada. Olhei pra ele, ainda ofegante, aceitando de bom grado seu gesto para me levantar. É claro que todos os homens do pelotão viram, mas preferiram não comentar ali.

Fomos para o banheiro nos banhar e agradeci mentalmente por ter sido o último a entrar e sair, praticamente só molhando o corpo. Coloquei minha farda, calcei os coturnos, ajeitei o capacete e o fuzil e corri para ficar em formação a tempo do Sargento Leonardo Correia nos instruir naquela manhã.

"Muito bem, Soldados, hoje é um dia de muito trabalho. Recebemos um alerta de chuvas fortes e mais temporais na costa do país, e ainda nem terminamos de distribuir todos os suprimentos que tem chegado. Precisamos garantir que tudo isso chegue as comunidades mais precárias, as mais afetadas pelos efeitos do furacão", disse ele antes de passar todas as normas e instruções importantes para a nossa tarefa do dia.

A fileira de homens fardados com um físico avantajado, o rosto sério e a pose disciplinar se desfez para iniciar uma marcha rápida aos veículos e iniciar nossa viagem. Entre um cigarro e outro, os caras conversaram sobre alguns assuntos aleatórios enquanto me mantive em silêncio, as vezes sendo alvo de discretos olhares do Guilherme, preocupado como sempre, mas ele não me perguntou nada. Quem o fez foi o Inácio assim que chegamos na cidade destino. Sob uma chuva forte, descarregamos o caminhão o mais rápido que pudemos, e ele viu nesse meio tempo uma oportunidade para se aproximar.

"O que foi aquilo hoje de manhã?", perguntou-me com uma expressão de interesse, carregando a caixa, todo molhado da cabeça aos pés. "O casal fez as pazes?"

"Para com essas brincadeiras, cara", me emputeci, batendo de frente com ele pra sua surpresa. "Não tem casal nenhum!", Inácio deu alguns passos para trás arregalando os olhos com espanto.

"Calma, cara, o que foi que deu em você?"

"Deixa ele, Martins", Guilherme acabou se metendo e, para a minha surpresa, eu acabei falando de mais.

Por Trás da Farda (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora