Alguns meses depois..
Vestíamos o moletom de prática esportiva na ala esportiva da base. Eu coloquei o aparador de soco nas mãos e observei Guilherme com suas luvas de boxe.
"Tu tens certeza disso?", ele perguntou mais uma vez por garantia.
"Absoluta", confirmei, acenando com a cabeça para que ele entendesse que eu estava pronto.
Desde que começamos as sessões de terapia, por recomendações, vínhamos praticando algum tipo de esporte. Guilherme ficou tão fissurado que se jogou de cabeça em vários tipos de luta. Eu me limitei ao boxe e as sessões de atletismo como corridas.
Ele se aproximou de mim e meu corpo tremeu de excitação, mas me mantive focado. Apesar da concentração na atividade, meus olhos não deixaram de secar sua musculatura rígida, cuja regata com as cores do corpo de fuzileiros navais não conseguia esconder. A forma como seus músculos se flexionavam com cada movimento esticando as tatuagens em sua pele, faziam meu pau latejar por dentro da cueca.
Senti que ele estava com medo de me machucar quando acertou o primeiro soco contra o aparador em minhas mãos. O impacto foi mínimo considerando de quem veio.
"Você pode fazer melhor", provoquei em resposta. Ele nada disse, apenas deu alguns passos, movendo os braços rígidos, e depois arriscou uma sequência de socos facilmente contidos pelo aparador. "O que tinha escrito naquela carta?", pressionei algum tempo depois. Guilherme desfalcou seu olhar, aparentemente surpreso por minha indagação repentina.
Lembrei-me daquele episódio quando estávamos no Haiti e ele ficou tão transtornado com uma carta que recebeu que perdeu o controle.
A princípio, ele ignorou minha pergunta, mas senti que seus socos começaram a se tornar mais pesados contra o aparador. Eu estava conseguindo chegar a algum lugar. Precisava ajudá-lo a trabalhar seus traumas, a controlar seus acessos de raiva, a se comunicar mais e compartilhar suas dores comigo.
"Você não vai me contar?", indaguei mais uma vez, com cuidado. Seu olhar me alcançou, um pouco transtornado e irritado, mas ele apenas pressionou os lábios em uma linha fina e socou mais forte contra o aparador.
"Uma tia", disse ele. "Estava me recordando do quão inútil eu sou", ele socou o aparador com mais força, e dessa vez, senti a pressão. Um pé deslizou para trás, mas me consertei há tempo dele não notar.
"Você não é inútil", rebati a confissão com delicadeza, tentando ser o mais sutil possível com as palavras e a forma com que falava. Guilherme riu com ironia.
"Tu não sabe de nada do que diz", e socou fortemente. Eu podia ver os pingos de suor tomando seus braços tatuados.
"Mas é claro que sei, eu convivo contigo, durmo contigo", lembrei-o com a mesma tranquilidade de sempre. Gui me observou por um instante como se ponderasse sobre minhas palavras, mas respondeu com uma sequência de socos fortes.
"Eu sou igual aquele filho da puta, sempre vou ser", ele desabafou um pouco da sua visão deturpada sobre si mesmo, ofegante. Então, deu mais uma série de socos fortes, descarregando sua mão pesada. O impacto de suas luvas contra o aparador estavam se tornando cada vez mais difíceis de controlar, mas ele ainda não tinha notado – para a minha sorte.
"Você é um herói, Gui. Você é incrível. Não acho que ele seja capaz de fazer as coisas que você faz quando coloca aquela farda e quando a tira também", justifiquei, tentando encontrar argumentos palpáveis para que ele o visse como eu o via.
"Eu sou uma bagunça, porra. Uma bagunça. Um fodido. Se eu fosse tu corria enquanto há tempo", e seus próximos socos me fizeram recuar até encostar contra a parede.
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Por Trás da Farda (Romance Gay)
Storie d'amoreFelipe era um jovem cheio de sonhos e ambições em relação a mudar o mundo, transformá-lo num lugar melhor. Isso o conduziu a se alistar nas forças armadas, até que chegasse ao Haiti para uma missão de Paz, onde conheceu Guilherme, um cara pé no chão...