Aquela foi uma das noites mais longas que tivemos durante todos esses quase seis meses de estadia no Haiti. Meu coração ainda estava na boca quando acalmei Guilherme e o conduzi para dentro dos contêineres, onde todos os fuzileiros dormiam. O agasalhei e, abraçado a ele por trás enquanto estava de pé e ele sentado, fiquei esfregando as mãos em seus braços por cima dos tecidos enquanto o assistia tremer de bater o queixo. Não trocamos nenhuma palavra pelas próximas duas horas; apenas gestos de carinho. Ele em sua soturna quietude gélida, e eu com o calor.
Tomei a liberdade de abraçá-lo até que seu corpo se rendesse ao meu gesto e se desarmasse. Considerei que estava realmente ganhando pouco-a-pouco a confiança de seu corpo e fiquei satisfeito com isso.
Por fim, o levei até sua cama e, exatamente como fiz quando ele foi baleado na mata, abracei-o no colchão duro esperando que pegasse no sono.
Não preguei o olho a noite inteira enquanto o sentia se mover em um sono conturbadíssimo, mantendo meus braços ao redor de seu corpo para abraçá-lo forte até acalmá-lo outra vez. Sabia que o tempo de Guilherme para processar e lidar com seus sentimentos era diferente dos demais, só precisava entender o motivo.
Pouco antes do sinal matinal tocar, me levantei sutilmente e fui para o meu colchão em uma tentativa de passar despercebido e não levantar suspeitas – o que deu certo, para a minha sorte.
Sentia-me cansado psicologicamente, mas meu físico estava ok em lidar com a noite em claro – tudo em prol de Guilherme. Ele foi um dos últimos a, relutantemente, deixar o colchão. Fui até ele esboçar empatia.
"Conseguiu descansar? Se sente melhor?", ele concordou com a cabeça demonstrando vontade nula de falar enquanto separava sua farda. "Você não acha melhor comunicarmos o Sargento sobre o ocorrido?"
"Não, Felipe! Por favor, não!", seus olhos se arregalaram e ele me tocou nos braços em uma espécie de súplica. "Vão me afastar e tudo o que eu menos quero é ficar distante! Não agora!"
"Mas, Gui, o que aconteceu ontem foi..."
"Constrangedor e horrível, eu sei, cara. Mas eu reassumi o controle e vou continuar assim, no controle, por favor. Não faça isso comigo. Só..", com o olhar marejado, ele continuou. "..Lute comigo".
Não tive palavras para expressar a sensação que senti naquele momento. Deixei-me guiar pelas emoções e o abracei firmemente sem me incomodar que outras pessoas tivessem vendo.
"Eu sempre vou lutar contigo, Guilherme", pressionei os dedos em uma carícia em sua nuca enquanto nossas testas estavam coladas. Ele reabriu os olhos encontrando os meus e mergulhei em sua imensidão azul de um jeito que me fez sentir um arrepio quente subir por minhas vértebras. Nossa conexão foi tamanha naquele momento que era até capaz de senti-lo se arrepiar também. Ele não precisava me pedir isso; eu sempre lutaria com ele e por ele.
Olhando-o assim, tão próximo, senti um impulso quase incontrolável de beijá-lo. A maneira como seus lábios estavam ligeiramente afastados, tão próximos dos meus que eu podia até sentir sua respiração quente em meu rosto; e era tão bom.
Afastei-me naquele exato momento – ou poderia cometer uma besteira muito grande - e, quando o fiz, pude notar os olhares de Pedro em nossa direção. Seu súbito interesse começou a me deixar profundamente irritado.
"Qual é a tua com o Pedro, hein?", mesmo não sendo o momento correto para uma abordagem tão sem noção como essa, senti que minha pergunta roubou a atenção total do Gui de um jeito tão inesperado quanto bem aceito.
"Porque isso?", sua sobrancelha partida se ergueu, mas antes que eu pudesse responder o Sargento nos chamou com pressa e fomos banhar, tomar café e nos enfileirar para suas ordens matinais; ou seja, fiquei sem minha resposta.
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Por Trás da Farda (Romance Gay)
RomanceFelipe era um jovem cheio de sonhos e ambições em relação a mudar o mundo, transformá-lo num lugar melhor. Isso o conduziu a se alistar nas forças armadas, até que chegasse ao Haiti para uma missão de Paz, onde conheceu Guilherme, um cara pé no chão...