Capítulo 34 - Passado

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Se a fazenda impressionava pela extensão, a casa deixava muito a desejar. Era simples, pequena e antiga. As marcas do tempo estavam em todo o lugar. A madeira antiquada parecia prestes a desabar, desgastada em sua base. Adentrei na pequena sala em que Guilherme passou sua infância e observei que a única fotografia familiar presente era um quadro na parede com a imagem de uma mulher de aproximados trinta anos com o cabelo escuro e curto. O rosto era muito parecido com o do Gui. Eles eram idênticos. Isso me fez identificar de cara: era sua mãe.

"Auriana Carvalho", disse ele, apresentando-me a mulher falecida ao se por ao meu lado. Suas mãos estavam a maior parte do tempo penduradas no cinto de sua calça. "Uma doce mulher. Cheia de vida. Adorava isso aqui.. Era o mundo pra ela", eu olhar viajou ao redor daquela humilde sala de pouquíssimos móveis.

Uma televisão de tubo sustentada em uma pequena estante de madeira, um sofá maltrapilho de dois lugares e um telefone que não parecia ser capaz de funcionar mais. Aquela era a pequena sala da casa.

"Do que ela morreu?", arrisquei perguntar ainda sem saber como medir as palavras.

"Câncer".

"Eu sinto muito", disse-lhe em resposta, sem saber exatamente se eles eram parentes de alguma forma.

"Auritana era uma alma nobre. Nossa família sempre foi dividida entre a vida campestre e o militarismo. Mas, como pode perceber, somos de berço humilde. Fomos criados no campo, a base das nossas tradições. Nenhum luxo ou conhecimento. Somos fruto da terra e do trabalho braçal", explicou ele. "Auri era minha irmã mais nova. E desde que Gonçalves perdeu seus pais em um incêndio exatamente aqui nessa fazenda, ela simpatizou com sua causa e começou a cuidar dele. Estavam predestinados desde crianças", explicou para mim, o que deduzi ser a história dos pais de Guilherme.

"Então, vocês são todos parentes?"

"Sim. Gonçalves é nosso primo. Morávamos todos aqui nessa mesma fazenda há muitos anos.. Eventualmente, eu e meus irmãos fomos crescendo e deixando essa vida para trás. Consegui comprar minha própria terra e levantar minha fazenda", disse Arthur. "Gonçalves seguiu a carreira militar e se tornou um homem ainda mais violento.. Com a morte de Auritana, ele se perdeu nos trilhos, se é que me entende, jovem", seus olhos pousaram em mim.

Por um momento, senti como se Arthur estivesse me avaliando. Ponderei o peso sobre meus pés, desconfortável.

"Ele a amava mais do que tudo, mais do que qualquer coisa ou pessoa, você me entende?", a intensidade de seu olhar me fez estremecer. Agora tudo estava claro. O pai de Guilherme era um homem violento e completamente louco pela mulher. Quando ela faleceu precocemente pela doença, não havia nada capaz de trazê-lo de volta, uma vez que sua natureza já era agressiva. Nem mesmo seu próprio filho poderia resgatá-lo, uma vez que era apenas uma criança.

"Quantos anos Guilherme tinha?"

"Ele era apenas uma criança", Arthur rolou os olhos pela sala e retomou a caminhada me conduzindo para a cozinha simples, não tão diferente da sala. Então, chegamos ao quarto que deveria ser dele. Havia marcas nas paredes, tão claras quanto a luz do sol. Eram marcas de luta.

Aproximei-me e toquei as lascas de madeira que evidenciavam que algo a atingiu com força durante anos. Então, associei rapidamente as costas de Guilherme, cheia de cicatrizes. Engoli em seco. A bile subiu por minha garganta e senti vontade de vomitar. Precisei sair daquela casa e de toda a energia negativa que emanava dela.

Ofegante, respirei fundo do lado de fora, abraçando a luz do dia em torno de meu corpo. Arthur veio em seguida, em meus encalços. Minha cabeça girava sem parar, passando imagens de uma criança sendo agredida por um homem sem limites. Até que a única coisa em que eu conseguia focar era em Arthur. A raiva espumou em minha boca quando fui até ele e agarrei-o pela gola da camisa.

Por Trás da Farda (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora