Depois de muito tempo olhando para a tela, finalmente cliquei e comprei as passagens. Tendo os cotovelos apoiados na cadeira que ocupava, apoiei o queixo em minha destra, incapaz de desviar o olhar do computador e do que aquele grande passo significava tanto na minha vida quanto na do Guilherme.
O olhar vidrado não perdurou tanto quanto a inquietação de meus dedos variando entre tocar meus lábios ou o rosto, até que tomei a atitude que deveria. Peguei o telefone e disquei o número de casa. A voz de minha mãe, Regina Barreto, anunciou que eu havia conseguido o que queria.
"Alô".
"M-mãe?", minha voz vacilou no primeiro contato. Era como se tivesse saído de casa há tantos anos que sequer recordava a sensação.
"Meu filho! Felipe, meu filho! Que felicidade! Que alegria!", ela, por sua vez, não conseguiu conter a emoção. "Como você está? Por favor, conte-me tudo!"
"Estou bem, está tudo bem. Estive ocupado, a senhora sabe. Mas vou receber alguns dias livre e pretendo ir para casa".
"Essa é a melhor notícia que você poderia me dar!", minha mãe ria a toa do outro lado da linha enquanto a mim, estava possuído pelas incertezas, os riscos de minhas decisões. Não havia como voltar atrás e mesmo que houvesse jamais o faria. A certeza que carregava no meu coração me deu coragem para continuar a conversa, mas foi ela quem falou primeiro. "E você vem sozinho?"
Não respondi de imediato. Identifiquei a verdadeira pergunta por trás desta. Regina estava bastante interessada em saber de minha situação com Camila. Muito provavelmente a última carta que a enviei tivesse chegado aos ouvidos de minha família.
"Não", respirei profundamente pra fazê-lo. Pelo desaparecimento das risadas, imaginei que ela, como toda boa mãe, devia estar com o seu sexto sentido apitando nesse exato momento.
"Então, virá com a Camila", foi mais uma afirmação do que uma pergunta.
"Também não, mãe".
"Ah, não?", senti seu tom de desgosto disfarçado por trás da suavidade de sua voz.
"Irei com um amigo".
"Hum...", um ar de desaprovação alfinetou suas palavras criando uma cortina entre nós.
"Este que salvou minha vida incontáveis vezes durante a missão. É importante pra mim que vocês o conheçam", reforcei escolhendo cuidadosamente as palavras.
"Estaremos aguardando vocês, meu filho", a agitação inicial havia ido embora.
"Chegaremos na segunda antes do almoço. Pensei de almoçarmos todos juntos, que tal? Assim, ainda sobra tempo pra aproveitar a minha casa, minha família, a Jujuba... Quem sabe, mostrar pra ele a cidade".
"Ah... Você pensa em tudo não é, meu filho?", identifiquei um certo pesar pela minha empolgação momentânea. Então, me calei por um momento para recapitular outra estratégia.
"Não vejo a hora de ver vocês, mãe".
"Nós também, meu filho".
E desligamos.
Quando saí do posto e fui encontrar Guilherme no salão de treinamento, tive uma surpresa desagradável. Ao abrir a porta, deparei-me com aquele recruta, o Uriel Almeida, aparentemente tirando umas dúvidas em cima do meu cara. Fiquei observando a maneira como ele fazia parecer sério o que conversavam, mas também notei sua inclinação pro Gui, assim como as discretas mordidas no canto da boca.
"Interrompo?", minha voz fez o recruta se espantar e isso me agradou. É bom que ele tenha muito, mas muito medo de mim.
"Claro que não", a voz de Guilherme soa prazerosa, excepcionalmente pelo sorriso que ele abre ao me ver, exibindo suas covinhas e as linhas que se espalham pelas suas bochechas agora mais visivelmente já que está sem a barba – e eu já estou sentindo falta dela.
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Por Trás da Farda (Romance Gay)
RomanceFelipe era um jovem cheio de sonhos e ambições em relação a mudar o mundo, transformá-lo num lugar melhor. Isso o conduziu a se alistar nas forças armadas, até que chegasse ao Haiti para uma missão de Paz, onde conheceu Guilherme, um cara pé no chão...