Capítulo 10 - Nunca me deixe ir

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Tive problemas para dormir naquela noite, e por um momento achei que Guilherme também teve, pois o ouvi mexendo-se em sua cama durante os curtos períodos de tempo em que fiquei acordado. Quando fechava meus olhos juntava tudo. As cenas das diversas situações em que vivemos, os mortos, os disparos, o sofrimento daquelas pessoas, a chuva forte, a desordem, o meu pesadelo, a minha família, Camila e... o Gui.

Naquela manhã, receberíamos a nossa última missão no país antes de irmos para San Juan e, para ser sincero, eu precisava mesmo dessa pausa – eu estava confuso e quebrado. Talvez absorver toda a problemática a minha volta fosse um peso muito maior do que meus ombros pudessem carregar.

O Sargento nos reuniu em formação no pátio do acampamento e nos deu as instruções gerais antes da partida. Quando soube que faríamos uma viagem para o sul novamente para levar as caixas até os nativos, além de ajudar na tempestade que chegava na região, meus olhos se arregalaram e inevitavelmente olhei para Guilherme.

"Algum problema, Soldado Barreto?", perguntou-me o General ao notar minha expressão conflitiva, além de meu gesto em virar o rosto para outra direção senão a dele.

"Não, Senhor!", tratei de respondê-lo e empertigar-me rapidamente, pois não queria sofrer conseqüências terríveis aquela altura do campeonato; não depois de tudo o que passei. Inevitavelmente, Guilherme percebeu minha preocupação, mas não podia fazer nada naquele momento. O que valeu pra mim foi percebê-lo tão angustiado para vir a meu alcance e me ajudar a resolver o que quer que fosse.

Marchamos em direção aos veículos e caminhões para iniciar uma viagem rumo ao sul. Por um lado, eu estava feliz de poder rever Kiran. Por outro lado, estava apreensivo, pois o meu pesadelo começou justamente com essa missão.

Durante a viagem, esperei o momento em que todos os outros estivessem focados em suas próprias conversas; falavam sobre família, futebol, saudades do Brasil, falta de sexo, dentre outros temas casuais; para poder falar com o Guilherme. Mudei de lugar sentando-me ao seu lado, tentando parecer normal para tocar no assunto sem chamar a atenção.

"O que tu tens?", ele foi mais rápido, e quando ergui o olhar para fitá-lo, deparei-me com aquela sua expressão séria, mas não um sério emburrado nem brabo; um sério casual, preocupado, que destacava todos os traços de masculinidade que ele possuía: o queixo quadrado com um furinho, o maxilar retangular, as sobrancelhas grossas e angulosas lhe dando um ar um pouco irônico, e aqueles olhos azuis tão profundos. Sua farda estava um pouco aberta na parte de cima – por conta do calor – e se algum superior visse isso provavelmente ele se daria mal, mas assim, fazia alguns pêlos de seu peito escaparem sutilmente.

"Ahn... É que...", desconsertei-me porque vislumbrei-o repuxando o canto dos lábios num meio-sorriso, como se tivesse percebendo que o estive admirando – e tivesse gostado disso. "Lembra do pesadelo, cara?", arregalei os olhos com aquele horror de outrora. "Foi exatamente assim que começou".

Gui ficou estático por alguns minutos. Em seguida, olhou ao redor para sacar se algum dos outros soldados estava com as atenções em nós, e, por fim, me olhou no fundo de meus olhos, pondo a mão pesada em meu ombro.

"Nós somos fuzileiros bem treinados", iniciou devagar buscando me acalmar com um tom manso de voz. "Tu não vai fazer nenhuma besteira porque eu não vou deixar", apertou meu ombro e senti firmeza tanto em suas palavras quanto em seu gesto.

Então, fomos interrompidos por Inácio, que voltou ao seu lugar pondo-se entre nós enquanto tagarelava.

"Nossa última missão antes das férias, nem posso imaginar que estamos vivos!", retirou o crucifixo de dentro da farda e o beijou várias vezes entre risadas, olhando pra cima.

Por Trás da Farda (Romance Gay)Onde histórias criam vida. Descubra agora