Aquilo que mais importa - Parte 1

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Naquela manhã, Socorro acordou cedo, tomou um bom banho e começou a se arrumar para a reunião que definiria o rumo da sua vida na carreira que sonhava: a de escritora. Após terminar seu livro e publicá-lo em uma plataforma de escrita independente, contando com o apoio de muitos leitores que conhecera durante as postagens e que apoiavam o seu trabalho, ela havia enviado o seu original para cerca de dez editoras, na esperança de que alguma aceitasse trabalhar com ela.

A ansiedade era grande, e para não enlouquecer enquanto esperava, Soh, como era conhecida pelos amigos, se refugiava escrevendo, trabalhando, estudando, e passando o tempo livre conversando com as amigas de seu grupo literário, Unidas pela leitura. Fazer parte de um grupo de escritoras e leitoras que se apoiavam, eram amigas e torciam umas pelas outras fazia a sua vida mais feliz ― sentimento compartilhado por suas amigas geograficamente distantes e próximas de coração. Elas inclusive haviam lhe dado várias dicas sobre como se vestir para parecer profissional na medida certa para a reunião, e em meio a inúmeros palpites ela optou por um vestido preto até os joelhos, de saia rodada e um pequeno decote em V, sem mangas, com sapatos de saltos médios e uma bolsa dourada que comprara especialmente para a ocasião. O cabelo havia sido arrumado em um penteado meio preso que deixava alguns cachos comportados soltos sobre suas costas e ombros; a maquiagem era leve e realçada pelo sorriso que não abandonava o seu rosto há uma semana.

A reunião era com Eliana Reistings, a editora chefe da Penbooks, uma grande editora internacional que há poucos anos trouxera uma de suas filiais para o Brasil.

Com um sorriso para seu reflexo na vitrine de uma loja, Soh se lembrou da ligação que a fizera cair ― literalmente ― de espanto, pois de todas as editoras para onde enviou o seu original, recebera apenas duas propostas: uma de uma pequena editora que trabalha em parceria com o autor; e essa, de uma editora conceituada no mercado editorial, que além de custear toda a produção do livro e lhe dar um belo adiantamento, prometia uma grande campanha de marketing e uma boa distribuição nas livrarias de todo o país. A chance para um autor iniciante se deparar com algo assim no Brasil era tão rara que qualquer pessoa a agarraria com unhas e dentes.

Para Soh, um grande sonho estava prestes a ser realizado.

***

No prédio da editora, Soh foi conduzida à sala de reuniões, onde esperou por quarenta minutos pela entrada de uma equipe de seis pessoas.

Todos apertaram a mão da autora e se sentaram. A última foi a editora magra, de nariz afunilado, sobrancelhas erguidas em arco e olhar atento.

― Então, vamos começar ― disse uma mulher jovem e bonita, sentada ao lado da chefe e de frente para Soh. Ela parecia eficiente e agitada, e Soh simpatizou rapidamente com ela.

― Vamos sim. Socorro, você já conheceu meus colegas. Com exceção da Camila, minha assistente, os outros estão aqui porque cada um irá trabalhar em uma área do seu livro ― disse Eliana, e Soh olhou para a ansiosa Camila, que não parava quieta com agenda, canetas e blocos de anotações.

O fato de Eliana passar logo para as questões práticas da edição sem antes confirmar se Soh aceitaria a sua oferta não incomodou a autora; pelo contrário, ter seu livro tratado como se já fizesse parte da editora fez seu coração dar pulinhos de alegrias.

Meia hora depois, Soh já não estava tão convicta de que seu sonho se realizaria da melhor forma possível. Todos naquela sala, com exceção da assistente, cujo trabalho era anotar tudo o que era decidido, tinha uma opinião formada sobre todos os aspectos da obra. Eles falavam, discutiam e resolviam tudo praticamente sem levar em conta a opinião da pessoa que escreveu o livro, e que teria seu nome e história publicados para o Brasil todo.

Por mais que estivesse ciente de que estava apenas começando e que deveria ouvir as vozes experientes de pessoas que estão acostumadas a trabalhar com edição e publicação de livros, algo incomodava Soh.

Se no e-mail a editora lhe oferecia uma oportunidade pela bela obra que escrevera, ali ela sentia que eles queriam mudá-la praticamente inteira.

Em apenas trinta minutos de conversa muita coisa parecia diferente.

― O título poderia ser mudado para Reencontrando o amor ― disse um membro da equipe, um editor loiro, baixo e atarracado com ar entediado. ― Títulos com a palavra amor atraem mais o público feminino.

― Mas eu... ― tentara Soh, que, se pudesse, explicaria porque o título escolhido anteriormente era tão importante. Ele resumia a sua história, e, em sua opinião, não havia palavras melhores para descrevê-la.

― Não sei se gosto desse título ― respondera Eliane, interrompendo Soh. Vamos trabalhar nisso. Quero todos pensando em títulos com a palavra amor.

Um minuto depois, eles falavam sobre a diagramação do livro, e novamente as opiniões foram contrárias ao que Soh desejava. Não que ela entendesse muito do assunto, claro, mas havia pesquisado e queria um trabalho carinhoso. Parecia que eles tratavam seu livro apenas como um produto. Reduzir custos era mais importante que deixar o trabalho mais caprichado. Não que eles não fizessem o trabalho bem feito, mas Soh começava a ficar desapontada com a forma como as coisas eram feitas. Quando dava uma sugestão, Eliana dizia algo como: "Claro, querida". E em seguida dava um jeito de contornar a conversa, ignorando totalmente sua sugestão. Ela sentiu-se como uma criança em conversa de adultos, participando apenas como ouvinte e sendo ignorada quando falava.

Apenas Camila, a assistente apavorada, parecia entender o que ela estava sentindo, porque sorria de forma motivadora como se dissesse: "Vai ficar tudo bem".

Quando o assunto passou para a capa, Soh ficou um pouco mais animada. Afinal, eles não iriam colocar qualquer imagem sem a sua aprovação, certo?

Errado.

O capista, um jovem magro e alto de vinte e poucos anos, mostrou três imagens de capa pré-definidas que havia feito com base nas orientações dos editores.

O cara era talentoso, porque as imagens eram bonitas. O problema era que nenhuma delas captava o que Soh descreveria como a "alma" do livro.

― Vamos, Socorro. Você precisa escolher uma, querida ― apressou Eliana. ― E precisa ser logo. Queremos lançar seu livro logo após o ano novo, e a equipe de marketing fará as imagens com base no layout da capa.

― Eu... É...

Para Minha Querida Amiga SecretaOnde histórias criam vida. Descubra agora