"Emprestei minha consciência à criança, à jovem abandonada no fundo do tempo perdido e com ele perdida. Fiz com que existissem em preto e branco no papel."
Simone de Beauvoir
-------- Ai meu Deus!! Não pode ser que isso esteja acontecendo...
Abri a porta do quarto e gritei.
- Alguém pode me informar porque a internet não está funcionando?
Como ninguém respondeu, eu fui à fonte: roteador.
Por que essas luzes estão piscando? É natal, mas isso aqui não é pisca-pisca...
- Anne, eu acho que não pagaram a conta da internet. O meu celular também sumiu o sinal e agora está no 3G.
- Mas isso não é possível! Eu não tenho 3G para terminar de ler meu livro! Empresta o seu?
- Nem pensar!
- Por favor, irmãzinha estou no final da história... – choraminguei.
- Somente se você ficar com sua sobrinha, minha filha, no final de semana.
- Nem morta! É para você sair com aquele traste?
- Não fale assim! Ele é um amor... – a interrompi.
- Obrigada! Vou dar um jeito...
O vizinho...
Fui para o quintal e sentei quase em cima do muro... Eu já sabia a senha faz tempo... Consegui sinal comecei a ler de novo.- Por favor, só uma lista... Por favor, por favor...
Seguro o bastãozinho do teste em minhas mãos. Não acredito no que vejo.
- O que vou fazer agora?
Escuto meu celular tocar no quarto, me tirado de meu torpor momentâneo.
Como vou dizer isso a meus pais?
E meu curso? E meus planos?
Atendo o celular e ouço a voz de meu pai em um tom estranho. Não consigo acompanhar o que ele diz. Não sei se por causa do que acabei de descobrir, ou por ele estar muito nervoso.
- Pai fala devagar. Não consigo te entender. O que aconteceu?
- Sua avó Ceci... Corre pra cá... Estamos no hospital em que o Júlio trabalha.
- Ceci... Você está ai? CECI...
Não consigo responder mais nada. Sinto uma tontura horrível, escuto apenas meu pai chamando meu nome cada vez mais distante...
Depois... Tudo escurece.
Desperto em minha cama. Será que tudo não passou de um sonho? Respiro fundo e olho ao redor. Tudo normal até que a porta do quarto se abre.
- Você acordou... Sente-se melhor?
Meu noivo está em meu quarto, olhando-me dos pés a cabeça como se procurasse se certificar de que estou bem mesmo. Para falar a verdade gostaria que estivesse mesmo. Percebo que tudo aconteceu de verdade e não tenho a mínima ideia do que pensar primeiro. Até lembrar que minha avó não está bem.
- Diz-me que ela está bem...
Falo com um aperto no peito segurando as lágrimas que luto para não deixar caírem, e muito, mas muito medo da resposta.
- Acalme-se meu amor, ela está bem agora. Seu pai a encontrou a tempo de socorrê-la. Já está sendo medicada e encontra-se fora de perigo. E você como se sente? - pergunta e me abraça.
O calor de seu corpo é tudo o que preciso no momento. Não sei como ele reagirá quando eu lhe contar que nós... Ai meu Deus! Será que ele...
- Ceci você está tremendo. É melhor irmos ao hospital, sua pressão deve ter baixado outra vez.
- Eu preciso te contar algo... Eu não sei como aconteceu... Quer dizer eu sei, mas...
- Meu amor fale uma coisa de cada vez, não estou te acompanhando. Respire profundamente e solta devagar...
Faço o que ele pede e aos poucos me acalmo. Realmente estou muito branca e suando bastante. Mil imagens se passam em minha cabeça, e um bebê chorando é a que mais me assusta.
- Está mais calma?
Na verdade, só ficarei quando conseguir contar tudo e não fazê-lo sair correndo.
- Antes de receber a ligação do meu pai eu estava... Eu estava... Eu estou grávida, Júlio...
Nunca fui boa em dar noticias, não consigo disfarçar, muito menos amenizar as coisas. Quando vejo as palavras já saíram sem ao menos eu calcular o peso delas.
Dessa vez ele que está branco feito gesso...
Éh agora que ele sai correndo e diz pra eu me virar sozinha...
- Vou ser pai? Eu vou ser pai...
Assusto-me quando ele pula da cama e me puxa pondo-me em seus braços. Ele realmente está chorando agora, essa reação de longe foi à esperada. Não que ele fosse do tipo que abandona mulheres grávidas. Claro que não. Por isso vamos dividir uma vida juntos. Por ser esse homem maravilhoso e lindo tanto por dentro quanto por fora.
Todo o meu medo se resume a mim, isto porque não sei se posso ser mãe agora. E tudo que planejei? Toda a minha vida irá mudar de uma hora para outra. E minha avó? Preciso vê-la agora.
- Preciso ver minha avó.
Digo ainda em seus braços. Apesar de ser o melhor lugar para estar, eu realmente preciso encontrar com ela agora. Depois penso como vou agir daqui pra frente.- O quê? Sumiu de novo o sinal.
Vejo movimento na frente da casa... Ele estava saindo.
- Que porcaria! Esse cara não podia deixar ligado? O que fazer agora? Justo agora?
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Para Minha Querida Amiga Secreta
Short StoryAmigo secreto é uma brincadeira bastante tradicional, que geralmente ocorre na época do Natal, que consiste em trocar presentes, entre colegas de trabalho, de escolas, e de familiares e amigos, desconhecidos. (Fonte internet) Nessa perspectiva 20 m...