Jesus, meu QI deve ter desaparecido quando entrei aqui dentro, pensou Soh, e desanimada com a sua tarefa, escolheu impulsivamente uma imagem que tinha uma mulher com olhar confiante que parecia uma modelo arrogante, e não a jovem doce e sonhadora que havia imaginado para sua primeira capa.
― Muito bem ― disse Eliana, satisfeita pelo progresso da primeira de suas cinco reuniões daquele dia. Soh ficaria sabendo mais tarde que os autores não costumavam participar daquele tipo de reunião, onde cada aspecto era decidido ali na hora. Mas como eles iriam publicar seu livro rápido, a editora achou melhor evitar atrasos em longas conversas por telefones e e-mails e decidiu deixar tudo pronto. ― Agora vamos falar da campanha de marketing. Eu quero uma frase impactante sobre o livro até o fim de semana nas redes sociais. Algo que chame as leitoras para a obra. Algo como: "Lute pelo amor com..." ou "Se Fulano desistir de lutar, perderá para sempre a chance de amar".
Fulano? Você por acaso leu o meu livro?
Aquilo foi demais para Soh. Num rompante, ela levantou-se da cadeira. Mas logo todos olharam em sua direção com espanto e aquilo a fez corar.
― É... Com licença. Eu preciso ir ao banheiro.
Eliana avaliou pela primeira vez a expressão da autora, e parecendo perceber a confusão em seus olhos, apontou para a cadeira e disse:
― Por favor, Socorro. Nós já estamos terminando. Preciso de apenas cinco minutos.
Abismada e sentindo o sangue esquentar, Soh sentou-se novamente e esperou enquanto Eliana dava a ordem para Camila sair e buscar o contrato para a autora assinar. Quando a jovem voltou e o contrato foi posto na sua frente, mal conseguia enxergar as letras. Eram várias páginas com palavras e frases que não teria como ler tão rápido.
― Fique tranquila, querida. Tudo o que acertamos está aí ― disse Elaine. ― Aqui está o cheque com o seu adiantamento, e na página quatro está o valor que será pago no total pela obra, mais a porcentagem por cada livro vendido.
Olhar para o cheque de dez mil reais fez Soh se alegrar, mas somente um pouco. Isso porque, no fundo da sua consciência uma voz lhe dizia para pensar um pouco melhor.
Naquele momento, Soh percebeu que estava sozinha. Suas amigas do UPL não poderiam lhe ajudar, nem sua família e outros amigos próximos. Precisava tomar uma decisão e teria que ser naquela hora.
Analisando tudo o que vira e ouvira, ainda parecia uma boa oferta, pensou ela, tentando pensar como um editor que pega uma obra ― ou seja, um produto ― e faz o melhor para que ele chegue ao maior número de pessoas. Isso era bom para ela, que veria seu sonho realizado, ainda que não totalmente da maneira como esperava. Aquilo era trabalhar em equipe ― disse a si mesma, na tentativa de se convencer que estava fazendo o certo.
Por mais que muita coisa tivesse sido mudada, desmontada e remontada de uma maneira que não esperava, ainda era a sua história. Certo?
― Alguém me empresta uma caneta? ― pediu, esforçando-se para parecer tranquila.
Eliana abriu um sorriso e lhe entregou uma caneta pesada e bonita de corpo prateado com detalhes em ouro.
Soh respirou fundo e fechou os olhos por alguns segundos. E naquele breve momento, percebeu que não estava sozinha e fez uma oração.
― Antes que assine, tem outra coisa que preciso dizer. ― Eliana buscou os olhos da jovem autora e prosseguiu: ― Para que consigamos lançar seu livro em janeiro, teremos que reescrever algumas coisas. Fique tranquila, não é nada demais. Mas existe algo, um ponto de vista, que concordamos que precisa ser mudado.
― Do que você está falando?
― Seu livro é lindo. Mas gostaríamos de tornar a história mais comercial.
― Como assim?
― Precisamos tirar Deus do livro.
― O quê?
― Para atingir um público maior, não podemos vincular religião, crenças.
― Mas acontece que o que está aí é a minha crença. E eu não estou pregando para ninguém. Eu escrevo sobre o amor.
― Isso mesmo. E precisamos que o amor seja o protagonista dessa história, não um Deus em que parte das pessoas acredita e parte não.
Soh estava pronta para discutir mais quando Camila, apaziguadora, colocou a mão no braço da chefe.
― Já passa do meio-dia. Por que não fazemos uma pausa para o almoço e depois nos reunimos novamente para terminar?
Soh foi a última pessoa a deixar a sala. Quando saiu, em vez de procurar um restaurante, foi se refugiar no banheiro. Jogou uma água no rosto e encarou o seu reflexo. Parecia que o sonho de publicar seu primeiro livro estava se transformando em um pesadelo. Se era o certo a fazer, porque sentia-se tão mal?
― Ela não é má pessoa, sabe? ― disse Camila, saindo de um dos cubículos. ― Apenas descrente.
― O que eu não entendo é porque vocês aceitaram o meu livro, se claramente não estão satisfeitos com ele e querem mudar tudo?
― Fui eu quem li o seu livro. Eu li e achei a história tão bonita e real, e falei tanto na cabeça dela que ela topou lê-lo. E gostou. Mas infelizmente a cabeça dela é dotada de números, não dos sentimentos que nós, seus leitores, possuímos. Particularmente, eu não mudaria nada na sua história. E a forma como eles ignoraram suas opiniões também não foi legal.
― Obrigada! ― Soh esfregou as têmporas e encarou a nova amiga no espelho.
― Talvez você não queira a minha opinião, mas vou dá-la mesmo assim ― disse Camila. ― Não sei qual será a sua decisão, mas você tem duas opções. A primeira é recusar o que eles te ofereceram; você poderá levar seu livro para onde quiser, e em contrapartida não terá o reconhecimento que teria aqui com eles. A segunda é aceitar o que eles estão propondo, deixar que eles trabalhem em seu livro da forma como acharem melhor e conquistar um grande público. E depois, quando já estiver famosa, fazer com que eles respeitem mais a sua opinião ou procurar outra editora de igual prestígio.
― Se estivesse no meu lugar o que você faria? ― testou Soh, encarando Camila.
― Eu não posso responder por você. A decisão é sua.
― E ela já está tomada ― respondeu Soh.
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Para Minha Querida Amiga Secreta
Kort verhaalAmigo secreto é uma brincadeira bastante tradicional, que geralmente ocorre na época do Natal, que consiste em trocar presentes, entre colegas de trabalho, de escolas, e de familiares e amigos, desconhecidos. (Fonte internet) Nessa perspectiva 20 m...