Passava das 16h e Soh ainda não tinha voltado para casa. Por sorte seu celular estava no mudo. Precisava de um tempo sozinha antes de responder às milhares de mensagens que a aguardavam.
Após caminhar um pouco sem rumo, ela havia encontrado uma praça charmosa e se refugiado na sombra de uma árvore, em um banco de madeira.
As lágrimas caíam soltas por tudo o que havia acontecido naquele dia, a decisão que tomara e as consequências da mesma.
― Com licença ― disse uma voz masculina próxima ao seu ouvido e fazendo-a se assustar e virar rápido para a figura que a analisava. ― Desculpe, eu não quis assustá-la.
Foi aí que Soh percebeu o motivo de aquela voz ter vindo tão próxima. O homem em questão estava em uma cadeira de rodas. Ele era jovem, possuía um semblante sério, e tinha olhos intensos, com um traço escondido de gentileza.
― Eu... É... Desculpe. Estou te incomodando? ― perguntou para ele, na defensiva.
― De forma alguma ― disse ele, mexendo no bolso da calça. Soh acompanhou seu movimento e se deparou com um lenço branco que foi estendido na sua direção. ― Eu estava próximo, remoendo minha própria amargura, quando te vi. Você parece... desconsolada.
― Eu? Ah, não, é só...
― Tudo bem ― disse ele. ― Se não quiser falar com um estranho sobre isso, eu entendo. É que eu não suporto ver uma mulher chorar.
Soh sorriu pela primeira vez naquele dia, e, para despeito de toda a estranheza da situação, se viu contando para aquele jovem sobre o dilema que passara naquele dia ― deixando de fora a parte da discussão sobre Deus.
― Mas como eles podem publicar o "seu livro" e ignorar suas opiniões? Isso é absurdo ― irritou-se ele.
― Eles possuem uma visão diferente de como as coisas são, e tomam suas decisões baseados em números, e não nas emoções. De uma forma comercial, eles estão certos. Mas talvez eu não me encaixe no perfil que eles procuram.
― Então, sua decisão foi não publicar com eles?
― Isso mesmo ― respondeu Soh, com o peito apertado, porém, certa de que fizera a melhor escolha.
― E quando foi que tomou a decisão? Quando percebeu que aquela editora, com todo o seu marketing e adiantamentos e distribuição não era para você?
― No momento em que eles me pediram para excluir Deus da minha história.
Pela primeira vez na conversa, o homem ficou mudo. Soh observou sua feição mudar, como se algo tivesse sido despertado dentro dele. Com os olhos arregalados, ele a olhava sem vê-la. Na verdade, ao que parecia, ele olhava naquele momento, para dentro de si mesmo.
― Você está bem? ― perguntou após um tempo.
― Estou. É que... Bem, eu me lembrei de uma coisa. É bobagem, não importa ― ele desconversou.
Sentindo na pausa do ouvinte um estímulo para continuar, Soh explicou:
― Na minha vida, Deus é tudo. É Ele quem Me sustenta quando Eu caio, que Me ampara nas horas difíceis, que norteia a minha vida.
― Se está tão convicta, porque estava chorando? ― perguntou ele, curioso. Parecia que aquela conversa havia tocado em uma parte profunda do seu ser.
― Porque eu saí de casa acreditando em um sonho que não vai mais se realizar. Pelo menos não da forma como eu esperava. Não posso negar que esteja triste por tudo ter dado errado. Mas mesmo agora, quando o que eu mais queria escapou pelas minhas mãos, é Nele que eu me amparo. Quando me viu chorando, eu estava agradecendo a Ele por ter guiado meu caminho. Meu choro é de tristeza sim, mas também é de alívio. Eu perdi uma grande oportunidade, mas sei que fiz a coisa certa. Pode ser que meu primeiro livro não venha a tocar milhares e milhares de pessoas tão rápido quanto teria tocado naquela editora. Mas quem ele tocar, será da forma correta.
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Para Minha Querida Amiga Secreta
Short StoryAmigo secreto é uma brincadeira bastante tradicional, que geralmente ocorre na época do Natal, que consiste em trocar presentes, entre colegas de trabalho, de escolas, e de familiares e amigos, desconhecidos. (Fonte internet) Nessa perspectiva 20 m...