Essa não era a reação que eu esperava, agora tenho certeza que sou péssima em ler as pessoas. Celi ficou muda e seu rosto não esboça nenhuma reação. Apenas me olha como se estivesse processando a notícia. Diante disso eu resolvo logo me desculpando.
- Desculpe-me vovó eu sei que vocês sempre confiaram em mim. Você sempre me avisou para ter cuidado e... Aconteceu... Não sei o que fazer! Por favor, me...
- Calma menina, não é o fim do mundo.
- O quê?
Tá legal! Será que ela está bem? Será que entendeu o que eu disse?
- Vovó eu estou grávida. Você entendeu?
- Sim Ceci! Sofri um AVC, não fiquei surda!
Como ela pode ainda brincar com uma coisa dessas, não só minha gravidez, mas sua condição. Nossa, acho que esse ataque em seu cérebro a afetou mais que do pensávamos.
Acho que percebeu minha expressão de pânico, pois me chamou para sentar ao seu lado na cama.
- Cecília, eu não vou dizer que não estou chocada com sua revelação, mas também não vou crucificá-la por isso. Deixa eu te contar uma história que aconteceu há anos com uma garota muito parecida com você.
- Vovó não me leve a mal, mas acho que não é um momento certo para hist...
- Cale a boca um instante menina e me escute!
Seu tom é realmente sério, então decido escutá-la.
- Sabe Ceci, a vida às vezes nos prega peças que nem ao menos podemos prever como irão acontecer. Quando você percebe já aconteceram e sua única saída é aceitar e seguir da melhor maneira possível.
- É, isso eu percebi, estou vivendo uma dessas peças agora. E não tenho a mínima ideia de como seguir.
- Xiiii... Não me interrompa, por favor!
- Desculpe!
- Como eu ia dizendo, a garota de quem falei tinha 17 anos e conseguiu entrar em uma faculdade de Artes cênicas, a qual era seu sonho de menina. Ela teve que enfrentar diversas dificuldades para poder realizar seu sonho, e umas dessas dificuldades era a aceitação de seus pais. Eles não concordavam com tal decisão da garota, achavam que aquela não era profissão para uma moça. Mesmo com toda resistência de seus pais, a garota continuou. Nada poderia fazê-la desistir de seu sonho.
Parou respirou um pouco e pensativa, como se voltasse há um passado longe continuou:
- Ela iniciou seu curso, e mesmo tendo que trabalhar para se manter, persistia dia após dia. Passou quase um ano sem falar com seus pais. Perto do natal, ela decidiu ligar e pedir a eles que aceitassem sua decisão e disse que não queria passar um natal longe deles. Afinal, tinham uma tradição de juntar a todos para a ceia. Seus pais então voltaram a aceitá-la em casa, entretanto ainda tentavam convencê-la a desistir e fazer outro curso. Mas a garota não queria mais discutir esse assunto.
De vez enquanto ela parava e voltava em seguida.
- No segundo semestre de faculdade ela conheceu um rapaz, calouro no curso música. Os dois começaram a se envolver, e em poucas semanas estavam apaixonados. Era o primeiro relacionamento sério dos dois. Naquela época os rapazes procuravam se divertir da melhor maneira possível. Aproveitar o tempo de faculdade, mas ele não, ele a queria apenas, somente ela. Era ótimo compositor, escrevia de forma linda e profunda, sempre direcionado a garota, sua maior inspiração. Em pouco tempo eles já haviam se entregado um ao outro, e na suas inexperiências tiveram consequências que não esperavam: uma gravidez. Isso mudaria todos os planos feitos. Eles queriam conquistar o mundo. Sonho de qualquer jovem. Mas com um filho, isso mudaria tudo, como iriam manter-se? Como continuariam a faculdade se ele dependia dos pais e ela tinha um empreguinho de meio período que mal dava para sustentar-se?
Neste ponto eu acredito que a emoção tomou conta a ela e a mim... No entanto ela voltou ao relato.
- Decidiram tentar, não falariam a ninguém. Foram morar na casa para estudantes enquanto não encontrassem um quartinho para se hospedarem até o termino da gravidez. Ele iria procurar algum emprego meio período, tentaria encontrar onde expor suas criações e assim ganhar algum dinheiro para ajudá-los com as despesas. Tudo estava planejado. Eles conseguiriam. Mas nem sempre as coisas saem como queremos. A menina começou a sentir-se cada vez pior, além dos enjoos ela sentia dores de cabeça mais frequentes. E ainda não tinham conseguido um quarto onde se hospedassem. As coisas estavam ficando muito difíceis.
A sua parada para respirar fundo me preocupava, mas agora estava curiosa com a história.
- Certo dia ela chegou, depois de mais um dia cheio de aula e trabalho, sentindo muito dor de cabeça, já tinha decidido ir ao médico. Aquilo não poderia ser normal. Quando entrou no quarto da casa de estudantes, o garoto estava sentado na cama, sua expressão evidenciava que havia feito alguma coisa que ela não iria gostar... E fez!
Agora ela estava naquele dia... Vivendo aquela cena...
- Enquanto estava no trabalho, ele ligou para os pais dela e contou toda a situação: todos os detalhes. Sabia que eles não a deixariam desamparada. Ele terminaria a faculdade, arranjaria um emprego e então iria buscá-la e criariam seu filho juntos. A menina não aceitou aquela decisão, pois não tinha decidido nada com ele, pois deveriam pensar juntos. Ele decidiu como seriam as coisas sem ao menos perguntar o que ela desejava. Naquela mesma noite, a dor de cabeça estava cada vez mais forte. Foi quando veio a dor no alto do abdome, vômito e o desespero. Não tinha outra saída ela precisava ir a um hospital o mais rápido possível. Menos de uma hora ela já estava sendo cuidada. Descobriu que sua gravidez era de risco, pois sua pressão estava alta e poderia perder seu bebê. O repouso era primordial.
Eu estava agora totalmente envolvida naquela história...
- A decisão tomada pelo pai da criança não poderia ter sido mais acertada, a menina teve que largar tudo o que sonhou para cuidar de sua gravidez. E, mais uma vez a vida lhe mostrou que não se pode ter controle de tudo. Ela teve que voltar para a casa de seus pais e aguentar calada seus olhares de decepção.
- E o que aconteceu com o pai da criança? – tive que perguntar.
- Bem, ele prometeu que terminaria a faculdade, e assim que conseguisse um emprego, iria buscá-la.
- Ele conseguiu Celi?
- Ele tentou ao máximo terminar o curso. Mas, a cada vez que ia visitá-la percebia o avanço da gravidez, sentia-se triste por não acompanhar cada etapa. Sabia que seu bebê estava bem, a menina conseguiu controlar a pressão indo periodicamente ao médico, mas isso não era suficiente. Gostaria de estar perto e vê-la todos os dias.
- E aí?
- Quando a menina estava com sete meses de gestação, ele decidiu abandonar o curso e procurar um emprego. Logo percebeu que a música não poderia sustentar uma família. Além do mais, não conseguia mais ficar longe dela nem de seu bebê, ele estava perdendo toda a gestação. A menina estava cada vez mais sensível, e toda vez que ele precisava voltar para a faculdade ela entristecia. E isso o angustiava mais e mais. Depois de abandonar de fato a faculdade, procurou seus pais e anunciou sua decisão. Apesar de discordarem da desistência, pois achavam que seu filho tinha talento e um dia seria reconhecido, o apoiaram como sempre. Conseguiu um emprego de gerente em uma lojinha pequena de eletrodomésticos, que na verdade pertencia a seu tio. A loja aos poucos foi crescendo, e ganhado notoriedade. Ele até pegou gosto pelo que fazia, principalmente, por poder comprar uma casa para sua família.
- Eles desistiram de tudo vovó? O que aconteceu depois?
Ela apenas me olhou. Não precisava de respostas. A partir daí eu conhecia a história.
- Era a avó dela. Cara eu sabia! – Digo a mim mesma.
A moça do caixa que eu conhecia me chamou:
- Anne! Vamos? Acabou o uso do wifi de hoje. – levantei o olhar e percebi que ela estava com a bolsa de lado e a chave na mão.
- Já? – percebi que todos já haviam saído.
- Minha querida, eu peguei cedo aqui hoje. Mas venha! Eu vou te mostrar onde você pode continuar sua leitura.
Saímos da padaria e ela apontou o posto de gasolina que ficava uns dois quarteirões.
- Na loja de conveniência do posto e a senha é pudim.
- Verdade? Como você sabe disto?
- Já roubei muito o wifi deles quando trabalhava na loja do lado. – Ela fala com um ar de segredo, como se alguém pudesse escutar.
- Ok! Obrigada. _ digo com o meu mais sincero sorriso de quem ganhou o dia.
- Depois me conta se a história é boa.
- É sim... Depois te passo o nome... Tchau.
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Para Minha Querida Amiga Secreta
Short StoryAmigo secreto é uma brincadeira bastante tradicional, que geralmente ocorre na época do Natal, que consiste em trocar presentes, entre colegas de trabalho, de escolas, e de familiares e amigos, desconhecidos. (Fonte internet) Nessa perspectiva 20 m...