LIBERDADE DE VIVER - Capítulo 1

46 12 5
                                    

​- Padaria! Isso!
​- Mãeee vou à padaria e já volto! – gritei sem esperar resposta.
​Entrei, caminhei para os fundos, achei um lugar em uma mesa num canto, pedi um suco de cajá e a senha do wifi.
​- Onde é que eu estava mesmo? Aqui achei...

- Seria tão mais fácil se a vida viesse com um manual.
Digo a minha avó ainda com o livro aberto em meu colo. Estou quase toda a manhã assim, lendo para ela. Desde que aprendi a ler, sempre que a visito trago comigo um livro. As histórias são variadas, todas as vezes que pergunto qual ela quer que eu leve da próxima vez, me diz:
- Qualquer um minha filha, você tem o mesmo gosto que eu.
Minhas visitas agora são frequentes, Celi está um pouco debilitada por conta de sua frágil saúde. Há poucos dias teve um AVC, graças a Deus meu pai chegou a tempo de socorrê-la. Aos 70 anos dona Celeste ainda insiste em morar sozinha. Claro que ela não aparenta em nada ter essa idade, sempre foi bem disposta, saudável, e muito teimosa. Segundo os médicos ela teve um tipo comum de AVC, o Isquêmico, o qual acontece quando um coágulo bloqueia a artéria que leva o sangue para o cérebro. Bom basicamente foi o que entendi. E qual foi a causa? Sua alimentação sem filtro. 
Agora está em casa, sob vigilância constante. Mesmo fraquinha ainda tenta sair da cama sozinha, ir ao banheiro sem o auxilio da cadeira de rodas, ou seja, está ainda mais teimosa. Mas mesmo assim, continua sábia e ainda consegue perceber quando preciso de seus conselhos.
- O que está acontecendo com você Ceci? Sei que Simone de Beauvoir nos leva muito a pensar, mas não acredito que seja só isso.
Estamos lendo A força da idade de Simone de Beauvoir, é uma espécie de autobiografia, a autora é maravilhosa, e com certeza, nos leva muito a refletir sobre a vida. Minha avó adora ler as obras dela e quando vi essa me lembrei de imediato de Celi. Comprei e agora estou lendo para ela.
- Você e seu olhar que desvenda tudo.
Falo com um tom de divertimento. Na verdade tento não mostrar meu atual sentimento. Desespero. Ela não precisa de mais uma preocupação. Ainda não tive coragem de contar a ninguém sobre minha gravidez.
- Anda menina fale logo! Acha que não percebi seu jeito desde que entrou em meu quarto? Quer me contar algo?
- Huuummm... Tudo bem, eu preciso de seus conselhos mais que nunca.
Não queria ter que trazer problemas pra ela, mas não sei o que fazer ou pensar. Na verdade não sei como vai reagir a tal notícia. Será que ela pode piorar? Fico apreensiva e com seu olhar atento percebe.
- São apenas problemas com a faculdade vovó, não se preocupe.
Tento disfarçar meu deslize inicial. É claro que ela irá piorar se eu contar. Por que não segurei minha língua?
- Não minta Ceci, você sempre foi uma péssima mentirosa. E problemas com a faculdade não levam a pessoa pedir um "manual de vida".
Meu suspiro com certeza não ajudou a convencê-la. Realmente eu sou uma péssima mentirosa.
- Jura que você não ficará nervosa?
Certo! Essa pergunta não é um bom início de conversa. Sua expressão endurece assim que pergunto. Droga!  Como eu vou falar isso a ela?
- Você já está me deixando nervosa. Ande, fale logo!
- Eu... Éh... Vovó você não quer um copo de suco? Está quente hoje e você precisa se hidratar bastante nesse calor.
- Cecília não me faça obrigá-la a falar.
Como se já não estivesse fazendo isso?!
- Tudo bem! Você saberá de qualquer forma.
- Sim saberei e é melhor que você me conte.
- Estou grávida.

​- Moça! – a atendente estava parada a minha frente.
​Olhei irritada, pois odeio ser interrompida quando estou lendo. Mas enfim respondi.
​- O que foi!
​- Daqui a pouco vamos fechar... E desculpe falar... Mas você nem tocou no suco ainda... Vai pedir mais alguma coisa?
​- Ân... O quê? Suco? Que... Ah tá... Na hora que for fechar eu saio...
​Nem dei confiança para a cara feia que ela fez ao se afastar, precisava me apressar e voltar ao livro.

Para Minha Querida Amiga SecretaOnde histórias criam vida. Descubra agora