Capítulo 9

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Apesar de ninguém estar realmente olhando para mim, sinto-me observada. Avaliada, na verdade. Caminho a passos rápidos até meu lugar e penduro uma das alças de minha mochila na cadeira. Ainda faltam cinco minutos para a aula começar, então retiro meu velho Rei Lear do segundo bolso —onde costumo guardar meus livros. Já reli a obra pelo menos dez vezes, mas, depois de Luke tê-la mencionado na outra noite, foi como se a história tivesse se tornado muito mais interessante.

—Desliguem os celulares e sentem-se, por favor —a professora ordena enquanto entra na sala carregada de pastas coloridas. —Tenho muita matéria para dar hoje, então, se quiserem passar na próxima prova...

Ela nem precisa terminar a frase. A simples menção da palavra "prova" é o suficiente para todos se acomodarem em seus lugares e encararem o quadro negro em total silêncio. Com um sorriso triunfante esboçado em seus lábios arroxeados, a sra. Gonzales vira-se e pega o giz azul. Apesar de essa cor ser a mais difícil de enxergar na lousa, ela sempre a escolhe, o que, devo demitir, me irrita profundamente. Cerro um pouco os olhos para tentar decifrar o que está sendo escrito, pois sua caligrafia também não é das melhores.

Um, dois, três, quatro, cinco, dez, quinze, vinte... Meia hora se passa e nada de matéria nova. Trata-se apenas de uma revisão do conteúdo que tivemos nas outras aulas. Os outros também parecem ter percebido isso, pois grande parte da classe está, discretamente, usando o celular. Sinto-me tentada a pegar meu livro, mas acho que não seria tão fácil escondê-lo caso a professora se voltasse para nós. Entediada, rabisco algumas flores no meu caderno. Margaridas, na maioria, mas também desenho algumas rosas e tulipas. Fica um pouco difícil diferenciar uma da outra, mas isso não me incomoda, afinal, são apenas esboços.

Depois de alguns minutos desenhando, começo a repassar a história de Rei Lear na cabeça. Céus, eu praticamente sei a obra de cor. Reler tudo de novo parece tão sem sentido... Ainda assim, sinto uma vontade extrema de voltar a explorar suas páginas. Ler um livro é uma coisa, mas gostar de um livro é outra. Luke gostou de Rei Lear. Algo nele chamou-lhe a atenção e eu quero descobrir o que foi. Talvez me ajude a entender o porquê de ele ser do jeito que é.

Algo dentro de mim implora para eu parar com isso. Talvez eu esteja exagerando. Talvez Luke tenha sido sincero quando disse que não estava me seguindo. Talvez ele apenas caminhe durante a noite porque não consegue dormir. Talvez eu queira que ele esteja me seguindo. Parece uma ideia sem sentido, mas não deve ser descartada. Sempre fui muito sozinha. Nunca tive muitos amigos, nunca socializei tanto quanto deveria, nunca fui considerada interessante. Ter alguém me seguindo quebraria um pouco minha rotina, me faria sentir especial, viva. Seria perigoso, mas emocionante. Me libertaria dessa prisão de tédio onde estou trancafiada desde que nasci.

***

Derramo o chá fumegante de camomila dentro de minha garrafa térmica. O relógio da cozinha indica que são onze e vinte e sete. Depois de rolar de um lado para o outro na cama e tentar pregar os olhos pelo menos quinze vezes, resolvi descer e fazer uma infusão para me ajudar a pegar no sono. Maldita insônia! Devo confessar que não sou muito fã de camomila, mas estou desesperada. Depois do almoço, contei sobre minha falta de sono para mamãe. Ela disse que deve ser por causa da mudança e que logo eu me acostumaria à nova casa e dormiria em paz. Disso não tenho dúvidas, mas até lá, não quero ficar me revirando nas cobertas sem parar por horas a fio.

Um movimento do lado de fora da casa me chama a atenção. Estico o pescoço e, com as pontas dos dedos, afasto as cortinas do vidro da janela da cozinha. Como eu já esperava, há uma silhueta escura se aproximando. Na verdade, só dá para ver sua sombra alongada pela Lua, mas logo ele aparece. Está muito frio e Luke parece saber disso, mas apenas abaixa a cabeça e continua caminhando, quase como se fosse obrigado a fazê-lo.

Quando o Sol se PõeOnde histórias criam vida. Descubra agora